O Humberto Ferreira ofereceu-se amavelmente para me enviar imagens actuais do solar de Outeiro Seco. Confesso-vos que não fiquei muito interessado. Quando lá estive com o Manel há cerca de 4 anos, fez-se uma extensa e sistemática reportagem fotográfica e não me apetecia ver mais imagens, que mostrassem, que a casa ainda se arruinou mais, que as últimas chuvas fizeram mais rombos nos telhados e que o dia em que tudo desabará como um castelo de cartas está cada vez mais próximo.
Contudo, o Humberto insistiu e enviou-me mais imagens, e fez bem, porque algumas delas são extraordinárias, sobretudo as da capela, que é o corpo do edifício com melhor tratamento arquitectónico. Apesar da ruína, da sujidade, das brechas e do vandalismo a extraordinária beleza da capela sobrevive ainda e mostra uma dignidade, que talvez pareça ainda desafiar o tempo, se nós não soubéssemos como os homens são capazes de destruir rapidamente, aquilo que levou séculos a erguer e a construir.
À entrada da capela temos a inscrição latina SALVATOR MUNDI DEUS MISERE NOBIS, depois temos o interior, onde no alto do altar, sobrevive uma talha dourada luxuosa, impressionante mesmo, que o Humberto fez o favor de fotografar.
À entrada da capela temos a inscrição latina SALVATOR MUNDI DEUS MISERE NOBIS, depois temos o interior, onde no alto do altar, sobrevive uma talha dourada luxuosa, impressionante mesmo, que o Humberto fez o favor de fotografar.
A Capela dispunha também de um coro, que dava acesso à sala do Museu e era daí que a família assistiria aos ofícios divinos. Claro, a estrutura em madeira do coro, já caiu.
Para além da história da Maria do Espírito Santo, minha trisavó, já contada neste blog no post de 22 de Janeiro, que se encontra lá sepultada, sabemos muito pouco ou quase nada sobre esta parte do edifício. Como os arquivos da casa desapareceram não conhecemos o nome do arquitecto a quem encomendaram a obra e certamente, dada a qualidade deste corpo imaginamos que não foi a um jeitoso qualquer. A minha a avó Mimi (Maria Montalvão Cunha) fez um inventário mais ou menos pormenorizado de quase todos os bens da casa, do qual tenho uma cópia. Contudo, não escreveu uma linha sobre a capela e é estranho pois era uma mulher culta, habituada a ver museus e sabia certamente apreciar o valor de uma imagem barroca do século XVIII e aos nossos olhos parece natural, que tivesse descrito no inventário o recheio deste templo particular da família. O meu pai tem a teoria de que a minha avó se impressionava de lá entrar, sabendo que os ossos da sua própria avó se encontravam por depositados. Eu não creio. Julgo que a minha avó Mimi, católica convicta como era nunca lhe passou pela cabeça que o conteúdo da capela pudesse vir a ser um dia dividido ou pilhado. Para ela, o recheio da capela seria indivisível, parte integrante daquele espaço sagrado, que para ela ficaria certamente aberto ao culto da população. Julgo que a Mimi não conseguiria conceber que uma igreja fosse dessacralizada.
Enfim, também há hipótese mais prosaica de a minha avó não ter tido tempo de terminar o inventário. Quantas vezes deixamos trabalhos que nos são são tão caros por fazer.
Também tenho uma pequena guerra como o meu pai, que um dia hei-de vencer, de que uma boa parte dos casamentos dos montalvões eram lá feitos. Há uma fotografia que anda perdida, que mostra a minha avó Mimi no dia do seu casamento com o Silvino, com a Maria Natália ainda menina, a saírem da capela de Outeiro Seco.
Também tenho uma pequena guerra como o meu pai, que um dia hei-de vencer, de que uma boa parte dos casamentos dos montalvões eram lá feitos. Há uma fotografia que anda perdida, que mostra a minha avó Mimi no dia do seu casamento com o Silvino, com a Maria Natália ainda menina, a saírem da capela de Outeiro Seco.
O nosso seguidor, Humberto, transmitiu-me a este propósito que os mais velhos em Outeiro Seco ainda contam que chegaram a ser rezadas missas na Capela do Solar pelo Padre Liberal e que as mesmas eram muito concorridas, talvez não só pelos dons de oratória mas, porque no final da missa distribuíam uma maçã a cada criança.
Mas, enfim nada sabemos dos Santos que se encontravam na capela. O Humberto Ferreira adiantou-me que por lá existiria certamente uma Santa Rita, aliás o nome da rua para qual dá e o nomes de algumas das minhas antepassadas. Segunda a mesma fonte, a população conhece-a como capela de Sta. Rita. Outro natural de Outeiro seco, o Joaquim Ferrador falou que um das imagens era a de São Salvador, o que faz sentido com a inscrição latina que ornamenta a entrada da capela.
Há uns anos, telefonaram ao meu pai da Câmara Municipal de Chaves perguntando se o meu pai sabia o nome dos santos que ornamentavam o interior da capela. Será que estão na posse do município flaviense?
Se os habitantes de Outeiro Seco quiserem conversar com os seus pais e os mais idosos da aldeia, perguntando-lhes que santos dispunha a capela, agradeço e compilarei aqui essas informações.
A imensa tristeza
Créditos: A primeira foto é do meu amigo Manel, a do Padre Liberal Sampaio é dos arquivos da família e as restantes foram gentilmente cedidas pelo Humberto Ferreira
Olá Luís
ResponderEliminarComo eu o compreendo, por não querer ver mais imagens do solar cada vez mais arruinado!
Não imagina como eu me senti,passados trinta anos,de rever na Internet a casa e os lugares onde vivi em Angola...
Seja como for, acho interessantíssimo o cruzar de recordações e vivências entre si e o Humberto.
Um abraço
Maria Gabela
Olá Luís,
ResponderEliminarQuanto ao orago principal, julgo que não restem dúvidas que seja Santa Rita, uma vez que a Capela é conhecida como Capela de Santa Rita.
Colocaste uma questão interessante, que é a de haver a possibilidade dos Santos da Capela estarem na posse do Municipio.
Embora eu não seja muito bem visto por lá, logo que possa, tentarei aproximar-me do Museu e ver o que por lá há.
De verdade compreendo que te tenha custado, mas ficou um bom post.
Um abraço,
Berto
Obrigado Maria Gabela
ResponderEliminarA morte das velhas casas é sempre triste. temos tendência vê-las como velhas senhoras, que já foram bonitas e que se vão apagando aos poucos...
Caro Humberto
ResponderEliminarTudo que puderes saber do paradeiro dos Santos é bem vindo.
Também escrevi informalmente para um contacto da Câmara de Chaves fazendo-lhe meia dúzia de perguntas, entre as quais qual ou paradeiro dos Santos. Abraços
O que descreves aperta-me o coração!
ResponderEliminarSabes o quanto sou apegada a capelas, ermidas, nichos no meio da estrada ou de uma montanha, reflexo de religiosidade.
Olá Luís
ResponderEliminarParabéns ao Manel pela excelente foto da capela.
Imponente por dentro e nas cantarias, amei os fogaréus.
Vamos à descoberta dos Santos!
Gostei sobretudo da atitude em pedir informações à Câmara de Chaves sobre o assunto.
Fazendo uma analogia ao tema.
Há dias vi uma reportagem, sobre umas termas romanas descobertas em Chaves, em excelente estado de conservação.
Aí, respirei de alívio, afinal a edilidade até respeita algum património.
Fazendo jus ao que acabo de dizer, espero que o dia para a requalificação do Solar do Outeiro Seco chegue a tempo de todos nós, e principalmente os Montalvões, ainda serem convidados para a sua reinauguração.
Adivinho que adoraria por certo que fosse a sua filha Carminho, tão parecida que é com a sua querida Mimi....Que ficava bem, lá isso, acredito!
Um comentador dizia que o lugar é recôndito, longe da cidade, perto de Espanha. Excelente.
Hoje damos de caras com um novo turismo de descoberta do interior, de belezas mais serenas e calmas que as poluídas praias apinhadas de gente que cospe caroços para a areia.
A fé comanda a vida e os audazes!
Um abraço
Isabel
Olá Luís,
ResponderEliminarSobre os Santos, vamos ter calma...
Hoje acho que dei mais um passo, está quase, mas nada de foguetório.
Um abraço,
Berto
Ai Isabel, quem dera que eu fosse culpado da beleza da foto, mas não! Toda a culpa reside no edifício, limitei-me a ficar subjugado!
ResponderEliminarDe salientar a talha do fecho que marca o arco triunfal da capela-mor, a única que ainda resta sabe-se lá porquê ... linda na sua exuberância de formas!
O tecto da capela-mor, pintado em "trompe-l'oeil", imitando o venado mais luxuoso de outros materiais, tem algo de intuitivo na sua manufactura artesanal rural, o que lhe acrescenta uma "frescura naive"! Atrai!
Mercê da divulgação que os livros de arte vieram trazer, e pela abertura ao público de propriedades privadas que muitos donos permitiram, a par do meu interesse pelo assunto, conheço capelas de outras casas senhoriais, mas esta, pelo equilíbrio e harmonização de coloridos no seu todo (de salientar o uso, contido, de dourados e uma cor de base das talhas, acinzentada azulada, que casa perfeitamente com a da cantaria, granítica, à mistura com apontamentos de um vermelho a atirar para o magenta), pelo próprio dimensionamento do espaço (este juízo só se pode ter mediante visita ao local, mas, e para quem se interessar, a razão é de 1 para 2, em planta, repetindo-se a mesma proporção entre a largura e o pé direito) em nada fica a dever em dignidade a outras, quiçá até mais opulentas e ricas!
Apesar de barroca na sua concepção, há uma certa austeridade que, possivelmente derivada de uma economia de meios/materiais, possivelmente devida aos laivos classicistas que começam a invadir a estética francesa (o gosto que no século XVIII, e a par do italiano, era, por tradição, seguido aqui em Portugal), caracterizam todo este espaço, conferindo-lhe uma dignidade que falta a outros espaços coetâneos.
As cantarias, nesta capela, mediante transições luz-sombra, definem planos que, num nível elevado, definem perfeitamente a subdivisão de tecto e parede (o gosto "rocaille" de unificação de paredes e tectos, salvo uma ou outra excepção, nunca foi muito cultivado entre os portugueses), e mais abaixo, separam o sagrado do profano (o altar está 3 degraus mais alto). Gosto desta racionalidade prática!
Esta separação, a outro nível, também existe entre o chamado "coro alto" (apesar deste espaço não estar visível em nenhuma foto, era iluminado por duas janelas, uma, mais simples, virada a Sul, com assentos em pedra de cada lado, e a 2ª, mais elaborada, a janela que aparece na 3ª foto, com a inscrição "SALVATOR MUNDI DEUS MISERE NOBIS", que dava para a fachada principal, a poente), e o espaço mais abaixo, ao nível do piso térreo.
O "coro alto", ao nível do 1º piso, de estrutura em madeira, esquadriado, onde o barroco não parece ter deixado marcas, ligava-se directamente, através de uma porta, com uma das salas de aparato do solar, a que continha o já aqui denominado "museu".
Este espaço privilegiado, destinava-se ao uso exclusivo da família, em contraste com o do nível térreo, que comunicava pela porta principal com a via pública (novamente 3 degraus o separavam desta) e que serviria igualmente a população em dia de Eucaristia ou, quiçá, outras solenidades.
Talvez fosse interessante saber se, por acaso, esta casa teria religioso residente que oficiasse, se o teria de forma intermitente, ou se nunca o teve e seria o pároco local que aqui vinha oficiar de uma forma mais ou menos regular.
Igualmente interessante teria sido a possibilidade de acesso aos documentos de sacralização deste espaço!
Nada tenho a ver com o edício ou com a família, e peço desculpa por extravasar o simples comentário, mas não consegui deixar de fazer esta descrição, que, de um ponto de vista mais frio, traduz a visão de um leigo que não está afectivamente ligado ao espaço!
Manel
Ainda bem que te lembraste de adicionar uma foto deste coro alto! Merecia
ResponderEliminarManel
Hei-de voltar a este post e lê-lo com mais atenção, agora só as imagens me deixam uma grande melancolia, adoro ver o nosso património preservado, neste caso espero que alguém tenha a sensatez de o recuperar em breve, para boa memória colectiva, porque o património mesmo privado que seja como é o caso, é nosso, memória dum país.
ResponderEliminarObrigada Luis por estas histórias magnificas.