quarta-feira, 3 de março de 2010

Castanea sativa


Não tenho propriamente uma terra. Nasci em Timor, ilha da qual não guardo qualquer espécie de memória e fui criado em Benfica, que é aquele bairro lisboeta incaracterístico, dos anos 60/70, que a coisa mais próxima do pitoresco que apresenta são as varandas com marquises em alumínio.

Só experimento aquele sentimento de esta é a minha terra, em Vinhais, perto de Bragança. Ali sinto que tenho raízes, encontro traços fisionómicos semelhantes aos meus nas pessoas, que vejo na rua e identifico-me com aquelas paisagens de montes a perder de vista, que anunciam já a Europa do Norte. O isolamento das serranias adapta-se a um certo lado insular da minha personalidade. As histórias já muito esbatidas de antigas comunidades perdidas naquelas serras praticando em segredo o judaísmo, ajudaram também a sentir aquela terra como minha, pois sempre me senti como parte de uma minoria

No entanto, talvez o elemento que para mais simboliza esta região é o castanheiro, que cobre grandes manchas desta região. Sempre que nos aproximamos de uma povoação, 3 ou 4 km antes, começam a rarear os carvalhos e aparecem os soutos. São compostos por centenas de castanheiros enormes, por vezes gigantescos, muitos com centenas de anos, existe mesmo um em Lagarelhos, que terá cerca mil anos, conhecido entre os populares pela “grande castanha”. Rodeando todas as aldeias há estas árvores enormes e centenárias, formando bosques que nos recordam os contos da infância onde as meninas eram atacadas por animais ferozes na floresta.
É uma paisagem impressionante que se estende pela chamada Terra Fria, uma região formada pelo Conselho de Vinhais e a parte Norte do distrito de Bragança e que como o nome indica é particularmente fria. Ao que parece 80 % dos castanheiros portugueses encontram-se aqui concentrados e esta zona do País é também praticamente a única que não foi contaminada por eucaliptos.

Há pouco tempo numa das minhas deambulações pela net, descobri um blog estupendo, http://plantas-e-pessoas.blogspot.com/, com imensos artigos interessantes sobre castanheiros, escritos por agrónomos e com os quais aprendi imenso.

Ao contrário do que me sempre contaram em miúdo, o castanheiro não foi a principal fonte de alimento dos povos celtas que viviam no alto dos castros, que dominam ainda muitos montes sobranceiros às povoações transmontanas. Segundo o Blog Plantas-e-pessoas, que repete Conedera et al., Veget Hist Archaeobot, 13, 2004, não há provas do cultivo do castanheiro fora da Península Itálica durante o período romano. O Castanheiro terá sido introduzido na alta Idade Média, consolidando-se nos sistemas tradicionais agrícolas a partir do Século XI.
Isto é uma revelação espantosa. Talvez os primeiros pés de castanheiros tenham sido transportados de França pelo caminho de Santiago ao longo do Norte das espanhas e introduzidos no Ocidente Peninsular, logo nos primeiros tempos da reconquista. Em 868 o Porto foi tomado definitivamente aos Mouros por Vimara Perez e a linha a Norte do Douro está outra vez nas mãos dos cristãos e talvez tenha sido nesse período de tempo que se começaram a plantar os soutos transmontanos, tornando-os numa fonte alimentar essencial na região.

Sei que fugi um bocadinho ao tema das faianças, azulejos, porcelanas com florzinhas vitorianas e santos barrocos, mas não podia deixar de falar dos castanheiros, umas velharias da natureza, que sempre me impressionaram tanto e que fizeram parte da vida de gerações e gerações de antepassados meus.

4 comentários:

  1. Caro LuisY

    Focou um tema tão interessante quanto os temas habituais.
    Comparo o castanheiro a um Marco Romano - Imponente e altaneiro!
    Evidencia uma paixão pela escrita.
    Qualquer mote que lhe recorde o passado serve de tema para um post muito agradável e bonito, pelo humanismo e ternura como evoca a escrita.
    A julgar pelas fotos, as crianças junto ao emblemático castanheiro, depreendo serem os seus filhotes.Lindos. Nota-se ser um pai "babado". Não é caso para menos!
    Nunca estive em Timor, mas de Baucau um amigo fusileiro trouxe-me o que estranhamente lhe pedi - Uma pedra. Linda de cor rosácea, onde sobressai um anel grosso esbranquiçado de arenito mais duro em jeito de coração.
    No concelho de Ansião também existiram muitos castanheiros, nomeadamente na serra de Nexebra.Pegando no passado, esta serra ao que dizem foi esventrada pelos romanos na procura de oiro, muitos vestígios de minas, também a estrada de Santiago passa no concelho e nele ainda existem vestígios celtas, nomeadamente nas azenhas com a abertura em lages calcárias em forma de triângulo. Porém, uma doença há coisa de 50 anos, dizimou-os quase todos.
    Tenho lá uma courela com um "senhor pé" calcinado pelo fogo a fazer inveja ao que mostrou. Em particular gosto da folhagem alongada mui elegante e dos tons quentes de Outono, também do pêndulo nos ouriços para puxar e o fazer abrir ( tipo umbigo dos cordeirinhos).Em miúda comia muitas castanhas piladas.Adoro fazer magustos, não tanto mocegar castanhas. Gosto do sabor a erva doce.
    Pena que há 2 anos comprei um que plantei, veio uma geada em meados de Abril e queimou-o.Mas encontrei há pouco um a despontar já grandito por entre os eucaliptos.
    Senti-me voltar ao passado e à minha casa rural.
    Obrigado!
    Um abraço

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  2. Sim, são os meus filhos e gosto dessas fotografias deles juntos aos velhos castanheiros, pois são como os novos rebentos de árvores centenárias da Terra Fria de Vinhais.

    Os castanheiros gostam de sólidos ácidos e para darem castanhas gordas precisam de chuva no Verão e por isso se dão bem na Terra Fria, onde em Agosto caem grandes bátegas de água.

    A minha velha Tia Maria Adelaide fica sempre contente com as chuvadas de Agosto, pensando nos seus castanheiros, enquanto que nós miúdos, ficavamos tristes porque não podiamos ir ao rio

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  3. Quando em miúdo, rodeado pelas planícies algo tórridas africanas, lia nas longas tardes de Verão, quentes, pegajosas, sufocantes, histórias de encantar que metiam ao barulho princesas, vadios, príncipes de orelhas de burro, saloios espertos e velhos sovinas, animais falantes, bruxas e fadas, algumas malvadas, e, de quando em vez, aparecia o herói da história, um rapazinho como eu, ou um lenhador da floresta que fazia o seu lar entre as raízes de uma árvore secular (quiçá milenar) e eu pensava com o meus botões que aquilo era um exagero literário.
    Claro que estes contos de fadas referiam-se invariavelmente a paisagens europeias, pois daqui eram oriundos os grandes fabulistas como os Grimm, a Condessa de Ségur, Perrault, La Fontaine ou Andersen.
    Ainda que estivesse habituado a ver, porque me rodeavam por todo o lado, eucaliptos de tronco portentoso, mangueiras frondosas, papaeiras esgalgadas, micaias infestantes, acajueiros de copa profunda e misteriosa, as acácias de flores vermelhas de fogo ou amarelas de oiro, goiabas perfumadas, de pequeno porte, buganvílias multicolores com troncos tão grossos como se de árvores se tratassem, nunca tinha visto nenhuma em que o tronco estivesse escavado por forma a poder albergar fosse o que fosse daquele porte, e tomei aquelas descrições como lucubrações, hipérboles literárias destinadas a crianças (que eu já me achava grande demais para essas infantilidades!!!! hehehe as crianças são assim, possuem uma visão distorcida de si mesmas).
    Só quando vi esta tua "grande castanha" percebi o sentido daquelas histórias da minha infância! É impressionante o espaço que existe no meio do tronco e entre as raízes deste monumento vivo.
    Claro que as oliveiras, muitas vezes centenárias, possuem troncos retorcidos, descarnados, belos na sua rugosidade e histórias por contar, mas nada que se compare com a grandiosidade do tronco desse espécime.
    Lá pela aldeia, desde há cerca de 20 anos a esta parte, tentamos fazer crescer meia dúzia de castanheiros, mas os terrenos ou são demasiado calcários, ou, quiçá, a própria natureza não seja adequada ao crescimento deste tipo de árvore. O que é certo é que eles vão crescendo algo raquíticos, mas vão crescendo ... de bom fruto é que ainda não vi nada, apesar deles ameaçarem cada ano, mas são só ameaças.
    Quando o fruto surge, em grande quantidade, é verdade, dos ouriços só emergem umas coisas enfezadas e síquidas, praticamente incomíveis ... bem, contentamo-nos com a beleza da árvore, que essa sim, é muito elegante, como aliás, muito bem comenta a Isabel.
    As fotos estão muito bem, sobretudo a da tua filha, com uma paisagem linda a perder de vista ... faz querer pertencer a esta região
    Peço desculpa pela extensão do comentário!
    Manel

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  4. Pois o tema sobre o castanheiro, irá ser objecto de uma exposição em Arganil, da iniciativa do arqueólogo Paulo Ramalho, que penso estar a trabalhar em São Tomé.
    O Castanheiro é uma árvore secular, podendo ser vistos grandes e lindos exemplares em todo o País e se não fossem os incêndios que devastam as florestas, teriamos soutos frondosos onde prevaleceriam enormes esculturas, mas esta árvore è resistente e renasce com toda a pujança após cada incêndio ou atentado.
    Na serra do Açôr, na aldeia de Chãs de Égua, Freguesia de Piodão ainda se podem contemplar belos exemplares.
    O Castanheiro era tudo para os antigos povos, mesmo a sua base de alimentação, antes da introdução da batata. Do castanheiro se retiravam as "traves" para as casas, dos rebentos as tiras para o trabalho artesanal dos cestos, canastrões, cestas, madeira para as dornas e pipas, mobiliário, gamelas, pá do forno, penados dos moinhos movimentados a água,
    as trancas do currais, os fechos das postas, cajados e bengalas moldadas depois de aquecidas no forno, imagens das capelas, retábulos das alminhas que existiam nos caminhos, as "hélices" das tramelas para afugentar a passarada, as artesas onde comiam os suínos e muito mais. Como nota curiosa, também a criançada nos finais do Verão entrava nas "talocas" procurando as "febras" que assadas eram uma delícia.
    Que coisa espantosa é a rica madeira de castanho e que histórias havia para contar.
    Carlos Pereira - Fernão Ferro - Seixal

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