sexta-feira, 30 de novembro de 2018

Um general, uma pianista e uma senhora vestida de amarelo com uma rosa vermelha ao peito: viagem por um velho álbum de fotografias

 
Como é já do conhecimento dos pacientes leitores deste blog recebi de uma prima dois álbuns de fotografias carte-de-visite da família Montalvão e o trabalho de identificação dos vários retratos tem sido uma viagem no labirinto das genealogias familiares e da rede de amizades, cultivada pelo meus antepassados no último quartel do século XIX.

No meio de muitas imagens de damas vestidas com metros e metros de seda, de condiscípulos do meu trisavô do curso de teologia, com aquele ar seráfico tão característico de muitos homens da Igreja ou de jovens elegantes de bigode retorcido, finalistas do curso de Direito, em 1901-1902 e colegas do meu bisavô, houve uma fotografia que se destacou desde logo, a de um jovem militar, cheio de garbo.

Embora a fotografia não tivesse nenhuma legenda, como era o único militar de toda esta galeria de retratos, suspeitei de imediato que tratava do irmão da minha trisavó, António Vicente Ferreira Montalvão, que fez uma carreira brilhante no exército, chegando mesmo a Comandante do que é hoje a Academia Militar.
Foto tirada no estúdio de H. Tisseron, photographie parisienne, R. do Loreto 61 e Rua das Chagas 42, Lisboa
A fotografia foi tirada por um tal H. Tisseron, fotógrafo parisiense, radicado em Lisboa desde 1858 e o uniforme lembrou-me de imediato à indumentária militar francesa do tempo de Napoleão III. Presumi por isso que fosse uma fotografia da década de 60 do século XIX.

Mostrei a fotografia ao meu irmão, oficial reformado do exército e antigo aluno da Academia Militar, bem como ao Coronel Francisco Amado Rodrigues e foram os dois de opinião, que o jovem envergava um uniforme da Escola do Exército, muito provavelmente com a patente de Alferes. Ora o meu pai, que estudou a biografia deste antepassado nos arquivos do exército, refere que em 24-10-1864, António Vicente Ferreira Montalvão foi promovido a alferes-aluno e consequentemente esta fotografia terá sido tirada pouco depois dessa data. Teria nesta altura 23 anos ou 24 anos.

Contudo a dúvida subsistia e resolvi enviar à bisneta de António Vicente Ferreira Montalvão, a prima Fernanda Montalvão Hof, uma cópia digital desta imagem e a Senhora ficou muito surpreendida, pois nunca tinha visto esta fotografia, mas concluiu com toda a segurança, que se travava do seu bisavô, já que era igual ao pai em novo.

Portanto esta é a fotografia do General António Vicente Ferreira Montalvão (18-12-1840-19.9.1919), que foi muitos anos, professor na Escola do Exército e que Francisco Gonçalves Carneiro considerou ser o maior matemático do seu tempo em Portugal, conforme se poder no Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses.

Ao contrário da sua irmã, a minha trisavó, que se envolveu numa relação mais ou menos escandalosa com um padre e do outro irmão o Miguel, que rodeado de livros, morreu louco, segundo reza a obra 5 contos …em moeda corrente, em consequência de amores mal correspondidos com uma prima, o António Vicente Ferreira Montalvão casou muito bem, com uma senhora da boa sociedade lisboeta, Mariana das Mercês Bravo Borges (1858-1888) e juntos tiveram uma filha, Elina Bravo Borges de Ferreira Montalvão (1884-1912), da qual tenho também uma fotografia no segundo álbum, formado pelo meu bisavô.
 
Elina Bravo Borges de Ferreira Montalvão era filha do General António Vicente Ferreira Montalvão  . Foto de Vidal & Fonseca, na Calçada do Combro 29, Lisboa

Segundo a minha prima Fernanda Montalvão Hof, o General António Vicente Ferreira Montalvão ter-se-á afastado da irmã, a Maria do Espírito Santo, depois de esta se ter envolvido com o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio e só regressou a Chaves depois da morte da minha trisavó, em 1902. Contudo nesse mesmo ano, com uma dedicatória muito afectuosa, a jovem Elina oferece a sua fotografia, ao primo, o meu bisavô, que para todos os efeitos era o filho bastardo de um padre e de uma fidalga, o que talvez seja o indício de que o escândalo dessa relação amorosa não foi assim tão grande, já que a bastardia era um fenómeno comum no século XIX, conforme defendeu Maria Filomena Mónica na sua biografia sobre Eça de Queiroz, outro filho ilegítimo. Enfim, relações ilegítimas com bastardos à mistura não eram a situação mais recomendável na sociedade, na segunda metade do século XIX, mas também era nada do outro mundo. Se assim não fosse, o General António Vicente Ferreira Montalvão, nunca deixaria a sua filha prendada, com o curso superior de Piano, discípula de Viana da Mota e dama da corte trocar fotografias com um bastardozinho.
 
Verso da fotografia da jovem Elina, com dedicatória ao meu bisavô, "José, envio-te o meu retrato accedendo ao teu pedido e para te provar que te estimo como a um irmão. Tua prima Elina. 19-12-902"
Seja como for esta Elina, que nesta fotografia nos parece tão doce, talvez até demasiado suave para suportar as cruezas, que a vida sempre nos reserva, veio a casar com um primo afastado, o Dr. Leopoldo de Montalvão de Lima Barreto Pereira Coelho, médico e proprietário do chamado Solar dos Crespos em Vinhais. Morreu cedo, com cerca de 28 anos e deixou um filho, o pai da minha prima, Fernanda Montalvão Hof.
 
O chamado Solar dos Crespos, em Vinhais
O Dr. Leopoldo de Montalvão de Lima Barreto Pereira Coelho casou em segundas núpcias com Graziela Russel Cortez, uma senhora bonita e vistosa, de que a minha mãe e as minhas tias se lembravam muito bem de Vinhais. A partir das histórias que me contaram ao longo da minha infância e juventude, fui formando imagens da Sra. Dona Graziela, passeando-se pela única e comprida rua de Vinhais na companhia da criada, que lhe segurava a sombrinha, ou de quando se sentava no estabelecimento comercial do meu avô materno, para conversar e se distrair do aborrecimento de uma vila perdida nas serras do extremo Norte de Portugal. Tenho também ainda muito presente, a imagem daquele certo dia de 1937, em que a Sra. D. Graziela Russel Cortez se vestiu de amarelo com uma rosa vermelha ao peito, quando soube da morte do seu marido, vítima de uma angina de peito a bordo de um navio.

Bibliografia:

História da imagem fotográfica em Portugal 1839-1997 / António Sena. - 1ª ed. - Porto : Porto Editora, 1998

http://www.dodouropress.pt/index.asp?idedicao=66&idseccao=565&id=3270&action=noticia

5 contos …em moeda corrente. . / Montalvão Machado - Porto: Livraria Progredior, 1961

Famílias transmontanas : descendência de Francisco de Moraes, Palmeirim : ligações familiares e outras famílias de Trás-os-Montes / Francisco Xavier de Moraes Sarmento- . Ponte de Lima : Carvalhos de Basto, 2001.

Os Montalvões / J. T. Montalvão Machado. - Famalicão: Tip. Minerva, 1948

9 comentários:

  1. Que história fabulosa. Dava um livro. Bom Sábado!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Margarida

      É verdade. Estes dos álbuns são um fresco da sociedade flaviense entre 1860-1900, com retratos de antepassados, parentes e amigos e as suas histórias, de amor, traição e heroísmo, que se entrecruzam num verdadeiro labirinto. Ando a pensar propor a revista Aquae Flaviae, a publicação de algumas destas histórias que tem tanto interesse para história social da cidade, como para a história da fotografia em Portugal no século XIX. Bjos e bom fim-de-semana

      Eliminar
  2. É uma história rocambolesca, mas muito típica da sociedade da época, quando toda a sociedade conhecia os contornos, mas nada se mencionava em público.
    "Vícios privados, públicas virtudes", lá diz o ditado.
    A fotografia da jovem é de uma doçura e ingenuidade que nos toca imenso. Fico muito sensibilizado com esta fotografia!
    Espero que, se assim o entenderes, mandes estas histórias para publicação no Aquae Flaviae, e que eles o façam. O mínimo que poderão fazer é publicar estas histórias, em vez das tontarias que tão recentemente publicaram sobre o teu trisavô.
    Estas histórias tão intimistas são o retrato de um Portugal oitocentista. Muito mais interessantes que um compêndio de história sobre a sociedade da época, onde só se escrevem banalidades e lugares comuns, e de que muito pouco se fica a saber, pois, muitas vezes, com receio de ferir suscetibilidades, só fica o que é politicamente correto.
    Parabéns por mais este texto, que é muito bom.
    Manel

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Manel

      A imagem da jovem Elina também me comoveu. A fotografia tem destas coisas, a capacidade de surpreender emoções e sentimentos num pequeno instante, neste caso, a frescura, a ingenuidade e a doçura de uma jovem bem educada e talvez não inteiramente preparada para a vida. A dedicatória que faz ao meu bisavô, com a sua bela caligrafia própria de uma rapariga com uma educação esmerada, também é comovente, porque para todos os efeitos, o seu primo direito era um bastardo.

      À medida que vou avançando na identificação e na reconstituição da história das personagens deste álbum, sinto cada vez mais que ele é um fresco da sociedade flaviense no último quartel do século XIX.

      A histórias das pessoas comuns é muito mais esclarecedora para a história social, do que o estudo das grandes personagens políticas. O estudo das pessoas comuns permite-nos ter uma ideia mais justa do que era o padrão de uma sociedade.

      Creio que vou escrever para a Aquae Flavie propondo a publicação destas histórias.

      Um abraço

      Eliminar
  3. Essa história do vestido amarelo da D. Graziela deve ter rendido um ano de escândalo, em Vinhais! Bjs

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Luisa

      Obrigado pelo teu comentário. É verdade, essa história da Sra. D. Graziela ter-se vestido de amarelo com uma rosa vermelha ao peito no dia em que soube da morte do marido, rendeu muito mais que um ano de escândalo em Vinhais. Eu ouvi contar essa história, que aconteceu em 1937, variadíssimas vezes ao longo dos anos 70 e 80. Apesar de ser um médico com valor, que abriu um dos primeiros sanatórios no Caramulo, o marido era um sovina, que matava a família à fome. Enfim, as histórias da Sra. D. Graziela animaram a vila de Vinhais por muitas décadas.

      bjos

      Eliminar
  4. Boa tarde,
    Interessante Dr. Leopoldo de Montalvão de Lima Barreto Pereira Coelho meu bisavô segundo as informações dadas à minha família ele faleceu de angina de peito em pleno mar e não uma congestão...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro primo ou prima

      Muito obrigado pela sua correcção. Já alterei o texto. Embora me tenha socorrido de alguma bibliografia para elaborar este post, algumas informações vieram por tradição oral da família Morais Ferreira de Vinhais. As fontes orais apesar de valiosas tem sempre imprecisões.

      Um abraço e mais uma vez obrigado

      Eliminar
    2. Bom dia,
      Fazendo minha correção não sou prima, sou bisneta de Leopoldo e Graziela...
      Assim sendo ate posso compreender estar a escrever sobre a minha família mas gostaria que tivesse um pouco mais de respeito a falar da minha família pois por mais que sejam boatos ou "verdade"a familia como pode imaginar não gosta que escreva a história desse jeito de maneira a desrespeitar /e ao mesmo tempo insultar os meus antepassados como pode saber antigamente era um pouco assim. Suponho que a sua familia também saiba e assim sendo não gostaria que descrevessem a sua familia desses tempos de tal forma como descreve a minha...
      Estou a zelar pela minha família como também pela memória dos que não estão mais presentes para se defenderem como meu bisavô Leopoldo , bisavô Graziela como meu avo e meus tios...
      Cumprimentos

      Eliminar