sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Uma sessão de fotografia na Antiga Casa Fritz, no Porto

Hoje publico mais três fotografias de dois velhos álbuns de fotografia da família Montalvão, que uma prima me ofereceu recentemente. Uma das fotografias é a da minha trisavó, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902), de que eu até há bem pouco tempo só conhecia uma cópia digital. O original afinal encontrava-se cuidadosamente arquivado no primeiro álbum, constituído certamente pelo meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio.
 
Todas as três fotografias foram tiradas na Antiga Caza Fritz, de Emílio Biel
A fotografia foi tirada pelos estúdios de Emílio Biel, na Rua do Almada, nº 122, Porto, que nesta altura ainda era conhecida pela Antiga Casa Fritz. Emílio Biel adquiriu a Casa Fritz em 1873/74 e só em 1890, se mudou para o Palácio do Bolhão, nº 342, da Rua Formosa, na mesma cidade. Portanto, esta fotografia será datada entre 1873/74 e 1890. Mas como a Maria do Espírito Santo nasceu em 1856 e nesta fotografia ainda é bastante jovem, presumo que a imagem seja de meados da década de 70 do século XIX. Aliás, basta ver os figurinos da época, para confirmar que a Maria do Espírito Santo traja à última moda de 1875.
 
Le moniteur de la mode, 1875
Contudo, o que eu desconhecia em absoluto é que a Maria do Espírito Santo não foi sozinha ao fotógrafo. Aliás, naquele tempo, uma senhora, ainda para mais solteira, não se passeava nas ruas sem a companhia de um chaperon. Com efeito, a minha trisavó foi ao fotógrafo na companhia de uma dama mais velha, talvez com uns trintas e tais, quarenta anos e de duas adoráveis crianças, conforme pude descobrir através de mais duas fotografias, que se encontravam soltas no segundo álbum.
 
 
As duas senhoras fizeram-se fotografar primeiro individualmente e depois posaram em grupo com as criancinhas. Percebe-se que entre elas há uma cumplicidade e uma familiaridade, que nos fazem supor que fossem parentes. As duas senhoras parecem estar satisfeitas e esboçam mesmo um meio sorriso, o que é raro nestas fotografias antigas, pois o tempo de exposição eram muito longo e as pessoas tinham que estar muito hirtas e acabam por ficar sempre com um ar demasiado sério e severo. Na imagem de grupo, ao centro, está a senhora mais velha, ladeada pelas duas meninas, sem dúvida suas filhas, que se chegam à mãe e por fim, a minha trisavó, que pousa a mão no seu ombro. Na época a fotografia era ainda cara, uma ocasião especial para vestir a melhor roupa e não se desperdiçava dinheiro a tirar fotos com amizades de ocasião.
 
Mas quem eram as meninas e a senhora que foram na companhia de Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão à Antiga Caza Fritz?

O meu pai recordava-se vagamente de ouvir falar de uma tia e de umas primas da Maria do Espírito Santo, que passavam largas temporadas no Solar de Outeiro Seco. Seriam essas parentes a senhora e as duas meninas da imagem? É quase impossível adivinha-lo. A Maria do Espírito Santo tinha duas tias paternas, a Antónia Vicência e a Rita, a primeira nascida em 1805 e a segunda em 1809. Portanto, cerca de 1875, no momento em que este grupo posou nos estúdios da Antiga Casa Fritz as tuas tias eram bastantes mais velhas do que a senhora da fotografia. Também desse lado paterno, a minha trisavó tinha 17 primos direitos e por aí também não vamos lá. Talvez esta senhora e as duas adoráveis meninas fossem suas parentes do lado da mãe, Maria Emília Emília Morais Sarmento (1818-1874), da Casa de Santo Estevão, numa aldeia próxima de Outeiro Seco.
 
Casa de Santo Estevão. Foto retirada de "Famílias transmontanas : descendência de Francisco de Moraes, Palmeirim : ligações familiares e outras famílias de Trás-os-Montes / Francisco Xavier de Moraes Sarmento- . Ponte de Lima : Carvalhos de Basto, 2001"
Talvez eu nunca venha a saber quem eram estas meninas e esta senhora, que acompanharam a minha trisavó à Antiga Casa Fritz, na rua do Almada, no Porto, mas como estas fotografias carte-de-visite eram feitas em 8 exemplares, tenho sempre a esperança, que alguém tenha em casa, nos velhos papeis da família, uma dessas cópias, com uma dedicatória, que me permita a identificação destas personagens.


Aliás, é curioso, que algumas horas depois de publicar este post, o Vítor Silva, de Vila do Conde, enviou-me uma fotografia da  Dona Antónia, a Ferreirinha, também tirada no Emílio Biel, talvez uns anos depois desta série, em que a célebre personagem está sentada exactamente no mesmo cadeirão, usado pela amiga ou parente da minha trisavó. Pelos vistos o pesado cadeirão, ornamentado de franjas era um adereço muito usado pelo Emílio Biel para fotografar estas damas de condição.


D. Antónia, a célebre "Ferreirinha", senta-se no mesmo cadeirão, que aparece na fotografia da parente ou amiga da minha trisavó.

  
Alguma bibliografia:
 
Famílias transmontanas : descendência de Francisco de Moraes, Palmeirim : ligações familiares e outras famílias de Trás-os-Montes / Francisco Xavier de Moraes Sarmento- . Ponte de Lima : Carvalhos de Basto, 2001. 
 
Os Montalvões / J. T. Montalvão Machado. - Famalicão: Tip. Minerva, 1948
 

8 comentários:

  1. Encanto-me sempre com fotografias antigas. Estive a ver os seus anteriores posts e acho maravilhosa essa busca pelas histórias e personagens do passado. Muito bonita a sua trisavó. :)

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    1. Luisa

      Obrigado pelo seu comentário. Creio que ultimamente uma boa parte dos tempos livres tem sido dedicada a estes dois álbuns de fotografias e é um trabalho de detective, que passa por comparar fotografias e encontrar factores comuns e ainda pela descoberta de quem são as personagens identificadas nas legendas, normalmente gente das boas famílias de Chaves ou dos concelhos vizinhos. Há também toda uma série de condiscípulos do meu trisavô, do curso de teologia de Coimbra, cujo percurso profissional vou reconstituindo. Alguns desses jovens tornaram-se figuras importantes da igreja. Por exemplo, um deles foi bispo de Cochim e Patriarca das Índias. Enfim, a nós que somos uma geração descristianizada mete-nos uma certa confusão, como é que todos aqueles jovens, alguns deles bonitos seguiram uma carreira na Igreja. Mas, enfim, temos que compreender que uma carreira eclesiástica era uma boa opção de vida e que na época, toda a sociedade portuguesa, dos mais pobres aos mais ricos, era profundamente crente.

      bjos e bom Domingo

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  2. Acho este tema muito interessante. Outro dia, descobri que a minha sogra também tem um álbum deste tipo. Eu tenho fotografias da minha família materna, mas sem álbum. Bom dia!

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    1. Margarida

      Estes álbuns são fascinantes e não percebo como é que ainda ninguém se dedicou a fazer um estudo sério destes materiais, que captam um meio social de um determinado periódico histórico através das imagens. Bjos e um bom resto de fim-de-semana

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  3. Mais ainda, o piano ao qual a tua trisavó está encostada é o mesmo em que a Ferreirinha apoia o braço, só que no caso desta última, encontra-se com a tampa fechada!
    Realmente os adereços do fotógrafo vão-se repetindo nestas fotografias da alta burguesia que lhe frequentava o estúdio.
    É interessante verificar as montagens mais ao gosto da época e da classe social.
    As fotografias antigas da minha família, que são duas ou três décadas mais recentes que estas, por serem de gente remediada, representam pessoas em pé sobre estrados de tábuas, ou mesmo em terra batida (?), junto de vasos com plantas ou cenários pobremente pintados. Lá aparece um ou outro adereço de mobiliário, mas tudo a denotar falta de recursos tanto da família como do fotógrafo.
    Mas continuo a achar-lhes o mesmo encanto e exalam uma nostalgia que me confrange.
    Ainda bem que vais fazendo estas associações e o golpe de vista do teu leitor, Vítor Silva, foi digno de nota!!!!
    Manel

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    1. Manel

      Tens razão. O piano é o mesmo. Só não se vê o alçado, que parece uma espécie de contador ao gosto do século XVII. Estas comparações são curiosas, porque nos permitem ir conhecendo os adereços do estúdio de Emílio Biel, bem como o gosto da carregado da época.

      É interessante observar a rápida democratização da fotografia que ocorreu nos últimos 25 anos do século XIX. Se cerca de 1870/75 só os ricos tem possibilidade de se fazer fotografar, já em 1900 começam a aparecer essas fotos de lavradores endomingados, com um cenário palaciano ao fundo e um chão de terra batida. Na família da minha mãe, que ao contrário dos Montalvões, eram uns meros lavradores com alguma abastança, há umas quantas fotografias dessas, de cerca de 1900, com o chão com terra batida e restos de palha.

      Um abraço

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  4. Fotos lindas e sua trisa muito elegante. O cabelo é uma sucessão de tranças e apliques, suponho, para dar volume, o vestido uma obra de arte. A foto do piano tem uma caixinha que pode ser um relógio e uma coruja empalhada, estranho, mas adorei.
    As mocinhas só saíam com uma "mais velha", para fazer companhia. A Ferreirinha é o máximo, kkkk amei.
    Muito bom este álbum com "scenas" mudas que nos reportam aos costumes da classe mais abastada de Portugal e que copiavam Paris nos modelos e penteados.
    As menininhas são umas gracinhas e a "idosa" um primor.
    Parabéns!
    Abraços.

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    1. Jorge

      É curioso que já mostrei estes dois álbuns à minha irmã e ela é de opinião que a minha trisavó é aquela que enverga sempre os trajes mais complicados. Talvez fosse um gosto pessoal ou fosse uma "coquette", como se diria naquele tempo. Tenho ainda uma outra fotografia dela para mostrar, onde está com uns olhos lindos de morrer e o pescoço todo ornamentado de joias.

      É bem verdade. Naquele tempo as donzelas não saiam à rua sem "chaperon". A minha mãe, que viveu a sua juventude, nos anos 40, numa vila não longe de Chaves só saia de casa para ir à missa ou fazer visitas e sempre acompanhada.

      Em todo o caso a Maria do Espírito Santo, como os pais morreram cedo e o irmão estava em Lisboa, deve ter conseguido pular a cerca e envolveu-se numa relação pecaminosa com um padre, o que me faz ter uma grande admiração por ela. Era tão bonita, que percebo, que tenha dado à volta à cabeça ao reverendo padre, que veio a ser meu trisavô.

      Todas as fatiotas deste grupo são uma graça e as duas senhoras deveriam ler avidamente essas revistas de moda francesas, como o Courier des dames ou Le Moniteur de la mode.

      Um abraço lisboeta

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