O Manel comprou recentemente este copo muito bonito para tomar água termal. O vidro apresenta-se gravado com uma tabela de medidas, indicando a quantidade de água a ingerir prescrita pelo médico, um veado numa floresta e ainda a letras góticas, a inscrição Karlsbad.
Embora fosse conhecida desde o final da Idade Média, Karlsbad foi uma das estâncias termais mais chiques da Europa entre o último quartel do século XIX e o início da Primeira Guerra Mundial. A aristocracia, os burgueses ricos e as cabeças coroadas da Europa frequentavam as suas termas e na mesma rua era possível cruzarem-se dois imperadores, tudo isto num cenário de edifícios opulentos, construídos numa arquitectura eclética, a que o modernista Le Corbusier designou depreciativamente como um “prato de bolos”. Pessoalmente prefiro a arquitectura de prato de bolos ao betão do Le Corbusier, mas gostos são gostos.
Postal antigo de Karlsbad, cidade de arquitectura eclética, que o modernista Le Corbusier designou depreciativamente como um “prato de bolos” |
Karlsbad, juntamente com estância termal vizinha de Marienbad, é dos símbolos da Belle époque, que a Guerra de 1914-18 pôs fim. Com efeito, depois desse grande conflito mundial, as cabeças coroadas caíram uma após a outra e o Grand Monde passou a ir a banhos para a Riviera francesa. Karlsbad tornou-se parte da Checoslováquia e entrou em declínio. Depois da segunda Guerra Mundial, o Estado checoslovaco procedeu à expulsão da população de língua alemã, que era maioritária na região e a cidade tomou o nome eslavo de Karlovy Vary. Este facto histórico é importante, pois a inscrição do copo encontra-se em alemão, Karlsbad, o que nos permite concluir que o seu fabrico seja anterior a 1945.
Mas para além das qualidades terapêuticas das suas águas e do público elegante que frequentava estas termas, Karlsbad notabilizou-se pelo fabrico do vidro e do cristal. Uma das mais célebres fábricas da Boémia, a Moser, situava-se nesta cidade e no último quartel do século XIX produziu centenas de peças decoradas e gravadas com veados, tais como caixas de jóias, jarras e jarros, serviços de copos, e canecas exactamente iguais a esta, para tomar água termal.
Foto https://www.rubylane.com O veado é um tema recorrente das produções da Moser e faz eco da lenda da fundação da cidade termal |
Este motivo do veado não aparece por acaso nestas peças de vidro e prende-se com a própria origem da cidade e da exploração das suas águas. Segundo reza a lenda, o Rei Carlos IV, caçava nesta região e ao perseguir um veado, caiu do cavalo e tombou numa fonte de água em ebulição, que curou miraculosamente o seu cão ferido. Apercebendo-se das qualidades medicinais destas águas, Carlos IV, rei da Boémia e imperador do Sacro Império Românico Germânico, decidiu fundar ali mesmo uma cidade, que tomou o nome de Karlsbad, que quer dizer à letra o Banho de Carlos.
Em suma, este copo para uso nas termas apresenta um motivo local típico, o veado, que evoca a lenda da formação da cidade e foi fabricado pela Moser, provavelmente nos finais do séc. XIX e evoca esse mundo elegante da Europa Central, que os grandes conflitos mundiais fizeram desaparecer para sempre.
Alguns links e livros consultados:
https://fr.wikipedia.org/wiki/Karlovy_Vary
http://www.lefigaro.fr/voyages/2015/09/25/30003-20150925ARTFIG00238-de-pilsen-a-marienbad-vie-de-boheme-et-histoires-d-eaux.php
Moser : joya del cristal de Bohemia : catálogo de exposición. - Segovia : Museo del Vidrio de la Real Fábrica de Cristales, 2000. - 110 p. : il. ; 30 cm
O copo é uma graça e uma peça cheia de curiosidade.
ResponderEliminarImaginei logo um local circunspecto, uma vida de lazer, lenta e cheia de circunstância, dum mundo que já desapareceu há muito e onde pontificavam encontros formais entre pessoas do "grand monde", onde todos se conheciam.
Imaginei os passeios de manhã até às fontes termais onde as "donneuses d'eau" abasteceriam recipientes mais ou menos luxuosos, destinados a serem utilizados por senhoras a quem, imagino, estariam sempre a ter "fanicos".
Enfim, tentativas de recriar um ambiente que não faço muita ideia como seria na realidade, porque nunca fui a Karlsbad, e muito menos nos finais do século XIX.
Acompanhei uma ou duas vezes os meus pais às termas, aqui em Portugal, e adorei o tempo lento, os encontros à hora do lanche, sob as tílias, no hotel, e os passeios higiénicos após o jantar. Tudo se passava a um compasso lento, para tudo havia um tempo, lia compulsivamente durante horas, como nunca mais fiz.
Tenho saudade deste tempo de compassos de espera, regrados pela vida tranquila dos frequentadores destes espaços, que, afinal, se conheciam todos, quanto mais não fosse, de vista.
A minha mãe adorava ir para as termas, e eu, talvez num destes dias, lá vá passar uma ou duas semanas, assim que a vida me deixar tempo para tal.
Hei-de levar o copo, talvez outro que tenho, trazido das termas de Chaves, e, em finais de tarde requentadas e lentas tomarei aquela água quente, com cheiros menos agradáveis, mas que parece fazer muito bem à saúde da mente.
Obrigado pela pesquisa que levaste a cabo, qual Sherlock Holmes, que se revelou muito frutífera e cheia de curiosidades interessantes. Nunca deixas os teus créditos por mãos alheias!
Manel
Manel
EliminarEste copo evoca os tempos elegantes dessa Mitteleuropa, que se encontrava em Karlsbad ou em Marienbad para fazer os seus tratamentos termais.
Pelo menos a arquitectura dessas duas estâncias termais foi mantida e através dos seus edifícios de gostos eclético pode-se adivinhar o esplendor do passado.
Só conheci as termas Gellért em Budapest construídas em 1918 e adorei os banhos naquele edifício fantástico. Nunca mais me esqueci da experiência. Senti-me a viver um desses filmes de época.
O teu copo é muito bonito e demonstra a alta qualidade que atingiram as fábricas de vidro da Boémia, hoje República Checa.
Um abraço
Interessantíssimo. Bom dia!
ResponderEliminarMargarida.
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário e votos de uma boa semana.
Bjos