sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Dois paliteiros da Vista Alegre


Uma das primeiras peças que mostrei neste blog, a 7 de Outubro de 2009, foi um paliteiro da Vista Alegre, representando um bebé, afastando do braço uma mosca, ou talvez outro insecto, confesso que sempre me pareceu mais um grilo.

O exemplar que herdei estava partido numa dúzia de pedaços, que o Manel colou pacientemente

Era uma peça que estava na família, que recebi quebrada numa dúzia de pedaços. O meu amigo Manel colou os fragmentos pacientemente, mas faltavam as costas, pelo que para dar alguma solidez à peça, montou-lhe uma estrutura em arame. Na época, nem sabia, que era um paliteiro, até que encontrei por mero acaso num leilão da Vista Alegre, uma peça semelhante, mas inteira, com as costas perfuradas e percebi então a sua função original bem como o seu fabricante, a célebre VA. Contudo, havia uma pequena diferença, entre o meu paliteiro e o do catálogo da Vista Alegre, o meu era em biscuit e o exemplar reproduzido no catálogo era em porcelana.

Através de mas alguma pesquisa, consultei a obra Paliteiros da Vista Alegre / Jorge Manuel Ferreira. - Lisboa : Caleidoscópio, 2006 onde além da reprodução de bebé paliteiro, consta uma ficha original da fábrica, datada de 1922 e assinada, por um tal. J. Cazaux.

Ficha da fábrica Vista Alegre. Imagem reproduzida de "Paliteiros da Vista Alegre / Jorge Manuel Ferreira. - Lisboa : Caleidoscópio, 2006"


Recentemente, o meu amigo Manel conseguiu comprar um outro paliteiro com o menino e a mosca no braço e ofereceu-me no aniversário, de modo, que agora tenho a versão em biscuit e em porcelana. Nem um nem outro estão marcados, mas é quase certo que serão da Vista Alegre.

O paliteiro Menino com a mosca que o Manel me ofereceu este ano 

Esta prenda levou-me a retomar o assunto e tentei saber alguma coisa do autor do desenho que deu origem ao paliteiro, o J. Cazaux, umas vezes também referido por Cazeaux. Percebi que foi um mestre de desenho da Vista Alegre, concebeu o pano de boca do teatro daquela fábrica, mas a única informação de caracter mais biográfico, que encontrei foi na página da internet da Junta de Freguesia de Salvador, de Ílhavo, onde consta uma lista das personalidades da terra, sepultadas no cemitério municipal. Este Cazaux tinha por nome completo, João Paulo Gonçalves Cazaux e era filho de João Filipe Augusto Cazaux e de Maria Apolinária Gonçalves. Natural da freguesia de S. João, concelho de Abrantes, casado com D. Virgínia de Jesus Almeida, foi um conceituado professor de desenho na Fábrica da Vista Alegre, onde trabalhou durante mais de 50 anos. Também escritor e jornalista, fundou o Jornal “O Trabalho”, de características instrutivas e moralizadoras. Ministrou durante longos anos o ensino do desenho na Fábrica e também, particularmente, na sua casa (*1). Morreu em 1953-07-23 com 82 anos e terá nascido por volta de 1871. Ainda tentei encontrar o assento de baptismo do senhor no Arquivo distrital de Santarém, mas em vão. Enfim, tudo isto para tentar perceber um pouco sobre quem criou esta forma do menino afastando do seu braço uma mosca ou um grilo.

Posso presumir que este Casaux se inspirou por um lado nas figurinhas de biscuit alemãs, que estavam em voga, no princípio do século XX, os pianos babies e por outro lado, nos biscuits de Sèvres, concebidos pelo escultor francês Jean-Baptiste Pigalle(1714-1785), director desta manufactura e que foram sendo fabricados ao logo dos séculos XIX e XX. Era natural que na Vista Alegre recebessem os catálogos da Sèvres, cujos produtos eram modelos para todas as fábricas de porcelana na Europa.

Os biscuits de Sèvres concebidos por Jean-Baptiste Pigalle são talvez uma fonte de inspiração destes paliteiros

Por outro lado, nunca encontrei referência a que este paliteiro tenha sido fabricado em biscuit. No site Avaluart, constam dois paliteiros em porcelana, um primeiro com uma pintura com de uma cor mais esbranquiçada, com a marca 31 de 1924-1947, semelhante ao que o Manel me ofereceu e o segundo em cor de carne, com a marca 32 (1947-1968).
Paliteiro com a marca 31 de 1924-1947. Foto http://www.avaluart.com/


Paliteiro com marca 32 (1947-1968). Foto http://www.avaluart.com/

O meu exemplar em biscuit, aquele que se partiu numa dúzia de pedaços é o que apresenta uma pintura mais perfeita, o que não quer dizer nada em termos de datação, mas que me leva a pensar que houve uma terceira série destes paliteiros em datas, que não consigo determinar.



Bibliografia consultada e ligações consultadas:

Paliteiros da Vista Alegre / Jorge Manuel Ferreira. - Lisboa : Caleidoscópio, 2006


4 comentários:

  1. Respostas
    1. António.
      Estes paliteiros são objectos com muita graça e apetecidos pelos coleccionadores. Também é verdade que consegui fazer umas bonitas fotografias e acentuar-lhes o interesse.

      um grande abraço

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  2. Interessante. Desconhecia por completo este tipo de paliteiros. Bom dia!

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  3. Margarida

    Os paliteiros foram muito populares em Portugal até há bem pouco tempo. Creio que o seu uso só terminou com o aparecimento do fio dental e dos dentistas brasileiros nos anos 80. Havia paliteiros em prata, porcelana, faiança barro e mais tarde plástico.

    Usei o google translator e pesquisei pelo termo paliteiros em francês e inglês e aparece pouca coisa. creio que é um hábito foi um hábito muito português.

    Estes paliteiros antigos representando pessoas, animais, plantas, ou até mesmo uma lua são muito engraçados e objecto de um grande coleccionismo.

    Um abraço e bom fim-de-semana

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