quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Um retrato camafeu de uma fidalga do Norte

O retrato da Sra. D. Ricardina Leite de Barros tem um formato atípico relativamente às outras fotografias do álbum


Já aqui tinha mostrado este retrato da Sra. D. Ricardina Leite de Barros (1845-1884), que faz parte do álbum de carte-de-viste formado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935). Esta senhora casou com Francisco Firmino Fernandes Alvares de Moura, descendia de uma família ilustre, os condes de Basto e o casal viveu em Vilela Seca, uma povoação vizinha de Outeiro Seco, no Concelho de Chaves. Este casal seria das relações da família Montalvão e de Liberal Sampaio. 

Na época em que escrevi esse texto estava tão concentrado em identificar as personagens do álbum, as relações, que existiam entre si e com o meu antepassado, que deixei escapar um pormenor importante, o formato atípico da fotografia. Com efeito, embora o retrato esteja impresso num cartão com as dimensões típicas do carte-de-visite, a fotografia é bastante menor.

Encontrei a explicação para este formato estranho, há cerca de um mês, quando pesquisava sobre a pintura em miniatura em Portugal, num texto muito bem escrito por Nuno Borges de Araújo, intitulado, Imagens de ausência: o retrato fotográfico como simulacro durante o período romântico (1*)

Os ingleses executavam estes retratos destinados a camafeus com vários ângulos da personagem. Foto retirada de Imagens de ausência: o retrato fotográfico como simulacro durante o período romântico


Com efeito este autor encontrou nos jornais oitocentistas portugueses toda uma série de anúncios de fotógrafos, que afirmavam executar retratos próprios para broches, caixas de rapé, anéis, medalhões ou até mesmo botões de punho. Em suma fotografias de reduzidas dimensões, como esta da Sra. D. Ricardina, que encastradas numa jóia, reproduziam o efeito dos antigos camafeus e que continuavam a tradição das pinturas miniatura, pequenos retratos íntimos, que entre outras funções, se poderiam trazer pendurados, junto ao coração.

Um retrato fotográfico de cerca de 1860 encaixilhado num medalhão banhado a ouro. Dimensões, 3 x 4 cm. Peça à venda no leiloeiro António Ferreira do Brasil 


Tal com as outras provas fotográficas do tipo carte-de-visite, estes retratos camafeus eram impressos em vários exemplares e este foi oferecido ao meu trisavô, o Padre Liberal Sampaio, como prova de estima e amizade. Provavelmente nos descendentes do matrimónio Ricardina Leite de Barros e Francisco Firmino Fernandes Alvares de Moura existirá um medalhão em ouro, um alfinete de peito ou uma aplicação numa caixa de jóias com a imagem desta senhora e talvez até já ninguém conheça a sua identidade

A Sra. D. Ricardina Leite de Barros


A fotografia da Sra. D. Ricardina foi executada por Ferreira de Melo, no Porto



(1*) Actas do 1º Colóquio Saudade Perpetua, Porto: CEPESE,2017. P. 801-829


2 comentários:

  1. Na era da fotografia digital, e de todas as formas possíveis de representação icónica, não nos apercebemos das dificuldades das eras passadas em manter a recordação das pessoa que eram queridas, ou que, por qualquer razão, não se pretendia esquecer.
    E tem lógica, este tipo de dimensionamento, que se deveria produzir a pedido dos retratados, ou quiçá da respetiva família, às casas dedicadas à produção fotográfica.
    Mas eu nem me lembraria disto, não fora tu teres chamado à atenção para o facto.
    É verdade que este tipo de representação estaria reservada à uma classe social mais abastada, não obstante, deveria ser alvo de um número de solicitações significativo.
    Apesar da minha família ser de uma classe média baixa (não eram indigentes, mas viviam com alguma dificuldade), lembro-me que vi uma vez um ornamento, não sei se de peito, se pendente de algum fio ou cordão, com uma pequena fotografia oval no interior, mas não me recordo de quem seria, pois, a partir de certa altura, deixei de o ver. Talvez se tenha perdido ou ... calhado em herança a outra pessoa.
    Manel

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    1. Manel
      Esta prática de produção de fotografias de pequenas dimensões, destinadas a camafeus, alfinetes de peito e medalhões continuou muito para lá da época aqui descrita. Eu próprio lembro-me de ver pessoas com medalhões ao peito com retratos miniatura. O que aconteceu muitas vezes, é que os retratos foram sendo substituídos à medida, que as gerações iam passando. Aliás essa mudança acontecia e acontece com as fotografias mais normais e respectivas molduras. Herdei agora uma daquelas molduras antigas, com tremidos em pau santo e aplicações em prata, com um retrato do meu filho pequeno e recordo-me de ver essa moldura em casa da minha avó paterna com outra foto, talvez uma imagem da irmã do meu pai com outro irmão, um bebé que morreu cedo.

      Um abraço

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