Após muitas e pacientes pesquisas consegui situar no tempo e no espaço mais duas personagens do velho álbum de fotografias carte-de-visite, formado pelo meu trisavô, o Francisco Firmino Fernandes Alvares de Moura e a Ricardina Leite de Barros. É certo, que o meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio identificou os nomes destes senhores no álbum com a sua caligrafia miudinha, mas não sabia nada deles. Fui fazendo umas pesquisas no Google e encontrei uma publicação on-line Tentativa de dedução genealógica da família Caldas da autoria Diogo Paiva e Pona, onde se refere estes dois senhores e percebi que eram casados e viviam em Vilela Seca, uma aldeia vizinha de Outeiro Seco, onde residia a minha família, os Montalvões.
Fiz entretanto mais pesquisas pelos seus nomes na base de dados do Arquivo Distrital de Vila Real e localizei dois documentos de inventário obrigatório, um de 1882, referente a Francisco Firmino Fernandes Alvares de Moura e outro de 1884, relativo a à Sra. Dona Ricardina Leite de Barros. Os inventários obrigatórios eram realizados quando as pessoas faleciam sem deixar testamento e normalmente eram feitos logo a seguir à sua morte. Portanto, a partir dessas datas lancei-me à consulta dos registos de óbitos da Paróquia de Vilela Seca e a partir daí foi como puxar o fio de um novelo, em que foram surgindo histórias e mais histórias sobre estas personalidades.
A casa dos Morgados das Gralhas, Montalegre |
Francisco Firmino Fernandes Alvares de Moura morreu em Vilela Seca em 22.12.1881, com 40 anos, segundo indicou o pároco e era natural de Montalegre, de Santa Maria das Gralhas, um nome tão poético, que parece ser o título de um conto de Miguel Torga. Era filho de Domingos Fernandes Moura e de Rosa Álvares Martins, mas não consegui apurar a data de nascimento, pois os registos de baptismos da primeira metade do século XIX dessa localidade desapareceram, mas presumo que tivesse sido à volta do ano de 1841. O seu pai seria o morgado de Gralhas e um dos seus irmãos foi o padre João Álvares Fernandes de Moura (1848-1920), que fundou um seminário na antiga casa senhorial da sua família. O Padre João Álvares Fernandes de Moura era dois anos mais novo que o meu trisavô e é possível que se tenham cruzado no Seminário de Braga.
Quanto à Sra. D. Ricardina Leite de Barros (1845-1884) era natural da freguesia de Santa Senhorinha de Cabeceiras de Basto e descendia de uma belíssima família e muito rica. Era filha de Manuel Filipe Martins Leite de Barros (18.09.1800- 28.07.1870), um senhor que foi Cavaleiro da Ordem de Cristo, Presidente da Câmara Municipal de Cabeceiras de Basto e senhor da Casa da Breia e neta da Sra. D. Maria Josefa Martins Leite de Barros, que na década de 30 do século XIX, foi uma das protagonistas de uma tremenda batalha legal pela disputa da herança do 3º conde de Basto.
Manuel Filipe Martins Leite de Barros, pai da Sra. D. Ricardina, Foto https://geneall.net |
Ainda que de uma forma muito sumária, não resisto aqui a contar a história da disputa pela herança do 3º Conde de Basto, relatada por Joaquim Fernandes Figueira, num artigo da revista Prisma de N.º 1, Abril 1941 “O Conde de Basto : epitáfio que se desfaz.
O referido Conde tinha por nome de baptismo, José António de Oliveira Leite de Barros (1749-1833) e foi umas principais figuras do regime miguelista. Foi feito Conde por D. Miguel, chegando mesmo a chefiar o governo daquele monarca absolutista e notabilizou-te tristemente pela forma cruel e violenta como perseguiu os liberais. Era de tal maneira detestado, que depois da sua morte e da vitória dos liberais o seu corpo foi retirado do túmulo, arrastado pelas ruas de Coimbra e dilacerado.
Apesar de ter sido feito conde por D. Miguel, José António de Oliveira Leite de Barros era filho bastardo e para conseguir assenhorar-se da fortuna do pai, casou com a sua prima direita a Sra. D. Leonor Angélica Leite de Barros, filha de um irmão do seu pai e que era uma descendente legítima dos Leite de Barros. Apesar de ter passado a juventude encarcerada num convento, esta D. Leonor Angélica devia ser rapariga fogosa, pois ainda nesse tempo de clausura arranjou uma filha bastarda, a Maria Josefa, que veio a ser avó da nossa Dona Ricardina. Porém, o 3º Conde de Bastos aceitou muito bem a filha da sua mulher e a menina foi criada com o casal. Do casamento da Leonor Angélica e José António de Oliveira Leite de Barros, só resultou um filho que era retardado. Após a morte de Leonor Angélica, o conde voltou a casar com uma viúva rica e de boa fidalguia, Catarina Lusitana Correia de Morais Leite Almeida, filha do Visconde da Azenha, mas que não lhe deu descendentes, apesar de a senhora ter tido filhos do anterior casamento.
Quando o 3º conde de Basto, morreu, deixou um testamento complicado, a segunda mulher ficava tutora do seu filho, mas à morte deste, a fortuna familiar passava para as mãos de D. Eufrásia e de seu filho. Esta D. Eufrásia era uma filha ilegítima do irmão da D. Leonor Angélica, o André António. Começou então uma tremenda disputa legal entre a Dona Josefa, a D. Eufrásia e a viúva, a Dona Catarina Lusitana, que se arrastou durante anos pelos tribunais. Quem acabou por ganhar a causa foi a Dona Josefa e o seu filho, Manuel Filipe Leite de Barros, o pai da D. Ricardina, que lhe coube o Senhorio da Casa da Breia. Para evitar futuras complicações a que ainda poderia dar lugar o testamento do conde, Manuel Filipe, casou com Benedita Rosa Leite de Barros, a filha da tão “decantada” D. Eufrásia.
Os Montalvões não perderiam a ocasião de convidar uma ilustre descendente dos condes de Basto para os seus salões |
A fotografia de D. Ricardina foi executada por Ferreira de Melo, no Porto |
Em suma, este casal Firmino Fernandes Alvares de Moura e a Ricardina Leite de Barros eram gente da mesma condição social dos Montalvões, que viviam numa aldeia vizinha e era natural que se visitassem e trocassem as carte-de-visite. Os Montalvões não perderiam a ocasião de convidar uma ilustre descendente dos condes de Basto para os seus salões e até imagino a Sra. D. Ricardina sentada muito direita e distinta num canapé D. Maria, que herdei dessa casa. Certamente que conheceriam o Padre Rodrigues Liberal Sampaio, pároco em Outeiro Seco e deslocar-se-iam frequentemente aquela aldeia ouvir missa, pois a fama de pregador do meu trisavô era grande quer na região, quer no País inteiro (em 1873 tinha sido nomeado pregador régio pelo Rei D. Luís). Liberal Sampaio conheceria provavelmente o irmão de Francisco Firmino, o Padre João Álvares Fernandes de Moura, dos tempos do seminário em Braga. Mais, este casal entregou a educação do filho, Filipe Barros de Moura, aos cuidados de José Rodrigues Liberal Sampaio, numa escola que fundou em Outeiro Seco, onde se ministrava uma primeira educação aos jovens, conforme se pode ler na Voz de Chaves, num artigo de homenagem ao meu trisavó, em 23 de Fevereiro de 1961.
A Nova Fotografia Nacional, na Rua do Bomjardim, 362 no Porto fez o retrato de Firmino Fernandes Alvares de Moura, |
No final de todas estas pesquisas a Sra. Dona Ricardina Leite de Barros e o seu marido, Firmino Fernandes Alvares de Moura, que morreram há quase 140 anos tornaram-se como que um casal, que se cumprimenta na rua e conhecemos vagamente a história e de que em pequenos ouvimos falar de uns escândalos familiares antigos.
Leia mais sobre estes retratos no meu post de 14 de Setembro de 2012
Fontes consultadas:
Livros de óbito da paróquia de Vilela Seca, Concelho de Chaves, Arquivo Distrital de Vila Real
Livros de Baptismo da paróquia de Santa Senhorinha de Cabeceiras de Basto, Arquivo Distrital de Braga
Figueira, Joaquim Fernandes - “O Conde de Basto : epitáfio que se desfaz
in Prisma de N.º 1, Abril 1941.
Tentativa de dedução genealógica da família Caldas / Diogo Paiva e Pona
Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses/ coordenado por Barroso da Fonte
Leia mais sobre estes retratos no meu post de 14 de Setembro de 2012
Fontes consultadas:
Livros de óbito da paróquia de Vilela Seca, Concelho de Chaves, Arquivo Distrital de Vila Real
Livros de Baptismo da paróquia de Santa Senhorinha de Cabeceiras de Basto, Arquivo Distrital de Braga
Figueira, Joaquim Fernandes - “O Conde de Basto : epitáfio que se desfaz
in Prisma de N.º 1, Abril 1941.
Tentativa de dedução genealógica da família Caldas / Diogo Paiva e Pona
Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses/ coordenado por Barroso da Fonte
A história é muito interessante, com apontamentos muito "apimentados".
ResponderEliminarDesenterrar todos estes acontecimentos é algo que não é fácil. É necessária muita paciência e muita pesquisa.
Mas dá fruto, pois a história é rocambolesca e bem representativa das lutas pelas heranças, que, ainda que a era seja diferente, continua atual.
Os dois solares são fantásticos.
Parece que o gosto na arquitetura acabou com estas gerações.
Hoje, quando alguma família endinheirada constrói uma casa grande (pois recusam reconstruir algo antigo e senhorial), é sempre algo, ou tipo "Siza Vieira", num minimalismo que até confrange, tudo cor de betão, ou é um monólito desengraçado ou, ainda se continua a repetir o estilo "Maria Cachucha", cheio de colunatas pindéricas que têm obrigatoriamente que dar para a rua, e que não obedecem a qualquer ordem ou equilíbrio e volumetrias desirmanadas que não têm a ver com nada, pois nada são.
Vastos alpendres onde ninguém se vê, pois são inóspitos e mal orientados, e salões que, metade do ano, estão vazios, pois a família dá preferência a qualquer divisão minúscula, onde, no inverno, se acende uma lareira, muitas vezes elétrica, dentro de uma mesa com camilha, em torno da qual se amontoam meia dúzia de "gatos pingados".
No verão amontoam-se novamente numa divisão semelhante, se não a mesma, mas sem lareira.
Os salões permanecem imaculados, pristinos e inúteis no seu paquiderme tamanho.
Conheço gente que nem os plásticos protetores do mobiliário ou carpetes retiram.
Anos mais tarde, quando estiverem ridiculamente fora de moda, acabam por ir parar ao lixo dos monos da mesma forma quase inalterada!
Onde estão os princípios que presidiram a estas construções fantásticas, que eram habitadas e vividas de uma forma intensa, porque eram confortáveis, intimistas e apelativos, ainda que, hoje, seriam demasiado grandes para os núcleos familiares, reduzidos a 3 ou 4 pessoas?
Manel
Manel
EliminarA identificação das personagens deste álbum de antigas fotografias tem sido um desafio no sentido de reconstituir as suas histórias, ainda que ,de uma forma muito incompleta e de como se ligaram à família. É um processo de reconstituição complicado, pois ao fim de 3 gerações o tempo apaga quase tudo o que ficou das nossas existências. No caso deste casal tive algum sucesso e não quis deixar de contar a disputa da herança do 3º conde de Basto, que é digna de um argumento televisivo ou cinematográfico. Também de toda essa trama se destaca a ideia de que a bastardia é comum no século XIX e não constitui um escândalo por aí além.
Publicar as fotografias das casas onde estas personagem viveram os seus dramas e paixões, foi fundamental para dar o cenário certo.
Esta arquitectura senhorial do Norte com a sua sobriedade, solidez e adequação ao clima é linda. Como tu bem referes, as casas que se fazem hoje são um susto e muito poucos querem recuperar as antigas casas. Em vinhais, estava um solar à venda, com umas dimensões relativamente reduzidas, pelo preço do meu apartamento ridiculamente pequeno, aqui em Lisboa.
Só não consegui identificar a casa onde este casal vivia em Vilela Seca. Imagino que não deveria ser um casebre.
Um abraço
Que excelente pesquisa!
ResponderEliminarMuito feliz Natal e muitas felicidades!
Margarida
EliminarMuito obrigado pelo comentário. Este trabalho de identificação das personagens das relações dos meus trisavós dá-me um enorme gozo.
Bjos e mais uma vez boas festas