Como já contei muitas vezes neste blog, que na antiga casa da minha família paterna, o solar dos Montalvões em Outeiro Seco, existia uma colecção de gravuras com os retratos dos Reis de Portugal, da qual herdei apenas três estampas. Talvez com o intuito de reconstituir de essa colecção, sempre que vejo à venda um retrato de um rei português, compro-o. Claro, eu nunca conseguirei juntar os retratos de todos os monarcas portugueses, pois o número dos nossos reis é bem maior que os escassos centímetros livres, que restam nas paredes lá de casa. Mesmo com essas condicionantes de espaço, acrescentei a essa colecção mais uma gravura, desta vez representando D. António, Prior do Crato, que na historiografia oficial portuguesa nem sequer é considerado propriamente rei. Na verdade, quem sucedeu ao Cardeal D. Henrique após a sua morte a 31 de Janeiro de 1580, foi Filipe II de Espanha, aclamado rei nas Cortes de Tomar, em 1581.
Europa portuguesa / Manuel de Faria e Sousa. Lisboa: Antonio Craesbeeck de Melo, 1678 |
Bem, mas seja lá qual for interpretação dos acontecimentos históricos da crise dinástica, que resultou na perda da independência portuguesa, esta estampa fez em tempos parte da obra da Europa portuguesa, de Manuel de Faria e Sousa, impressa em Lisboa na oficina de Antonio Craesbeeck de Melo em 1678, conforme informa Ernesto Soares na entrada 199 H da obra Dicionário da Iconografia Portuguesa: Lisboa: Instituto para a Alta Cultura, 1947. Encontrei a referida edição da Europa Portuguesa digitalizada no Google books e a referida estampa encontrava-se no tomo III, entre as páginas, entre as páginas 68 e 69.
Na obra de Ernesto Soares não encontrei uma referência explícita ao autor da gravura, mas a estampa parece ser um reaproveitamento de um dos muitos retratos régios feitos pelo gravador Pietrus Perret (1549-1637), que foram publicados na obra Elogios dos Reis de Portugal de frei Bernardo Brito.
Quanto à obra Europa portuguesa, escrita por Manuel Faria de Sousa (1590-1649) é um dos muitos livros publicados no período antes e depois da Restauração da independência portuguesa em 1640, que pretendiam justificar através da valorização da história portuguesa a necessidade de uma separação entre os destinos de Portugal e Espanha.
D. António, Prior do Crato. Na oval lê-se Antonius I, Port. rex, vixit ann. LXIV, obit 1595 |
Esta gravura um pouco tosca do Prior do Crato, irá recordar-me na minha casa a memória deste homem, que disputou com Filipe II de Espanha, o trono português, numa luta muito desigual. A Espanha era o estado mais poderoso da Europa de então e possuía um império onde Sol nunca se punha. Portugal atravessava uma crise terrível e a grande nobreza portuguesa precisava urgentemente de dinheiro para resgatar os cativos, que ficaram em Marrocos, depois da desastrosa expedição de D. Sebastião aquele País. Filipe II comprou com muito dinheiro através de mercês os favores dos aristocracia lusa e mandou os seus exércitos invadir Portugal e fez-se aclamar nas Cortes de Tomar.
Filipe II de Espanha, I de Portugal. Retrato da obra Europa portuguesa / Manuel de Faria e Sousa. Lisboa: Antonio Craesbeeck de Melo, 1678 |
Por D. António, que acabou por morrer no exílio e lutou por uma causa perdida, sinto a mesma simpatia, que o escritor judeu Stefan Zweig experimentava pelas figuras de Maria Stuart e Maria Antonieta, ambas vítimas da política e tocadas por destinos trágicos, tal como o povo judaico e tal como mais tarde o próprio Stefan Zweig, que cometeu suicídio no Brasil em 1942, para não continuar a assistir à agonia de um mundo dominado por Hitler.
Confesso que não nutro muita simpatia por este pretendente ao trono.
ResponderEliminarDe acordo com Annemarie Jordan, na sua obra sobre Catarina de Áustria, esta refere que uma parte significativa do tesouro português tinha sido espoliado por este D. António, supostamente com o intuito de fazer frente a Filipe II.
Quando li algo sobre o que teria feito para defender o seu lugar como pretendente ao trono português (o que é um tanto nebuloso, dada a falta de informação com que na altura me deparei), pareceu-me que ele tinha juntado uns quantos homens, a maior parte deles escravos e gente do povo sem qualquer treino ou formação adequada, e alguns, poucos, nobres e "gente de algo" que se encontravam contra os Áustrias, e, com estas pessoas formou como que uma "tropa fandanga" a que chamou de exército, e lançou-os para a morte/aprisionamento contra o exército do Alba, bem treinado e apetrechado, ainda que formado por mercenários à procura de bons despojos num território onde as grandes famílias, e até gentes menos abastada, tinham acumulado uma quantidade apreciável de riquezas, dadas o elevado número de gerações durante as quais Portugal esteve em paz, e com uma ligação extremamente proveitosa às explorações dos mais diversos produtos e bens que provinham da rota das especiarias e das Índias.
Lendo a obra de Rafael Valladares, "A Conquista de Lisboa, 1578-1583, como Filipe II tomou Portugal pela força", percebi que seria impossível ao Prior do Crato conseguir fazer frente às tropas do Alba, e a batalha de Alcântara não deve ter passado de uma escaramuça que terminou tão rapidamente como começou, sem o porte de batalha, apesar do Alba ter pretendido que o tinha sido, para, e de acordo com o código de conduta de guerra da altura, permitir às tropas o respetivo saque aos arrabaldes de Lisboa, o que revelou ser tão proveitoso que os próprios invasores ficaram espantados.
O Prior do Crato ficou ferido com alguma gravidade, mas conseguiu escapar, no entanto a "ocasião" tinha-lhe escapado, se é que a tinha tido, e nada mais conseguiu, não obstante as promessas de ajuda da França e Inglaterra.
A coleção de arte que a coroa portuguesa tinha acumulado, muita da qual, herdada, tinha sido pacientemente continuada por D. Manuel e concluída pela própria D. Catarina de Áustria, e era tida por fabulosa, sobretudo no que se relaciona com prataria, joalharia, objetos de luxo, panos de arras, onde pontuava um número surpreendentemente elevado para a época, de tapeçarias flamengas, e a coleção de pintura, a qual, sem ser fantástica, como a de outras coleções reais europeias, não seria de desprezar, e tudo isto foi desbaratado e saqueado, primeiro pelo Prior do Crato e depois, claro, pelo próprio Filipe, que tudo levou para as coleções reais espanholas (ainda, e segundo Annemarie Jordan, o Alba tinha ordens do próprio Filipe II de escolher tudo o que fosse de valor e enviá-lo para a corte de Madrid, e ele, que não parece ter nutrido grande simpatia pelos portugueses, não se fez rogado, e tudo saqueou, enviando-o ao seu amo e senhor).
O que sobrou, que não deve ter sido muito, o terramoto do século XVIII se encarregou de fazer desaparecer.
Sempre me tinha admirado porque seria que não havia grande obras de arte reais expostas nos museus/palácios reais, anteriores ao século XVIII. Pensei que seria devido ao terramoto, mas a verdade era bem mais profunda e complicada.
Manel
Manel
EliminarObrigado pelo teu comentário, que acrescentou muitos dados valiosos sobre esta época.
A minha simpatia pelo Prior do Crato vem também naturalmente dos bancos da escola, em nos ensinavam que o Prior do Crato era muito bonzinho e que Filipe II, era um homem austero e com uma ambição sem limites e que não descansou enquanto não anexou Portugal.
Hoje em dia a história perdeu o seu caracter nacionalista e temos uma visão menos maniqueísta destes acontecimentos que levaram a perda da independência de Portugal.
Todas as guerras são más para o património artístico de um país. Os ouros e as pratas são derretidas e as joias vendidas para financiar os exércitos e se o País perde o conflito, os seus tesouros são pilhados pela soldadesca ou transportados para a capital da nação vencedora. Foi essa a sorte de Portugal após 1580, como também a do Iraque há bem pouco tempo, cujo principal museu, em Bagdad foi pilhado e saqueado.
D. António não tinha quaisquer hipóteses contra o poderio da Espanha de Filipe II, mas em todo o portou-se como um homem, deu luta e não fugiu para o Brasil com o rabo entre as pernas, como mais tarde fez o nosso Príncipe Regente, o D. João VI.
Talvez neste meu texto, transpareça alguma antipatia por Filipe II de Espanha, que não exactamente verdade. Como monarca de Portugal, D. Filipe foi um administrador excelente, respeitando as leis próprias do reino de Portugal e que pensou mesmo fazer a capital do seu império aqui em Lisboa.
Em todo o caso, na galeria de gravuras de reis da minha casa, o D. António vai ficar a par dos outros monarcas portugueses.
Um abraço
Muito interessante e gosto da gravura. Boa noite!
ResponderEliminarMargarida
EliminarObrigado pelo seu comentário. A gravura não é propriamente de primeira qualidade, mas o seu significado é tão interessante para a história de Portugal e também de Espanha. Um abraço e boa semana