domingo, 20 de janeiro de 2019

O círculo de Liberal Sampaio: José Joaquim de Almeida Carvalhais e José Leite de Vasconcelos


No velho álbum de fotografias de formato carte-de-viste formado pelo meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio, consta este retrato de um jovem de bigodes retorcidos, olhos grandes, com uma expressão sonhadora e um cabelo, que apesar da brilhantina toda ameaça revoltar-se a qualquer momento. O personagem está identificado como sendo José Joaquim de Almeida Carvalho, numa anotação manuscrita feita pelo meu trisavô na sua na caligrafia cursiva e miudinha. Porém, quando retirei a fotografia do álbum e encontrei a dedicatória, que adiante transcrevo percebi que o seu nome deste senhor é ligeiramente diferente do que está posto na legenda.

José Joaquim d’ Almeida Carvalhaes, Sta. Martha



José Joaquim d’ Almeida Carvalhaes, Sta. Martha


Fiz uma pesquisa na internet por este nome e percebi que este senhor só podia ser o José Joaquim de Almeida Carvalhais, nascido em Santa Marta de Penaguião em 2.12.1854 e falecido em Mesão Frio (9.2.1919), cuja vida é descrita no Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses / coordenado por Barroso da Fonte, que se encontra online, que por sua vez repete o texto da entrada da Grande enciclopédia portuguesa e brasileira. Este senhor teve uma vida muito movimentada, andou pelo Brasil, foi oficial da marinha na Amazónia, trabalhou numas minas em Huelva, Espanha e administrou propriedades rurais em Alenquer e em Montemor-o-Novo e no final da década de 90 passou a colaborar com José Leite de Vasconcelos, no que é hoje Museu Nacional de Arqueologia, aproveitando certamente a sua experiência nas minas.

Até há pouco tempo acreditava que José Leite de Vasconcelos esteve apenas duas vezes no Solar dos Montalvões, em Outeiro Seco. Porém na obra Historia do Museu Etnologico Português : 1893-1914 .- Lisboa : [s.n.], 1915 Leite de Vasconcelos indica que em 1902 também visitou Liberal Sampaio,  em Outeiro Seco. Pela simples leitura desta página, é notório que Almeida Carvalhais acompanhava Leite de Vasconcelos pelo país inteiro
Portanto, o mais lógico é que Joaquim de Almeida Carvalhais tivesse travado conhecimento com o meu trisavô, nos finais dos anos 90 no século XIX, numa das viagens em que acompanhou José Leite de Vasconcelos pelo país fora, relatadas na obra Historia do Museu Etnologico Português : 1893-1914. O meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio era um homem profundamente interessado na história e formou no Solar de Outeiro Seco uma colecção de objectos arqueológicos e recebeu nessa casa José Leite de Vasconcelos, pelo menos três vezes, em 1895, 1902 e em 1915. As visitas de 1915 e 1895 são referidas na obra Por Trás-os-Montes e a de 1902 na Historia do Museu Etnologico Português : 1893-1914, ambas da autoria daquele eminente arqueólogo. Estas visitas não eram apenas de cortesia, antes eram o pretexto para longos passeios pela região para reconhecimento de locais de interesse arqueológioco ou etnológico. Nessas datas era muito possível, que José Joaquim de Almeida Carvalhais tivesse acompanhado Leite de Vasconcelos ao Solar de Outeiro Seco e tivesse trocado com o meu trisavô as carte-de-visite, isto é, os respectivos retratos fotográficos.


José Joaquim de Almeida Carvalhais


Porém esta fotografia de José Joaquim de Almeida Carvalhais, mostra um homem ainda jovem e se ele nasceu em 1854 este retrato será mais ou menos datado entre 1874 e 1884, ou talvez um um bocadinho mais tarde. Portanto o meu trisavô e o Almeida Carvalhais travaram conhecimento ainda antes de o primeiro entrar ao serviço do que é hoje o Museu Nacional de Arqueologia. Talvez se tivessem conhecido na década de 80, período em que Almeida Carvalhais foi funcionário dos Correios primeiro na Régua, depois em Vila Pouca de Aguiar e finalmente em Vila Real. A partir de 1886 já andava o meu trisavô a caminho de Coimbra, para fazer os seus estudos superiores e essas terras acima referidas eram ponto de passagem obrigatórios para quem vinha de Chaves, numa viagem que se fazia a cavalo. Só na Régua é que o meu pobre antepassado apanhava um comboio até ao Porto e daí até Coimbra. Talvez se tenham conhecido num posto de correio, quando o meu trisavô ia deitar uma carta a avisar, que tinha chegado bem e conversaram longamente, descobrindo, que ambos partilhavam a mesma a paixão por antigualhas. Enfim, estou a especular sem provas, mas é certo que se conheceram por essa altura, de outra forma o retrato de José Joaquim de Almeida Carvalhais não estaria no álbum fotográfico do meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio.

Para rematar, este José Joaquim de Almeida Carvalhais é o pai do célebre caricaturista e ilustrador Stuart Carvalhais.

As ilustrações de Stuart Carvalhais são sempre cativantes. Algumas delas eram feitas com a ponta de um fósforo queimado


Alguma bibliografia:

Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses / coordenado por Barroso da Fonte
Historia do Museu Etnologico Português : 1893-1914 / J. Leite de Vasconcelos. - Lisboa : [s.n.], 1915.

Por Trás-os-Montes / J. Leite de Vasconcelos. Lisboa: Imprensa Nacional em 1917

Stuart Carvalhais: antecedentes artísticos e contexto do seu nascimento em Vila Real / Elísio Amaral Neves
In
Vila Real história ao café / Elísio Amaral Neves • A. M. Pires Cabral. p. 318- 322

6 comentários:

  1. Olá! Leite de Vasconcelos era um autor que constava na bibliografia do Instituto de Letras daqui de Salvador, tanto em Linguística como de Língua Portuguesa, vai e vem e a obra dele era citada como referência e textos de consulta.
    Já anotei o nome do Stuart Carvalhaes, vou pesquisar o trabalho dele.
    Um abraço.

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    1. Leite de Vasconcelos foi um homem que nunca casou e devotou a vida toda ao Museu Nacional de Arqueologia, de que foi fundador. Percorreu o País inteiro tentando salvar o maior número de objectos possíveis e recolhe-lhos no Museu. Dedicou-se à arqueologia, à etnologia, à história e à linguística. Portugal deve muito a este homem e tenho orgulho de saber que o meu trisavô fazia parte do seu círculo.

      As ilustrações do Stuart Carvalhaes são deliciosas e apanhou muito bem o espírito dos loucos anos vinte em Portugal.

      É muito curioso descobrir neste velho álbum de fotografias, que muitos destes personagens tiveram uma prole que fez história vem Portugal.

      Um abraço

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    2. devotou a vida toda ao Museu Nacional de Arqueologia? Onde foi buscar isso? Que invenção é essa? O homem teve a sua vida com mais de uma mulher. Nem eu que faço parte de um ramo contrario à sua descendencia sei tudo. E, passei muito tempo na sua casa, quando jáera do seu sobrinho.

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  2. Muito bem pesquisado.
    Tornaste este teu trabalho numa história muito cativante e interessante.

    Um aparte: quanto à "brilhantina" que o senhor teria utilizado, não sei se o seria, pois, este gel com uma composição à base de vaselina, só apareceu no século XX. No século XIX já se usava uma forma de pomada para o cabelo à base de gordura de urso, e uma outra mistura em forma de gel que servia para escurecer o cabelo, e que apareceu em Inglaterra no final do mesmo séc. XIX.

    Mas a história deste senhor é fascinante.
    Gosto muito dos desenhos do Stuart Carvalhais.

    Quanto a Leite de Vasconcelos, um dos nossos grandes estudiosos e referências nos séculos XIX e XX, com campos de saberes vastos e variados, esteve na base do nosso Museu de Arqueologia.
    Realmente este teu trisavô conseguia conciliar à sua volta um curioso e variado conjunto de pessoas.
    Lá vais paulatinamente descobrindo todos estes laços que, doutra forma, estariam definitivamente enterrados na história.
    Parabéns pelo texto e pelas descobertas
    Manel

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    1. Manel

      Tens razão. A brilhantina é já coisa do início do século XX. Este senhor deve ter usado uma pomada qualquer feita de gordura animal para aparecer composto na foto.

      Segundo Elísio Amaral Neves, Almeida Carvalhais teria também o seu sentido de humor e foi correspondente em Vila Real de um jornal humorístico, O Dragão, publicado no Porto. Portanto, o filho já teria antecedentes familiares nas questões humorísticas.

      Aos poucos vou formando uma ideia das relações sociais do meu trisavô e da família Montalvão, o que um dia me será útil para empreender um trabalho de maior fôlego sobre o tema.

      Um abraço

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  3. Oi. Seu artigo descobriu José Joaquim, irmão de um dos meus trisavós, Francisco, que veio para a Espanha em 1888, especificamente para Zalamea la Real, como engenheiro de minas. Aqui ele era uma pessoa extraordinária e fez importantes trabalhos de engenharia. Eu ficaria encantado se você pudesse me dar mais informações sobre a família.

    Obrigado. grouwy@gmail.com

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