Recentemente passou-me um livrinho escrito por Jorge Pereira Sampaio e Luís Peres Pereira, intitulado Cem anos de louça Alcobaça, edição do autor de 2008. Esta pequena obra tem o mérito de se dedicar a um período da faiança, o final do século XIX e o século XX, sobre o qual não há muita coisa escrita (excepto sobre Sacavém) e é por isso muito esclarecedora e útil para nós os coleccionadores amadores de faiança, que nós vimos gregos em identificar fabricos populares sem qualquer marca e acerca dos quais não conseguimos dizer com segurança, isto é Coimbra, aquilo é Aveiro e aquele outro é Porto, sem correr o risco de asneirar em grande.
O tardoz de forma oblonga da bacia do Manel é quase tão interessante como a frente. |
Já aqui se tinha escrito sobre a Fábrica de José dos Reis, um senhor vindo de Coimbra e que fundou a primeira faiança em Alcobaça em 1875. Este Senhor morreu em 1898 e a viúva manteve a fábrica até 1900 e neste círculo de blogues sobre cerâmica e faiança ao qual o http://velhariasdoluis.blogspot.pt/ pertence, escreveu-se com alguma frequência sobre sobre ele e as suas produções.
Peças de José dos Reis e Manuel Ferreira da Bernarda: a continuidade |
O mais interessante nesta pequena obra, é que nos revela a existência de uma continuidade na produção da fábrica de José dos Reis e a de Manuel Ferreira da Bernarda Júnior, que alugou a fábrica do primeiro à sua viúva em 1900. Segundo os autores da obra Cem anos de louça Alcobaça, até cerca de 1930 a produção da fábrica Manuel Ferreira da Bernarda Júnior continua em linhas gerais a produção de José dos Reis, embora a diversifique.
Algumas das produções, que normalmente pensávamos ser peças de José dos Reis, como as ingénuas paisagens com casario, feitas numa faiança de tom amarelado, foram igualmente produzidas por Manuel Ferreira da Bernarda Júnior. Será talvez o caso desta bacia de faiança do Manel, que acreditávamos ser de José dos Reis, portanto datada entre 1875-1900 e que afinal poderá igualmente ter sido executada por Manuel Ferreira da Bernarda Júnior, entre 1900 e 1930.
Em suma, esta bacia poderá ser bem mais moderna do que parecia à primeira vista. Aliás, as peças ingénuas parecem ser sempre mais antigas do que aquilo realmente são, já o dizia Ernesto de Sousa na sua obra para o Estudo da escultura Portuguesa. Este fenómeno tem a ver com a permanência de valores, de gostos e de ideias estéticas das sociedades mais rurais, que levam os artesãos a repetir sem grandes variações modelos antigos.
O prato com um simpático e gordo Perú será um fabrico de Alcobaça |
De igual modo, este livrinho sobre cerâmica de Alcobaça, permitiu-me identificar outra peça do Manel, representando um simpático Perú, que achávamos sem grande convicção que poderia ser Coimbra.
De facto, nesta obra, é reproduzida uma sucessão de terrinas, todas de Alcobaça, desde José dos Reis até a OAL pretendendo precisamente demonstrar a continuidade dos modelos e decorações da produção de Alcobaça e umas delas, de fabrico Manuel Ferreira da Bernarda Júnior apresenta uma decoração com um perú, em todo semelhante ao do prato do Manel. Portanto o prato do nosso amigo Manel, será provavelmente uma produção de Alcobaça, da fábrica de Manuel Ferreira da Bernarda Júnior, datada entre Manuel 1900 e 1930.
Refiro o ano de 1930 como uma data limite aproximada, porque ao longo da década de trinta, o filho de Manuel Ferreira da Bernarda Júnior, Raul da Bernarda empreende um processo de modernização dos modelos e padrões da fábrica e começa a fazer aquela louça inspirada em modelos históricos, que ainda hoje associamos às lojas de souvenirs em Alcobaça.
A cercadura em estampilha é semelhante às peças do Manel |
De igual modo, a partir de 1927, outro filho de Manuel Ferreira da Bernarda Júnior, Silvino da Bernarda funda a Olaria de Alcobaça (OAL), juntamente com António Vieira Natividade e Joaquim e Vieira Natividade. Se nos primeiros anos ainda fazem alguma louça estampilhada à maneira antiga, renovam toda a produção inspirando-se na faiança portuguesa do século XVII, na fábrica do Juncal e ainda nos ratinhos coimbrões.
Um pormenor do prato com o Perú |
Claro, a atribuições que acabei de fazer da bacia com o casario e do prato com o Perú, como sendo de Manuel Ferreira da Bernarda Júnior não são inteiramente seguras, pois as peças não são marcadas e como todos sabemos, os fabricantes copiavam os motivos decorativos e formas uns dos outros, tentando corresponder ao gosto de quem comprava as peças nas feiras ou nos armazéns e portanto as peças do Manel poderiam eventualmente ter sido feitas em Coimbra. No entanto, parece-me mais provável serem de Alcobaça. Jorge Pereira Sampaio teve acesso a testemunhos e a colecções de quem conheceu gente, que ainda trabalhou nestas antigas fábricas, ele próprio formou uma bela colecção de cerâmica da região e desde alguns anos existe em Alcobaça o Museu Raul da Bernarda.
Um pormenor da cercadura da bacia com a paisagem com casario |
Bist immer sehr repetitiv. Warum nicht über die Gespräche mit anderen Themen rund um Antiquitäten zu denken?
ResponderEliminarGruß
Dear Andreas
EliminarI'm so sorry, I can not understand German. Please write in English or French.
thank you very much
Luís
Escreva em portugues a gente a qui não gosta de estrangeiros.. Ó..
ResponderEliminarÓ Zé Quinha eu não tenho nada contra estrangeiros e tenho bem presente de que o português não é uma língua de cultura universal, apesar do elevado número de falantes espalhados pelo mundo. Mas de facto não consigo de todo ler ou escrever em alemão. Se escreverem em francês ou inglês consigo responder, ainda que de uma forma muito telegráfica.
EliminarUm abraço
Pois é, as coisas parecem uma coisa e acabam por ser outra.
ResponderEliminarNo meu caso, nem sequer tinha a certeza de serem o que quer que fossem, só tinha palpites, que, por serem isso mesmo, nem sequer eram dignos de partilha, pois para escrever asneiras, já há quem o faça.
Sempre associei estas peças a zonas rurais, longe das zonas urbanas do Porto ou Lisboa, onde as fábricas, para poderem sobreviver, teriam obrigatoriamente de obedecer a padrões de qualidade que estas não possuem.
No entanto, têm o encanto das peças intimistas, que nos fazem sonhar casas rurais de cariz tradicional, e que fizeram a final um mundo, hoje desaparecido.
São peças que considero saudosistas e que, talvez por isso, me encantam.
Este teu post foi muito feliz, pois veio lançar luz sobre um tipo de desenho e motivo decorativo que andava imerso em grande confusão. Necessitava da tua ajuda para deslindar este caso.
Claro que não é seguro que sejam aquilo que escreves, pois não estão marcadas, mas a semelhança com outras estudadas e motivos catalogados, datados e classificados faz com que aumente a probabilidade de serem isso mesmo, peças de Alcobaça, e do século XX, quando antes imaginava que fossem do XIX.
Ainda bem que vieste trazer luz a este lado da cerâmica tão obscuro
Manel
Manel
EliminarHá pouca bibliografia sobre o final do século XIX e o século XX e obras como esta do Jorge Pereira Sampaio são luzes que nos permitem orientar um pouco no meio desta confusão das faianças não marcadas. Pela minha parte conhecia mal a produção de Alcobaça e fiquei agora com umas luzes para poder classificar alguma da produção, que se convencionou afirmar que é da região centro.
Abraço
Luís,
ResponderEliminarConhecia o livro mas ainda não o li. Já o folheei.
Obrigada por esta partilha. Há sempre dúvidas quando os autores não assinam nem datam as peças.
Achei graça à ideia: as peças mais ingénuas nem sempre são as mais antigas. Concordo inteiramente com a ideia até porque a ingenuidade pode estar ligada à falta de formação ou agilidade do artesão.
Muito interessante.
Parabéns, Luís.
Bom sábado. :))
LuisY12 de Julho de 2014 às 22:18
EliminarAna essa ideia do Ernesto de Sousa foi fundamental na minha formação quando estava a acabar a faculdade. O Ernesto de Sousa aplica esse conceito à escultura, mas pode ser transposto perfeitamente para a cerâmica, para a olaria ou para outras artes. Existem fórmulas artísticas no mundo rural que são quase intemporais e por isso mesmo algumas dessas peças parecem muito mais antigas do que aquilo que realmente são. Veja-se o caso dos Ratinhos fabricados ao longo do século XIX e que os autores dizer ser a loiça que em Portugal melhor conservou a tradição do Islão.
Bjos e bom fim-de-semana
Não conheço o livro mas vou tentar achá-lo nem que seja na biblioteca Afonso Lopes Vieira. Fiquei curiosa pois sobre a loiça de Alcobaça apenas tenho o de Manuel da Bernarda.
ResponderEliminarTambém só conheço meia dúzia de palavras em alemão mas creio que o comentário diz que os postes do Luís são muito repetitivos e sugere que escreva sobre um tema e um antiquário de cada vez, serà? Não fui traduzir a lado nenhum e a última parte do comentário tem palavras que desconheço... apenas tentei ajudar, de qualquer forma eu não me canso de o ler e não partilho da opinião do Andreas! Gostei da descoberta àcerca do prato com o perú. Valado dos Frades é uma terrinha de que gosto e que realmente ainda apresentar muitas chamines de antigad fábricas de cerâmica, tenho de lá ir vê-la com olhos de "ver"... Bom fim de semana,
Ana Silva
Ana Silva
EliminarNão sei até que ponto o Andreas entenderá o conteúdo e os objectivos do Blog. Não escrevo sobre obras de museus ou de antiquários, mas sim acerca das minhas próprias peças ou de amigos. As peças de museu mostradas servem apenas para fundamentar atribuições ou ilustrar uma história. Claro, como como moro num T1, a minha escolha é naturalmente limitada e não posso apresentar como gostaria porcelana do Saxe, majolicas italianas, móveis de época, cristais franceses ou tapeçarias flamengas.
Abraço
Luís,
ResponderEliminarAcho extraordinária a sua capacidade de variar os temas dos postes, desenvolvendo os assuntos de forma despretensiosa, mas cheia de interesse e de seriedade.
É muito importante esta informação fiável e segura sobre a nossa faiança popular do século XX. Apesar de estar mais próxima de nós, nem por isso dispomos de muita informação fundamentada sobre ela.
Acredito que esse estudo "Cem anos de louça de Alcobaça" dê um bom contributo para melhor conhecermos a faiança da zona centro e hei-de ver se o consigo consultar, mas o seu texto e as ilustrações aqui no blogue tornam o assunto bastante mais acessível e sempre com a garantia de seriedade a que já nos habituou.
Tenho um prato muito tosco com desenho semelhante ao da bacia do Manel que agora já fui ver com outros olhos.
Nunca é demais agradecer-lhe, a si e ao Manel, o serviço que aqui nos prestam, ao mesmo tempo que nos vão alegrando os dias com belas imagens dos tesouros que guardam em casa.
Abraços e obrigada
Maria Clara
EliminarComo escrevo este blogue há quase quatro anos tenho naturalmente tendência a repetir-me. Todos nós nos fixamos em meia dúzia de assuntos e temos sempre tendência a voltar a eles, a repisa-los, a aperfeiçoa-los, muito embora até tenha um leque muito alargado de interesses nesta área das velharias. Em todo o caso fico contente por este blogue tão português, ter atraído o público germânico.
Este livrinho do Jorge Pereira Sampaio foi uma boa surpresa, pois além das obras de José dos Reis esclareceu-me sobre os outros fabricantes de Alcobaça, que dão continuidade à obra do primeiro. Também descobri que no início do século XX Alcobaça fabricou azulejos, daqueles das campainhas, que em Lisboa foram fabricados pela Roseira ou pela Viúva Lamego. Enfim, estamos sempre a aprender.
Bjos e obrigado
Querido Luis Y.
ResponderEliminarMuita Paz.
Ainda bem que para além da diversidade de posts há de leitores e leituras...
Mas majoritariamente nos encontramos aqui como amantes de velharias que juntamos, especialmente louças.
Este livrinho deve ser ser bem agradável além de útil, como já se mostrou. Vou ver se consigo um exemplar.
A singeleza, ingenuidade, etc de algumas louças remetem sim à ideia de serem primitivas (ou mais antigas) pois sem muita pretensões de qualidade total, excelência. Mas este "primitivo" pode surgir em toda época e lugar. Também há os casos de "primitivos" ou "espontâneos" reproduzidos primitiva e espontaneamente... Por isso vejo Você deixando margens quando não há certezas. Mas é legal este exercício de descobrir época, lugar. Como se dá também com as atribuições e datações na Arte Sacra.
Em minha apreciação de aprendiz tinha dificuldade de localizar estes casarios altos como estes da bacia e da terrina, em Portugal. Associava-os mais à França... Nem sei por quê. Não conheço um tanto quanto o outro. Mas é claro que neste mundo globalizado da imagem elas fazem festa em nossa cabeça.
Contei 13 gatos e gatinhos na bacia do Manel. Acho que ratos ele não tem em casa, somente Ratinhos...
Este tipo de louça é difícil de se encontrar por aqui, já o AOL é mais frequente, reproduzindo motivos mais antigos como Você disse.
Já que é um post de louças, permita-me fazer aqui um cmt sobre sua travessa (ou travessas) inglesa:
Você mesmo iniciou seu post assim " Mais uma travessa... " e depois reafirmou que as tem encontrado, além de belíssimas, bem em conta. Por aqui, infelizmente, não posso dizer o mesmo. Estas grandes travessas inglesas do XIX com estes motivos de estátua, monumento, lagos, etc, são bem puxadas no preço, mesmo nos leilões. E aquelas "borrão" disparam mais ainda...
Por estes dias peguei em conta 2 travesas inglesas do XIX com motivo que gosto tanto: aves e flores. Mas estavam em conta, talvez por não ser destas octogonais tão chamativas nem as requintadas "borrões". Depois vou postar o que tenho de louça inglesa que gosto mais.
Um abraço.
Amarildo
EliminarAs peças mais ingénuas parecem sempre mais antigas. Este fenómeno observa-se na pintura, nas escultura ou em muitas outras artes. O encanto destas peças "primitivas" como o Amarildo lhe chama está precisamente nessa ancestralidade, nesse repetir de velhas fórmulas, mas há que ter cautela na sua datações. Os mais incautos tendem sempre te-las como muito antigas e já vi gente achar convictamente que as suas faianças do início do século XX são seguramente coisa dos finais do XVIII ou da segunda metade do XIX.
As paisagens com casarios são uma constante na faiança europeia dos séculos XVIII, XIX e até mesmo do XX. Claro, umas são representações realistas, outras figurações muito ingénuas como a desta bacia toda cheia de gatos.
Também não conhecia muito da produção de Alcobaça até ter lido este livrinho. Sabia alguma coisa sobre a louça de José dos Reis do século XIX e dos fabricos dos anos 30, 40 e 50 que encheram as casas portuguesas e pelos vistos também as brasileiras. Tal como Fátima, a Nazaré ou a Batalha, Alcobaça era e é um ponto de visita obrigatório para todos os turistas brasileiros e é natural que muitos deles tivessem comprado essa loiça azul e branca de Alcobaça, de vagas referências à faiança portuguesa dos séculos XVII e XVIII. Sei também que a OAL exportou muito para o Brasil.
Nas Américas a louça inglesa é muito valorizada. Nos EUA a faiança inglesa do século XIX é procuradíssima. Por aqui ninguém lhe liga muito. Em compensação, a faiança portuguesa é bem mais cara nos mercados de velharias lusitanos. Enfim, são razões sociológicas, históricas e estéticas de cada sociedade que estão na origem destas diferenças de preços.
Um abraço