sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Um prato de faiança Viana ou um golpe de sorte



Recentemente houve aqui no blog um certo desentendimento a propósito da atribuição de faianças a Fervença e a Viana, fábricas de Gaia e Viana do Castelo, respectivamente. Essa disputa levou-me a consultar o catálogo dos Meninos Gordos de Isabel Fernandes, Porto: Civilização, 2005 para ver como eram os pratos fabricados em Viana com os Meninos Gordos.
Prato reproduzido de Meninos Gordos/ Isabel Fernandes. -  Porto: Civilização, 2005
Estes apresentam uma decoração muito simples na aba, com um filete a uma ou duas cores e a orla é encordoada e de facto, nada tem a ver com os pratos dos meninos gordos das fábricas de Fervença ou Bandeira.
Detalhe da decoração encordoada de um prato Viana com um Menino Gordo
Mostrei esse catálogo ao Manel, que é um livro muito bem feito, que sistematiza as decorações típicas de Fervença ou da Bandeira, a propósito dos Meninos Gordos.

O prato do Manel
Passadas umas semanas, o Manel passou pela banca de um cigano em Estremoz, que vende tudo ao preço das jóias da Coroa de Inglaterra e viu aí um belo prato de faiança, com uma borda semelhante aos pratos de Viana dos Meninos Gordos. Contudo, o prato não estava marcado e encontrava-se em muito mau estado. Em tempos tinha-se partido ao meio e tinha sido mal e porcamente restaurado com uma massa branca.


Talvez por estar tão mal restaurado, ou talvez porque estivesse a chover, o cigano (que descobrimos ser evangelista) vendeu o prato muito baratinho ao Manel, por um preço que rondou as duas dúzias de euros.


Quando chegamos a casa, o Manel correu para a banca da cozinha e pôs-se a raspar a massa nojenta do restauro. Descobriu que o prato tinha sido gateado, mas, num período qualquer da vida deste prato, uma criatura mal inspirada, tinha resolvido tirar os gatos e colar as partes com massa.
Os orifícios dos gatos
Contudo, o Manel não descobriu só aos orifícios deixados pelos gatos. Ao retirar a massa, apareceu a letra V, seguida de um tracinho, a marca típica e inconfundível da célebre Fábrica de Viana (1774-1855).  Como dizem os franceses, foi uma verdadeira trouvaille!
O V de Viana

Segundo o Dicionário de Marcas de Faiança e Porcelana Portuguesa, Lisboa Estar Editora, 1996 este v, seguido de um tracinho, corresponderá talvez ao segundo período da laboração da chamada fábrica de Darque (1780-1820). Esta crença é reforçada pelo facto de o Manel ter encontrado na obra A Louça de Viana de António Matos Reis, dos Livros Horizonte, um prato com muitas semelhanças e que está atribuído ao segundo período.

Prato fabricado no segundo período de Viana e reprozido em A Louça de Viana de António Matos Reis, dos Livros Horizonte

Esta fase da existência da Fábrica de Viana é considerada a mais original, com as suas decorações florais feitas com cores alegres.


8 comentários:

  1. Que achado! Foi mesmo um golpe de sorte do Manel!
    Realmente este prato , com aquele tipo de orla, é dos que não suscitam grandes dúvidas, mesmo que não tivesse marca. Felizmente a Fábrica de Darque tinha a prática salutar de marcar a sua produção, talvez porque a marca adotada era muito fácil de colocar à mão por qualquer pintor, mesmo analfabeto que fosse.
    E digo-lhe, Luís, que aquele bouquê ao centro com tons muito frescos e suaves é dos motivos florais mais bonitos que tenho visto neste tipo de faiança.
    Também foi sorte o Manel não ter encontrado mais mazelas por baixo daquela massa, que desfeassem o prato. Assim ficou muito bem... e considerando a origem e época, uma pechincha!
    Parabéns ao Manel e obrigada pela partilha.
    Abraços

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  2. Que maravilha de achado! Imagino a excitação de vocês quando surgiu o "V _" por baixo da massa!! O Manel gritando, "Luis! Luiiiiiiiiiiiiis!, Venha cá ver isso!!" :-)
    Não só foi um tremendo golpe de sorte mesmo, como a decoração e a modelagem do prato são LINDOS!
    parabéns e abraços

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  3. Olá Luís

    Que golpe de sorte! Comprar um prato de Viana, embora camuflado, não acontece a todos. E comprar a um cigano. Até gosto dos ciganos. Lembro-me de uma família que ocupava uma vivenda abandonada. Todos os dias, a caminho do trabalho, passava junto deles. Ou havia confusão e gritaria, ou, pacatamente todos giravam em torno do patriarca, homem grande, imponente nos seus trajes negros onde sobressaia a alvura da longa barba.
    Mas nada disto tem a ver com o prato do Manel. O encordoado do bordo com os filetes em tons de verde e amarelo sao lindos. A leveza do ramo central enriquece-o.
    Cumprimentos
    If

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  4. Fábio

    Adivinhou. O Manel estava na cozinha a raspar o prato com uma faquinha e eu na sala, em volta do blog e o Manel chamou-me tanto, que pensei, que estivesse algum bicho selvagem à porta, que o Manel quisesse que eu visse.

    Abraços

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  5. Manel

    Este certamente foi um dos teus bons negócios. É por isso que dá jeito espiolhar os manuais todos de cerâmica e visitar museus, para poder reconhecer as oportunidades no chão das Feiras.

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  6. Cara IF

    Um dos mais aspectos mais interessantes da Feira de Estremoz é que uma boa parte das bancas são asseguradas por ciganos. Aliás, parece que é tradição no Alentejo, os ciganos comprarem e venderem coisas velhas. Segundo me informaram, alguns deste ciganos tem acordos com os melhores antiquários de Lisboa e vendem à consignação peças mal restauradas ou monos, que esses mesmos antiquários não conseguem vender nas suas lojas.

    Naturalmente há ciganos mais simpáticos que outros e muitos deles até negoceiam e conseguem-se bons preços, mas aquele a quem o Manel comprou o prato é torcidinho, torcidinho

    Bjos e obrigado pelo seu comentário

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  7. Maria Andrade

    O bouquet é tão bonito e tão bem pintado que ainda conversei com o Manuel se teria sido executado por alguma forma de estampilhagem ou transfer way. Mas não, é de facto pintado à mão e requereu uma enorme perícia e uma mão muito firme.

    Beijos

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  8. A decoração, ainda que de elevada qualidade, estava de tal forma escondida, em parte, por massas de mau restauro, que não conseguiu perceber o que estava a vender.
    De tal forma deram pouca importância à peça que a expuseram debaixo de outras, mal se conseguindo ver.

    Fábio, foi isso mesmo, quando descasquei as massas que cobriam a superfície e apareceu o "V _" chamei logo o Luís para vir ver!

    Tal como diz a Maria Andrade, este desenho do "bouquet" é de uma beleza que me agrada bastante, executado com uma mão firme e segura, com traços fortes e cores bem aplicadas. Foi a beleza deste desenho que mais me chamou à atenção, apesar do prato estar perdido debaixo de muitos outros, de forma que mal se conseguia perceber.
    Manel

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