sexta-feira, 7 de junho de 2019

O luxo do Vieux Paris: chávena e pires do início do século XIX


Depois de muito namoro o meu amigo Manel comprou esta peça de uma qualidade excepcional, uma chávena com um pires, moldados em forma de concha e que imediatamente presumimos tratar-se de porcelana de Paris, do início do século XIX. Com efeito, ainda antes do Manel adquirir finalmente a peça sabíamos, que o Museu Nacional de Arte Antiga tinha em exposição uma chávena exactamente igual, da antiga colecção de Luís Fernandes (inv. 4454 e 4455 cer)
Chávena do Museu Nacional de Arte Antiga. (inv. 4454 e 4455 cer)
Contudo a chávena do Museu Nacional de Arte Antiga está marcada com uma espécie de espadas cruzadas à maneira de Meissen, identificáveis com a Casa Locré, Russinger e Pouyat (1773-1824). Ao contrário, a chávena e pires do Manel não estão marcados, o que nos levou logo a ter uma série de interrogações quanto ao seu fabricante, pois muitas das casas de Paris desse período nem sempre marcavam as peças, imitavam-se umas às outras e sobretudo copiavam Sêvres. Creio eu que muitos desses fabricantes tentariam fazer passar os seus produtos por Sêvres, a mais prestigiada fábrica de porcelana francesa e europeia. Mais ainda, algumas dessas casas parisienses compravam porcelana em branco a outros fabricantes, que se limitavam a decorar. Em suma, quando as peças não estão marcadas é sempre um risco fazer atribuições.
A chávena do MNAA está marcada com uma espécie de espadas cruzadas à maneira de Meissen, identificáveis com a Casa Locré, Russinger e Pouyat
 
 
A chávena do Manel tem apenas uma pequeno x pintado a dourado, que creio ser apenas uma marca de controlo interno da fábrica.

Contudo, temos quase a certeza que se trata de Porcelana de Paris produzida nas duas primeiras décadas do século XIX. Na sua obra Porcelaine de Paris, Régine de Plinval de Guillebon afirma que, no início do Século XIX houve uma tendência geral na produção daquela cidade para transformar a chávena num bibelot extremamente requintado. Observa-se uma verdadeira loucura de formas novas de chávenas, que podem ser em forma de cisne, de caracol, de concha, ao estilo etrusco, caneladas e ainda com muitos grifos à mistura. A título de exemplo, a Darte Frères e Sêvres produziram chávenas em forma de cisne, que mais tarde, a nossa Vista Alegre copiou, mais ainda, a Dagoty e a Casa Locré, Russinger Pouyat fabricaram chávenas em forma de concha e os grifos abundaram por todo o lado.
Chávena e Pites da Dagoty, que esteve à venda na leiloeira Christie's
No fundo, esta chávena do Manel é bem um exemplo dessa produção das casas de porcelana Paris no início do século XIX, que tendem a adoptar formas insólitas, mas refinadas e a transformar a chávena num objecto que se exibe numa vitrina. É provável que tenha sido cerca fabricada cerca de 1820 pela Casa Locré, Russinger Pouyat, já que é igual ao exemplar do Museu Nacional de Arte Antiga, mas não é seguro. Em todo o caso, independente do seu fabricante está chávena é tão refinada, que só me ocorre um francesismo para a qualificar, ravissante.
 
 

Alguma bibliografia e links consultados:
 
Porcelaine de Paris, 1770-1850 / Régine de Plinval de Guillebon. Friburg: Office du Livre, 1972
 
 
 

6 comentários:

  1. A chávena é de facto muito bonita. Bjs!

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    1. Margarida.

      Muito obrigado pelo seu comentário e votos de uma boa semana de trabalho.

      Um abraço

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  2. É sempre uma complicação encontrar informação sobre estas peças não marcadas. Talvez por serem peças que raro se encontram, e fabricadas em pequena quantidade, para lá do facto desta não possuir qualquer marca, é difícil perceber a sua proveniência. Não fora o exemplar do MNAA ficaria sem saber o que quer que seja sobre ela.
    Mas como é uma peça muito bonita, arranjaria sempre um qualquer local para a expor.
    E a sua aquisição não foi fácil.

    A tua pesquisa foi preciosa, sem ela continuaria a nada saber sobre esta chávena, pois também eu "revirei" a net de "cabo a rabo" sem encontrar alguma informação plausível. Agradeço-te todo o esforço
    Manel

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    1. Manel

      Como a chávena não está marcada é sempre um risco fazer atribuições, mas neste caso há o exemplar do MNAA, que nos serviu de referência.

      Também é verdade que nem toda a informação está na net e a consulta ao livros é imprescindível. Régine de Plinval de Guillebon foi uma especialista francesa em Porcelana de Paris, que esteve por cá a estudar as colecções portuguesas e escreveu um livro que é uma referência nesta matéria.

      Esta chávenas é excepcional!!

      Um abraço

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  3. Salve Luis! Sempre um prazer ler as tuas pesquisas. Estamos, minha esposa e eu, na fase de colecionar xícaras. Adquirimos no mercado das pulgas de Pelotas 2 exemplares sem marca, muito lindas que supomos, pela decoração, serem alemãs. Abraços d´além mar.

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    1. Caro Edwin.

      É sempre um prazer vê-lo por aqui e é curioso que começo a conhecer os seus gostos, pois já imaginava que iria comentar este post.

      Coleccionar chávenas é muito engraçado. Esta peça pertenceu a um célebre coleccionador, Luís Fernandes (1859-1922) que deu a sua colecção de xícaras ao Museu Nacional de Arte Antiga, aqui em Lisboa. se quiser saber mais, siga este link https://www.academia.edu/8922857/O_amigo_brasileiro._Lu%C3%ADs_Fernandes_1859-1922

      A produção alemã de porcelana é gigantesca e de muito boa qualidade. Por vezes com alguma paciência através de pesquisa de palavras chave no google, consegue-se alguns resultados.

      Um abraço de Lisboa, a velha capital


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