quinta-feira, 19 de maio de 2011

A ressurreição de Cristo por Teodoro António de Lima

Recentemente a Maria Andrade  apresentou um post sobre uma gravura do artista italiano Francesco Bartolozzi (1728-1815), que se radicou já de idade avançada em Portugal. Esse texto remetia para um catálogo de 2004, da Sociedade Martins Sarmento, intitulado Francesco Bartolozzi e os seus discípulos e ao visionar o documento, encontrei muitas estampas, que reconheci, como o Senhor Jesus da Consolação, da casa do meu amigo Manel, bem como uma série de cenas alusivas a vida de Cristo, extraídas de livros litúrgicos e que me pareceram algo familiares.

Estudo de Bartolozzi para Missal Romano. MNAA, 2478

Com efeito, há uns tempos o Manel e eu tínhamos comprado na Feira-da-Ladra, duas estampas com cenas da vida de Cristo, com um estilo muito próximo de Bartolozzi (Fazemos muitas vezes a manha de comprar duas peças para pedir uma redução no preço e depois pagamos a meias). Porém, essas duas gravuras embora fossem do mesmo estilo e mais ou menos contemporâneas das cenas religiosas gravadas por Bartolozzi para os missais romanos de 1808 e 1820, estavam assinadas por um tal T. A. Lima, de que nunca tinha ouvido falar.



Fiquei com o assunto na gaveta á espera de melhores dias, até ao momento em que me passou pela mão a obra de Luís Chaves, Subsídios para a história da gravura em Portugal, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1927 e descobri uma entrada para o tal T. A. Lima. Este Senhor chamava-se Teodoro António de Lima, ignora-se a data de nascimento, mas presumimos que terá sido nas duas ou três últimas décadas do Século XVIII, pois em 1836, pede a aposentação da Academia de Belas Artes para poder leccionar desenho no Colégio Militar. Foi aluno de João Figueiredo, gravador de Medalhas e segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira foi um dos melhores discípulos de Bartolozzi. Este Teodoro António de Lima terá feito frontispícios e estampas no Breviarium Romano, da Tipografia Régia de 1815 e para um missale romanum de 1820, onde também aparecem gravuras de Bartolozzi, apesar de este já ter falecido.
Estudo de Bartolozzi para a Ressureição de Cristo
Estava pois explicada a familiaridade, que senti entre a estampa que tinha em casa e as obras do gravador italiano reproduzidas no catálogo da Sociedade Martins Sarmento.

Alegoria à derrota dos franceses de Cirilo Volkmar Machado, gravada por T. A. Lima

Este Teodoro terá trabalhado com artistas importantes da época, como Cirilo Volkmar Machado, para o qual gravou uma alegoria à derrota dos franceses.

Porém, não estava inteiramente satisfeito e fiz mais umas pesquisas no Google e encontrei o trabalho de um senhor brasileiro, que investigou as estampas de livros litúrgicos, que serviram de modelo para a pintura de igrejas em Minas Gerais. Pedro Queiroz Leite descobriu três missais com datas de 1782, 1797 e 1860 apresentando uma gravura rigorosamente igual no frontispício. A primeira não está assinada, a segunda foi gravada por um tal Silva e a terceira de 1860, tem as iniciais usadas pelo nosso Teodoro António de Lima “T. A Lima”.


Missal de 1782

Missal de 1797


Missal de 1860
Esta coisa espantosa só mostra que na prática, estes gravadores usavam os desenhos dos missais e breviários, de umas edições para as outras, durante muitas décadas, acrescentando as suas iniciais e talvez retocando aqui e ali. Provavelmente estavam também sujeitos a respeitar o formato que o editor impressor já dispunha e os obrigava a seguir. Em todo o caso, tudo isto nos faz reflectir acerca da originalidade destas obras, conceito esse que não parecia particularmente importante no mundo da gravura neste final do século XVIII, princípios do XIX.

8 comentários:

  1. Este conjunto de duas gravuras, que servem de sequência uma à outra (a minha poderás fotografá-la mais tarde e juntá-la depois ao teu post), é de grande qualidade e gosto imenso delas.
    E não me admira que a mesma matriz vá servindo de geração em geração.
    Lá surge alguém com mais originalidade que estabelece o padrão, os outros repeti-lo-ão até à exaustão.
    Duma forma algo diferente, e tentando estabelecer um paralelismo, ainda hoje acontece algo de semelhante (por exemplo, as janelas de Maluda - apesar de ter feito muita coisa, foi este tema que se lhe tornou paradigmático. Um belo dia encontrou ali um filão e depois ... repetiu-se até à exaustão, quando o resultado final já nada tinha a ver com o original, perdendo em comparação, passando de obras cheias de vigor e originalidade para coisas "bonitinhas", mas já esvaziadas da força original!).
    Neste caso talvez tenha sido Bartolozzi que trouxesse alguma originalidade ao campo, ainda que com modelos igualmente copiados de outros que vinham do exterior, plagiados depois pelos seus discípulos. Até deveria ser algo a encorajar dentro do campo, julgo eu, pois a ligação mestre-discípulo era muito forte (hoje o ensino é algo anónimo e acessível, mais democrático, naqueles tempos serviam alguns, poucos, eleitos).
    No entanto, a gravura deste Teodoro António de Lima (confesso não conhecer nada sobre a sua vida) é muito bem executada, ainda que sob cartão produzido por outros.
    Gostaria imenso de possui um espécime da gravura com o tema da derrota dos franceses que aqui apresentas, não pelo tema em si, que, no século XXI, já nos é completamente indiferente (e de chauvinista não tenho nada), mas pela qualidade da própria obra, que é muito boa.
    Manel

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  2. Caro Luís, bom dia, achei fabuloso o seu trabalho de investigação, o seu post consegiu transmitir-nos na perfeição o seu entusiasmo pelo detalhe e investigação do tema que nos propõe! Apesar de não ter gravuras tenho algumas das obras bibliográficas que menciona e realmente eram feitos trabalhos fabulosos. Parabéns, até breve, CC

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  3. Luís, aprecio sempre muito os seus posts sobre gravuras porque consegue reunir muita informação graças à interessante pesquisa que consegue fazer.
    A sua gravura é magnífica, assim como as restantes de Bartolozzi e de T. A. Lima, e o texto muito informativo, até sobre os métodos de trabalho destes artistas gravadores.
    Apeteceu-me fazer mais um post sobre um livro antigo, mas um que tenha gravuras para investigar sobre elas.
    Esse catálogo da Sociedade Martins Sarmento pode dar alguma ajuda, tenho que lá voltar...
    E fico a aguardar que aqui mostre a gravura que o Manel comprou na mesma altura.
    Um abraço

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  4. Manel

    A pesquisa que fiz sobre esta gravura foi um conjunto de supresas.

    Por outro lado, temos que nos convencer que estes gravadores executavam sobretudo obras de outros artistas e quando encontramos uma gravura assinada, o nome maior parte das vezes é do executante e não do criador. Enfim, apercebi-me que tenho que me despir da ideia actual, que temos do artista criador de uma obra nova, para entender como deve ser a história da gravura no passado

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  5. Cara Cc

    Obrigado pelo seu comentário. Descobrir quem foi o executante duma gravura, qual a obra que lhe serviu de modelo e a que livro pertencia é uma charada fascinante.

    Abraços

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  6. Maria Andrade

    A redacção deste post foi consequência do seu post do Bartolozzi, cujos conteúdos puseram-me a remexer as ideias, até que finalmente descobri porque é que a minha gravura e as do Bartolozzi se pareciam.

    abraços

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  7. Prezado Luisy,

    Parabéns pelo Blog.
    Vi, com satisfação, que citou um trabalho meu.
    Mas me sinto no dever de esclarecer um ponto: Bartolozzi foi muito influente, sim, mas o grande nome da gravura portuguesa do último lustro do século XVIII foi Joaquim Carneiro da Silva. É dele a autoria, inclusive, dos desenhos que serviram de modelo para as gravuras do Missal publicado pela Typographia Régia, a partir de 1780. Alguns deles, aliás, reproduzidos acima como "estudos de Bartolozzi".
    Se quiser mais informações, entre em contato.
    Um abraço, e os melhores votos,

    Pedro Queiroz Leite.
    pedroqueirozleite@yahoo.com.br

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  8. Caro Pedro Queiroz Leite

    O seu trabalho foi muito útil. Não sou um especialista em gravura. Tento informar-me sobre as obras que compro.

    Por coincidência logo a seguir ao post em causa, coloquei um novo post sobre uma estampa de Joaquim Carneiro da Silva, que se calhar já conhecia http://velhariasdoluis.blogspot.com/2011/06/santissima-trindade-de-joaquim-carneiro.html

    Abraços

    Luís

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