sexta-feira, 24 de abril de 2020

Uma longa viagem até Coimbra

Os possíveis companheiros de viagem do meu bisavô
Aproveitei este período de confinamento para terminar a catalogação do segundo álbum de fotografias em formato carte-de-visite da família Montalvão. O primeiro álbum é mais antigo, certamente compilado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio (1846-1935) e este segundo terá sido formado pelo filho, José Maria Ferreira Montalvão (19-05-1878/24-5-1965) Embora contenha também fotografias antigas das décadas de 60 a 80 do século XIX, a maioria das 85 fotografias são constituídas por condiscípulos de Coimbra do meu bisavô e estão datadas mais ou menos entre 1900 e 1902. Desses colegas, que eram jovens promissores no início do século XX, o grosso dele estudaram Direito, tal como o meu bisavô, mas há também uns quantos de Teologia e um de Matemática. Praticamente todas essas fotografias dos tempos de Coimbra, contem sempre uma dedicatória afectuosa ao meu bisavô, que a ele o tocaram muito e a mim deram-me um jeito doido para identificar os personagens.

José Maria Ferreira Montalvão


Enquanto, procedia ao trabalho de transcrição das assinaturas, com a preciosa ajuda do motor de busca do arquivo da Universidade de Coimbra, que tem os processos dos alunos inventariados praticamente desde que a Universidade é Universidade, recordei-me de algumas histórias que o meu pai contava para nos distrair, durante as longas viagens que fazíamos de automóvel de Lisboa a Chaves ou Vinhais, na década de 70 do século XX. Na minha meninice e adolescência existiriam pouco mais de 50 km de auto-estradas em Portugal e percorrer aqueles 500 km até Trás-os-Montes era um verdadeiro suplício. Tenho a vaga ideia que no Natal demorávamos 12 horas para chegar ao nosso destino. Uma das histórias que inevitavelmente o meu pai contava, era que o seu avô empreendia aquela viagem a cavalo em direcção a Coimbra. Saia de Chaves e pelo caminho encontrava outros condiscípulos também a cavalo e iam formando uma coluna, que engrossava à medida que se aproximavam de Vila Real e estaria já completa na Régua, onde existia uma estação de caminho-de-ferro desde 1879, que assegurava uma ligação de Comboio até ao Porto.


Lembrei-me então de juntar todos os condiscípulos transmontanos do meu bisavô presentes neste álbum e fazer uma reconstituição possível dos seus companheiros de viagem a cavalo, entre Chaves e a Régua, percurso esse, que certamente demoraria muito mais do que um dia e implicando que pernoitassem pelo caminho em estalagens, albergues ou casas de famílias conhecidas.

Manuel Augusto Granjo. Fotografia J. M. dos Santos, Coimbra


Talvez o primeiro companheiro, que encontrasse logo em Chaves, fosse o Manuel Augusto Granjo, irmão do célebre António Granjo, figura emblemática da República Portuguesa. O Manuel Augusto Granjo fez o curso de Direito, entre 1893-1898, um pouco mais cedo que o meu bisavô, mas o meu antepassado estava a estudar em Coimbra desde 1885, fazendo nessa cidade o que é hoje o ensino secundário e posteriormente, o Superior. Portanto é muito plausível que tivessem sido muitas vezes companheiros de jornada.
António José do Carmo Rodrigues Sarmento


Dedicatória de António José do Carmo Rodrigues Sarmento ao meu bisavô

Logo nem Valpaços, encontrariam o António José do Carmo Rodrigues Sarmento, um jovem distinto e bonito, natural de Santa Valha e cuja família detinha o Morgadio de Santo António dos Aciprestes. Era ainda aparentado com meu bisavô. Ambos descendiam de dois casamentos ocorridos entre as duas famílias, ainda no século XVII, quando O 2º Morgado de Vila Frade, Francisco de Montalvão Coelho (1675-1739)  e a irmã Maria de Coelho de Montalvão (1666) casaram "a troco" com a Luzia Morais de Castro e o irmão, o 3º Morgado dos Aciprestes, Francisco de Morais Castro. Talvez os dois não conhecesse precisamente as raízes desse parentesco, mas eram do mesmo meio e sabiam que todas estas famílias da mesma região eram aparentadas. 


Augusto Pinto Pimentel Furtado.Fotografia de Pinho Henriques, Coimbra
Dedicatória de Augusto Pinto Pimentel Furtado, datada de 1900
Depois, já em Vila Real, juntar-se-iam ao grupo, o Augusto Pinto Pimentel Furtado, que já vinha de Favaios, Concelho de Alijo, o Agostinho José da Costa Lobo, de uma conhecida família daquela cidade e ainda um jovem, com um ar de poeta romântico, cuja fotografia não tem dedicatória ou identificação, mas que se fez fotografar por António Augusto Alves Teixeira (1877-1918) o fundador da Photografia Vila-realense.



Agostinho José da Costa Lobo de Vila Real. Fotografia J. M. dos Santos, Coimbra



Dedicatória de Agostinho José da Costa Lobo



Este jovem com ar de poeta romântico talvez fosse um dos compagnons de route do meu bisavô. Fotografia de A. Teixeira (António Augusto Alves Teixeira) da Photografia Vila-realense
Finalmente na Régua, este grupo de jovens encontraria talvez o António de Sampaio Chaves, vindo de Parambos, Carrazeda de Ansiães, quem sabe se de barco, pois na época as ligações fluviais através do rio Douro, ainda estavam muito activas.
António de Sampaio Chaves, de Carrazeda de Ansiães. Fotografia J. M. dos Santos, Coimbra

Dedicatória de António de Sampaio Chaves

Na Régua, este grupo de sete jovens, partiria de comboio até ao Porto, onde dormiriam e na manhã seguinte apanhariam um outro Comboio até Coimbra. Imagino eu que toda esta viagem duraria uns cinco dias. Aliás, segundo o meu pai, o meu bisavô só a faria duas vezes por ano, no início e no final das férias de Verão.
 
Como dizem os franceses estes compagnons de route desenvolveriam nesses dias uma intensa camaradagem e provavelmente experimentariam peripécias e aventuras engraçadíssimas, como sempre acontece quando se viaja e se é jovem. O meu bisavô estudou em Coimbra 17 anos, entre 1885 e 1902 e tinha umas recordações estupendas daquela cidade e da camaradagem que ali se vivia. O estado de conservação do seu álbum está aqui ao meu lado para prova-lo. Foi manuseado e folheado, vezes sem conta, a lombada descolou-se e as folhas de papel onde se encaixam as fotografias rasgaram-se de tantas vezes as tiraram. O meu pai conta que quando o meu bisavô viajou para Coimbra na década de 50 e viu as destruições e terraplanagens da Alta de Coimbra, a parte mais antiga da cidade, chorou amargamente, pois grande parte do cenário da sua juventude havia desaparecido para sempre, para dar lugar aos blocos da nova Cidade Universitária. Para José Maria Ferreira Montalvão, a hora da despedida definitiva de Coimbra foi amarga e sem encanto.


Demolição da Alta de Coimbra. Foto retirada de https://www.researchgate.net/figure/Figura-2-Demolicao-do-Largo-do-Castelo-actual-Praca-D-Dinis-Coimbra_fig2_322661574 e publicada por Tiago Miguel Ferreira

Nota final: com excepção da última imagem, todas estas fotografias são do arquivo da família Ferreira Montalvão e terei muito gosto em fornecer cópias digitais aos descendentes das personagens aqui retratadas.

6 comentários:

  1. Viagens de confraternização, que serviriam igualmente para apertar os laços entre os jovens estudantes. muitas destas amizades poderão ter durado a vida inteira, que sei eu.
    Com tanta viagem e tanta movimentação ao longo da minha vida de estudante não guardo qualquer memória dos meus companheiros, nem hoje seria capaz de os enumerar (nem já me lembro de quem seriam, nem nomes nem caras!). Talvez um ou dois, mas se passasse hoje ao lado deles não saberia quem eram.
    Consequência da movimentação das pessoas ao longo do tempo.
    Manel

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    1. Manel

      O meu bisavô fez esta viagem pelo menos duas vezes por ano entre 1885 e 1902. Nos primeiros anos ainda em companhia do pai e depois com outros companheiros certamente, cujas fotografias não constarão deste álbum. Este post junta as vagas recordações das histórias que o meu pai ouviu do seu avô com as personagens retratadas no seu álbum, provenientes da província de Trás-os-Montes. Foi uma maneira que encontrei de dar vida a estes retratos com cerca de 120 anos.

      Tu viajaste a vida inteira, primeiro em África, depois entre aquele continente e a metrópole e finalmente pela Europa fora. Nos finais do século XIX viajar entre Chaves e Coimbra era uma aventura. Fora disso, creio que o meu bisavô só atravessava a fronteira para ir a Verin, a localidade espanhola em frente a Chaves e quanto muito terá ido a Ourense ou Vigo, também na Galiza.

      Pessoalmente, tive vários companheiros de viagem muito curiosos. Gente com que partilhei um compartimento no comboio e que nunca mais voltei a ver. Recordo-me de um casal de judeus com os quais viajei entre Praga e Budapeste, sempre em desacordo um com o outro e que pareciam saídos de um filme do Woody Allen. Confesso que aprendi bastante com essas pessoas que estiveram ao meu lado em aviões, carros ou comboios, que me fizeram ver que para além do meu mundo, existiam outros, mais vastos e diferentes.

      Um abraço

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  2. Gostei muito de ver a fotografia do meu Bisavô Agostinho José da Costa Lobo.
    Gostaria de saber se terá mais alguma memória dele ou de algum parente.
    Obrigado
    Manuel Azevedo Graça

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    1. Caro Manuel Azevedo Graça

      Fiquei muito contente com o seu comentário, que correspondeu a um dos meus objectivos, a partilha das imagens destes álbuns fotográficos com a comunidade, pois o seu interesse ultrapassa o da mera história familiar.

      Não sei muito mais sobre o seu bisavô Agostinho José da Costa Lobo, do que aqui disse. Foi condiscípulo na Universidade de Coimbra do meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão e certamente um dos seus companheiros de viagem até aquela cidade.

      No entanto, lembro-me de ver na obra "Narciso Alves Correia: A fotografia em Vila Real na década de 1870 / Elísio Amaral Neves. Vila Real: Museu do Som e da Imagem, 2011" outro retrato de um Costa Lobo, creio eu que do seu trisavô.

      Se tiver interesse posso digitalizar essa fotografia e enviar-lhe cópia. Por favor, responda para o meu e-mail, montalvao.luis@gmail.com

      Um abraço

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  3. Caro Luís Montalvão, sou sobrinho neto do António José do Carmo Rodrigues Sarmento. Montalvões e Sarmentos dos Aciprestes de Santa Valha tem ascendentes comuns. O 2º Morgado de Vila Frade e a irmã casaram "a troco" com a irmã e o 3º Morgado dos Aciprestes no sec XVII. Assim, todos os Montalvões descendem dos Aciprestes de Santa Valha e todos os dos Aciprestes descendem de Montalvão. Se pudesse fazer o favor de me enviar a fotografia ficava muito grato! José Alexandre Sarmento

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    1. Caro José Alexandre Sarmento

      O seu comentário deixou-me muito satisfeito. Decidi ir publicando aos poucos estas fotografias dos dois velhos álbuns de fotografias, porque senti estas imagens não só diziam respeito à família Montalvão, como também à comunidade, em particular às famílias de Chaves e dos concelhos vizinhos. Encontrar aqui os descendentes destas pessoas fotografadas há cerca de 120 anos é um prazer.

      Já imaginava que o António José do Carmo Rodrigues Sarmento fosse aparentado com o meu trisavô, mas o Alexandre Sarmento estudou bem as genealogias e apresentou as provas desse parentesco preto no branco.

      Por favor escreva-me para montalvao.luis@gmail.com e eu respondo-lhe enviando fotografias com uma boa resolução de António José do Carmo Rodrigues Sarmento.

      Um abraço

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