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A minha Tia Chica (1922-2009) foi uma das estelas da festa. O jardim é o da casa das Fernandes, que actualmente pertence à minha prima Bli. |
Bem sei que um baile de máscaras para crianças ocorrido há mais de 80 anos numa terra perdida no Norte de Portugal não é notícia nenhuma, mas achei as fotografias deste evento, onde uma das irmãs da minha mãe foi uma pequena estrela, tão tocante que resolvi apresenta-las aqui.
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O grupo das crianças que foram protagonistas de uma récita no início dos anos 30. |
As fotografias vieram de dois álbuns distintos, um que pertenceu à minha Tia Chica (1922-2009) e que após a sua morte, o seu enteado teve a gentileza de entregar à família e outras encontram-se num segundo álbum fotográfico na casa de Vinhais. Ao todo são quatro imagens, que se reportam ao mesmo acontecimento e cujo número que nos dá a dimensão da importância desta pequena festa para crianças. No início dos anos 30, que é quando eu suponho que esta festa aconteceu, teria minha tia Chica uns dez anos, a fotografia ainda era cara e mesmo famílias que viviam de uma forma relativamente folgada, reservavam o uso da máquina fotográfica para ocasiões especiais. Não há dúvida que esta festa foi especial e deve ter demorado muito tempo a preparar. Tal como a minha tia Chica, há umas quantas meninas vestidas de princesas ou fadas, outras de pintainhos, outras ainda de trajes regionais e finalmente há uma pequenita mascarada de criada, que segura uma travessa com um bule e que está junta a outra, com uma fantasia de mulher velha.
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Este pintainho poderá ser a minha mãe, que teria dos os 5 ou 6 anos. Recorda-me a minha filha Maria do Carmo |
Nem sei se a minha mãe não será um dos pintainhos. A julgar pela idade da minha Tia Chica, que aparenta ter uns dez ou onze anos, este evento ocorreu cerca de 1932 ou 1933 e minha mãe, nascida em 1927, teria uns cinco ou seis anos. Enfim, a resposta a esta pergunta só poderia ser dada por uma delas, mas há muito que já partiram do mundo dos vivos.
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A minha Tia Chica e as outras meninas posam para a câmara reproduzindo o momento de uma coreografia complicada |
Creio até que esta festa foi uma pequena peça teatro, onde as crianças desempenharam diversos papéis, com rábulas e um bailado, pois a minha tia Chica e as outras meninas posam reproduzindo o momento de uma coreografia complicada.
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Os organizadores da festa |
Falei com a minha prima Bli, a actual proprietária da casa, em cujo jardim decorreu esta festa e confirmou-me que ainda nos cinquenta do século XX eram vulgar organizar estas récitas para crianças. Ela própria lembra-se na sua infância destas festinhas e com efeito, a quarta fotografia desta pequena série está reservada para os adultos, que certamente organizaram o acontecimento. As senhoras devem ter passado horas junto à máquina de costura a confecionar aqueles trajes complicados de princesas e os disfarces de pintainhos, então esses, devem ter dado um trabalho louco, com as penas cosidas ao vestido uma à uma. Nesta imagem aparece a irmã mais velha da minha tia, a Adelaide, com o seu belo perfil judaico e que era uma costureira exímia.
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A minha Tia Adelaide, com os seus dotes de costureira, certamente participou activamente na confecção das indumentárias |
Talvez o senhor padre, possivelmente o Dr. Guilhermino tenha dirigido os trabalhos e escolhido o texto, imagino que qualquer coisa alegre e divertida, mas com um fundo moral. Ao lado dele, está a Lelé Fernandes, sobrinha do Dr. Barahona Fernandes, o célebre médico psiquiatra.
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Outra das senhoras organizadoras do acontecimento infantil, a Lelé Fernandes, sobrinha do Dr. Barahona Fernandes, o célebre médico psiquiatra. |
Logo acima da minha tia Maria Adelaide, está a tia Tia Lim-Lim, a dona da casa e na ponta direita os seus irmãos, a Tia Chica, que eu ainda conheci bem e o José Clemente Fernandes, o pai da minha prima Bli. Sentado está outro dos irmãos Fernandes, o Toneco, Estes Fernandes eram uns primos próximos e que tinham uma relação muito estreita com a minha família. A Lim-Lim nunca teve filhos e a irmã, a Chica nunca casou de modo que adorariam crianças e teriam pachorra para organizar estas festas. No início dos anos 30, em Vinhais, vila perdida no extremo Norte de Trás-os-Montes não havia muitas distracções e o tempo sobrava para organizar estas récitas, ensaiar as crianças, confeccionar os trajes e ainda para preparar um lanchinho, que segundo a minha prima Bli era sempre muito abundante, conforme era e é tradição nas famílias do Norte.
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A Tia Lim-Lim era a dona da casa e a anfitriã
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Os dois irmãos da tia Lim-Lim, a Chica e o José Clemente Fernandes |
Pelo seu significado esta série de fotografias é muito tocante. As pessoas aqui retratadas num momento, onde parece que tinham a vida toda pela frente, numa vila de província onde o tempo demorava a passar, já morreram todas. Mas ficaram estas imagens, que além de um testemunho da sua existência como seres humanos, retratam a sociedade e as distracções de uma terra de província portuguesa, esquecida nas serras do Norte, no início dos anos 30.
Como sempre, fico encantada com fotografias antigas que contam histórias.
ResponderEliminarBom domingo!
Luisa
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário. Todas as fotografias tem sempre uma história, que muitas vezes o tempo apaga para sempre. Neste caso, reconstitui a história a partir de coisas dispersas, que em miúdo ouvi aqui e ali à minha mãe e as minhas tias, bem como a partir de um telefonemas que fiz a uma descendente destes Fernandes, a prima Bli, a actual proprietária da casa, em cujos jardins decorreu este evento infantil. Digamos que presumi uma história que é plausível.
Um abraço
Ótimas fotos.Abraços.
ResponderEliminarLouca Porcelana.
EliminarMuito obrigado pelo seu simpático comentário.
Um abraço
Adorei! Realmente, o pintainho faz lembrar a mãe. Não havia muitas diversões na Vinhais dessa época como continua a não haver, diga-se de passagem. Mas as famílias eram numerosas, com muitas crianças o que proporcionava um bom pretexto para organizarem estas festas que eram recordadas, certamente, durante os longos invernos do nordeste trasmontano. Mais uma vez, surge a fotografia para documentar e fazer perdurar estes momentos ternos e lembrar estas meninas que já partiram.
ResponderEliminarTeresinha
EliminarA fotografia parece ter essa arte de abolir o tempo e esta série é muito tocante e acaba por ter um valor histórico, pois documenta a vida numa vila de província no início dos anos 30. Mais, estou convencido, que no futuro, irão aparecer aqui comentadores, que vão escrever, "olhe essa princesa do lado esquerdo, ao lado da sua tia era" era minha avô e chama-se "x fulana". Essa é uma das razões porque partilho estas fotografias em público, porque são o passado de uma comunidade.
Bjos
As histórias por detrás de tantas e tantas fotografias anónimas é que as tornam interessantes.
ResponderEliminarQuantas vezes nos/me maçam com sessões de fotografias entediantes, de férias em cruzeiros de luxo, ou viagens a paraísos que nada significam, a quem nelas não participou.
Talvez seja esta uma das razões que me fazem fugir da fotografia como "o Diabo foge de Cruz", como soe dizer-se.
Das poucas vezes que me sujeitei a estas "viagens entediantes" sabia ao que ia, e antes de assistir às centenas de imagens e filmes, tinha-me proposto metalmente que iria ter muita paciência, e que iria aguentar estoicamente ... e, mercê de vontade férrea - que tenho - lá consigo aguentar a "chumabada".
Mas não é fácil conseguir esconder o bocejo que nos escapa ...
No entanto, quando as fotografias são apresentadas em doses contadas e indispensáveis, fruto de histórias que identificam e caracterizam uma época, momentos únicos gravados que servirão de informação para vindouros, torna-se então um documento que ultrapassa o significado icónico do representado, viaja pelo tempo e serve-nos um passado social e histórico em bandeja de prata.
É a forma correta de se "servir" a fotografia a gente que lhe tem fobia, como é o meu caso
Manel
Manel
EliminarHoje em dia há uma banalização da fotografia, diria mesmo uma massificação, que lhe tira aquele valor especial de captura de um momento da vida. Há pouco tempo fui a um casamento e enviaram-me por transferência electrónica, 1800 fotografias!! Claro, daqui a uns 6 ou 7 anos, os novos computadores e telemóveis já não conseguirão ler essas 1800 fotografias e tudo aquilo se perde.
Estas fotografias a preto e branco sobreviveram mais de 80 anos e estão aqui como documento vivo para traçar a história de pessoas, de uma família ou uma comunidade, bem como da sociologia de um período da história.
É curioso que este post, em dois dias teve mais de 280 visitas e eu não tenho assim tantos primos. Creio que há um encanto especial nestas fotografias antigas, que atrai as pessoas.
Um abraço
As fotos ao ar livre eram ainda nessa época eram raras, mais comuns às de interior ou de estúdios. É tão bonito essa ingenuidade das pessoas, a alegria genuína que possuíam ao participarem coletivamente de eventos festivos com temas já previstos e ensaiados, como se fosse uma peça de teatro.
ResponderEliminarImagino que esta festividade deveria consumir boa parte do ano com a compra dos materiais, escolha de temas, de roupas, a judia costureira deve ter se acabado na máquina! No dia da festa deveria estar feliz com o resultado, mas, cansadérrima.
Adorei a fantasia de velha, kkkk e a de empregada kkkk. E todas as mocinhas com as mãos na cintura, coquetes, mesmo a que está sentada? kkkkk hilário.
Acho que as fotos sendo de uma localidade afastada é por isso um documento mais rico: naquele lugar ermo também havia o seu luxo, havia motivos para se comemorar como nas cidades grandes, na capital.
No livro de Castro Maya tem várias fotos de festas de carnaval sobre um tema, o grupo de senhoritas e rapazes da alta sociedade de São Paulo se vestiam e faziam cenas de acordo com a obra escolhida de algum autor clássico.
Coisas d'antanho!
Um abraço.
Jorge
EliminarMuito obrigado pelo seu comentário.
Neste início dos anos 30, as pessoas com uma vida mais folgada já tinham máquina fotográfica, mas claro, como a revelação era ainda muito cara e as fotografias eram ainda reservadas para momentos importantes. E esta récita infantil, deve ter sido um acontecimento entre a dúzia de famílias abastadas desta vila. Situada no extremo Norte de Portugal no meio das Montanhas, Vinhais tem um clima rigoroso, com invernos longos e frios, onde muitas vezes neva e estas senhoras tiveram tempo de sobra para executarem todas aquelas fatiotas, ensaiar as crianças, reuniões para discussão do projecto e tudo isto provavelmente debaixo da batuta do Sr. Padre, porque convinha que tudo aquilo tivesse um fundo qualquer moral. Pelo Facebook um primo meu referiu-me que talvez esta récita tivesse decorrido no âmbito da obra de Santa Inês, o que explicaria porque é que só há meninas nestas fotos.
Em todo o caso, todas estas imagens são encantadoras. Como já referi aqui à minha irmã, a fotografia trem esta capacidade estranha de conseguir abolir o tempo, que passa sempre demasiado depressa, mesmo para esta gente de um vila do Norte, onde o tempo parecia não passar. Um grande abraço lisboeta
Salve Luis! Mais uma vez o tripé imagem, tempo e memória nos chama à reflexão. Obrigado por revelar com poesia e sensibilidade nossa relação com estes entes e nossa tentativa de pregar-lhes uma peça. A fotografia é uma tentativa de congelá-los e deter-lhes os efeitos. Contudo, é inútil! Ms ficam do passado estes registros agridoces numa época em que a fotografia não era esta massante e inoportuna banalização e hiper exposição exaustiva da imagem (como já referido em outros comentários), estas velhas fotos cuidadosamente montadas com poses pensadas e gestos teatrais são repletas de mistérios. O que hoje se perdeu! A perda, portanto, do mistério das coisa e nossa incapacidade de nos maravilharmos com a vida que se desenrola sob o fluxo do tempo e da memória levou-nos à uma época hedonista e niilista. Os aborrecidos selfies e a hiper exposição do cotidiano em mídias sociais é aborrecida, monótona e destituída de qualquer transcendência que estão presentes na antigas fotos. Bem! Perdão pelas divagações. Abraços d´álem mar e votos de Feliz Páscoa! Edwin J. Pinto Fickel
ResponderEliminarCaro Edwin
EliminarObrigado pelo seu comentário, cheio de considerações sensatas, com as quais concordo inteiramente.
A fotografia parece conseguir abolir o tempo, mas só aparentemente, como é óbvio. Nem tão pouco eu conheci as pessoas retratadas nestas fotografias com aquelas idades. As recordações mais antigas que tenho da minha Tia Chica são as de uma mulher já madura e as dos outros personagens, que ainda conheci vivos já estavam a entrar na terceira idade. Mas a alegria que a pequena Chica vestida de Princesa sentiu foi eternizada na fotografia e por outro lado estas imagens trouxeram-me à memória, com um pouco mais de nitidez, algumas histórias que ouvi das minhas tias sobre estes acontecimentos em casa das Fernandes. É tão curioso que há cerca de dois anos visitei esta casa, onde decorreu a festa e que felizmente está bem conservada e na posse da família e a neta do senhor alto, que segura o chapéu, falou-me, que no passado tinha existido uma cameleira no centro do jardim e que entretanto tinha morrido. Pois na fotografia dos adultos, do lado direito lá está a dita cameleira, ainda toda viçosa.
Enfim, são documentos muito tocantes, não só para a família, mas também para uma comunidade e para a história social. Aliás este post conseguiu numa semana apenas ter 375 visitantes, o que demonstra bem o interesse documental destas fotos. Claro, não são os milhões de visitantes diários das redes sociais das Kardashians, mas também o público deste blog está-se nas tintas para essas mulheres cheias de plásticas e com uma camada de maquilhagem de 3 ou 4 cm de espessura.
Peço-lhe desculpa, por não lhe retribuir os votos de boa Páscoa a tempo, mas o seu comentário exigia uma resposta um bocadinho mais elaborada, que ontem não tive tempo de fazer.
Um abraço forte deste outro lado do Atlântico
Que engraçadas que são estas fotografias. Bom dia! E boa saúde!
ResponderEliminarCara Margarida
EliminarAgradeço muito o seu comentário simpático. Recentemente vi da RTP2 um documentário francês sobre os álbuns familiares e a forma como documentavam períodos da história, embora não fosse essa a intenção original. Um grande abraço