Mais uma vez o tema deste post é o meu trisavô, o padre José Rodrigues Liberal Sampaio (29-7-1846/29-10-1935), que manteve uma relação amorosa com uma fidalga da região de Chaves, minha trisavô, Maria do Espírito Santo Ferreira Montalvão (1856-1902). Mas desta vez, irei escrever sobre a sua família, de que encontrei muitas referências em cartas. É certo, que no processo inquirição de génere de 1864-1866, consegui colher dados sobre os pais e os seus avós paternos e maternos, os primeiros de Soutelo, Chaves e os segundos de Antigo de Arcos, Sarraquinhos, Montalegre, mas tudo o resto estava muito confuso.
Em 20 de Novembro de 2018, tinha apresentado aqui no blog, uma fotografia de uma Senhora, tirada antes de 1874, que eu tomei como a mãe de Liberal Sampaio, mas estava enganado |
Em 20 de Novembro de 2018, tinha apresentado aqui no blog, uma fotografia de uma Senhora, tirada antes de 1874, que eu tomei como a mãe de Liberal Sampaio e em cujo registo de óbito era referida como viúva. Porém, quando comecei a tratar o espólio familiar fui encontrando cartas depois de 1874 com referências ao pai de Liberal Sampaio e até mesmo uma missiva deste ao seu pai, datada de 18 de Julho de 1891 anunciando-lhe a conclusão da licenciatura nos cursos de Teologia e Direito. Mais ainda, no espólio familiar, apareceu uma certidão de óbito datada de 3 de Março de 1906 de Maria José Ferreira, falecida a 13 de Janeiro de 1896, em Outeiro Seco, com 76 anos, viúva, que ficou de António Rodrigues Sampaio, lavradora. Portanto, o pai de Liberal Sampaio, o António Rodrigues Sampaio, sobreviveu à primeira mulher, casou uma segunda vez e vivia em Outeiro Seco, aldeia onde o filho era pároco. Também no mesmo espólio, consta um documento, a Distribuição da derrama em dinheiro para côngrua do pároco. Concelho de Chaves, freguesia de Outeiro Seco, 1876-1877. Neste documento estatístico, certamente coligido por Liberal Sampaio, onde constam todos os chefes de família, que contribuíam para o sustento do pároco, surge o nome do meu quarto avô, António Rodrigues Sampaio. Liberal Sampaio chegou a Outeiro Seco em 1873 e pelo menos em 1876, o seu pai já tinha deixado, o Antigo de Arcos, em Sarraquinhos e residia na mesma povoação do filho.
Distribuição da derrama em dinheiro para côngrua do pároco. Concelho de Chaves, freguesia de Outeiro Seco, 1876-1877. António Rodrigues Sampaio está assinalado com uma seta. |
No post de 20 de Novembro de 2018, em que tinha publicado um retrato, que acreditava ser a mãe, de Liberal Sampaio, uma Senhora, Rute Reimão, comentou este post, em Novembro do ano passado, informando-me que em vez da Maria Gonçalves Liberal, se tratava de Isabel Gonçalves Liberal, falecida a 11 de Setembro de 1875, em Chaves e que casou duas vezes, a primeira com José Teixeira de Magalhães e em segundas núpcias com Alexandre José Fernandes. Muito provavelmente, aquela fotografia era uma irmã da mãe de Liberal Sampaio, uma tia.
Achei que tudo isto estava uma grande confusão e que a única solução era traçar uma genealogia dos Gonçalves Liberal, de Antigo de Arcos e dos Sampaio, de Soutelo e lancei-me aos registos paroquiais, mas foi um trabalho diabólico. Estes homens e mulheres eram simples lavradores que deixaram poucos e escassos traços nos arquivos. Viviam da terra nas suas aldeias isoladas, se morriam sem deixar testamento, não se faziam processos de inventário obrigatório, também não ocuparam cargos na administração, nem tinham pleitos jurídicos com arrendatários, que fossem a tribunal. Os próprios párocos, nos registos de baptismo, casamento e óbito, lavraram os registos referentes a esta gente simples de forma apressada e por vezes até mesmo trapalhona com os nomes corrompidos ou incompletos. Ao contrário do que sucedia com as gentes da nobreza, ou titulares de cargos públicos importantes, onde os padres registavam tudo cuidadosamente, com todos os nomes e títulos, dando-se mesmo ao luxo de desenhar com algum capricho as letras maiúsculas. Ao ler os registos desta gente de algo até imaginamos o padre aos salamaleques na igreja, quando entrava o Senhor Brigadeiro ou os Pizarro, os Morais e Castro, os Campilhos ou os Montalvões para se casarem ou baptizar os seus rebentos.
Com um traço negro estão assinaladas as terras onde estas famílias residiram |
Mas, voltando assunto, depois destes trabalhos, consegui reconstituir as datas fundamentais da vida do pai de Liberal Sampaio. Nasceu a 7 de Março de 1824 na freguesia de Santa Maria de Soutelo. Casou a 6 de Novembro de 1845 em Antigo de Sarraquinhos com Maria Gonçalves Liberal. Antigo de Arcos e Soutelo, embora em concelhos distintos, são aldeias próximas e imagino que o António e a Maria se terão conhecido na festa do orago de uma das terras, ou na Feira dos Santos em Chaves. Deste casamento nasceu o meu trisavô, o José Rodrigues Liberal Sampaio, em 29-7-1846 e ainda uma irmã, Ana, em 23-03-1848. A mãe de Liberal Sampaio morreu a 13-1-1871, com 68 anos, na sua casa nº 176, Antigo de Sarraquinhos e foi identificada como lavradora. O António Rodrigues Sampaio não ficou viúvo muito tempo e casou uma segunda vez, em Outeiro Seco, a 23 de Setembro de 1874 com Maria José Ferreira, natural de Eiras, freguesia de Sta. Maria Maior, Chaves, viúva de João José Pereira. Deste casamento não houve certamente filhos pois este meu quarto avô tinha nessa data 52 anos e ela 56. É certo, que as idades apontadas nos registos paroquiais são muitas vezes aproximadas, pois esta gente nem sabia bem a idade, mas os números devem ser próximos. Este meu tetravô era alfabetizado e no registo de casamento assinou o seu nome, embora de forma pouco segura e atabalhoada. Faleceu em 27-10-1893 em Outeiro seco e a segunda mulher viveu até 1896.
A assinatura de António Rodrigues Sampaio |
Quanto à mãe de Liberal Sampaio, a Maria Gonçalves Liberal, terá nascido na primeira década do século XIX, filha de António Gonçalves Liberal e Ana Gonçalves de Lage, mas os registos de baptismo dessa época da paróquia de Sarraquinhos não estão digitalizados e não consegui determinar o ano do seu nascimento, mas por registos posteriores, consegui perceber que teve pelo menos mais três irmãos, o Manuel João Gonçalves Liberal, que se terá feito padre em 1826-02-08, conforme a inquirição de génere do Arquivo Distrital de Braga, uma Antónia Gonçalves Liberal, que casou com um tal Joaquim Marques e cuja existência descobri através do assento de baptismo de uma neta, a 18 de Janeiro de 1838, em Chaves e finalmente a Isabel, falecida a 11 de Setembro de 1875, de quem eu tenho um retrato. Não faço a menor ideia porque ordem nasceram, pois como referi, os assentos de baptismo 1768-1818 não estão digitalizados.
Mas é da última, a Isabel Gonçalves Liberal, tia do meu trisavô, de que me irei ocupar. Esta Senhora terá casado na década de 20 do século XIX, com um tal Francisco Teixeira, natural de Sarraquinhos e que era ferrador de cavalaria nº 6, um posto militar e estaria ao serviço num dos quarteis de Chaves. Este casal viveu em Chaves e teve uma prole numerosa entre 1828 e 1839, conforme se pode ver pela genealogia que ilustra este post. Umas das filhas, a Ana Maria, nascida a 28-11-1834 casou muito bem a 7 de Agosto de 1854, com tal um António Vieira Basto, negociante e curiosamente a Ana já constava com o apelido Teixeira de Magalhães, enquanto nos registos anteriores, esta gente aparece simplesmente referida como Teixeira. As testemunhas foram gente de condição, Manuel José Pereira Coelho, negociante e sua mulher Dona Rita Ferreira Montalvão, minha tia quarta avô, de outro lado da família, o da fidalguia, o que parece reforçar a ideia da ascensão social desta família. Este casamento fez-me entender porque é que na correspondência recebida por Liberal Sampaio encontro umas quantas cartas de pessoas com o apelido Vieira Basto e Magalhães Basto, que o tratam por primo.
O padrinho do pequeno António foi Francisco de Teixeira de Magalhães, doutor em medicina, irmão da mãe do baptizado e residente no Rio de Janeiro |
No assento de baptismo de um dos filhos do casal António Vieira Basto e Ana Teixeira de Magalhães, o do pequeno António, a 15-2-1866, há um dado muito interessante. O padrinho foi Francisco de Teixeira de Magalhães, doutor em medicina, irmão da mãe do baptizado e residente no Rio de Janeiro. Ora, eu tenho um retrato deste senhor da Fotografia Alemã, Henschel & Benque, do Rio de Janeiro, tirada entre 1870 e 1877, num dos álbuns carte-de-visite da família e que sempre me fez imensa confusão pois não conseguia perceber qual teria sido a sua ligação com a família Montalvão ou com Liberal Sampaio. Sabia que era provavelmente médico, porque é a única personagem identificada com o título de Dr., apesar de esse álbum estar cheio de retratos de condiscípulos do meu trisavô, licenciados em Coimbra. Creio que na altura o Dr. ainda estava só reservado aos médicos. Portanto, este Dr. Francisco Teixeira de Magalhães, nascido a 19-10-1828 em Chaves era primo direito do Liberal Sampaio e filho da Isabel Gonçalves Liberal.
Médico no Rio de Janeiro, o Dr. Francisco Magalhães era primo direito do meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio |
Bem sei que este levantamento genealógico é um sempre um bocadinho fastidioso para quem o está ler do outro lado do monitor, mas quem como eu está a tratar um espólio familiar, que incluí cartas, recortes de jornais, documentos notariais e fotografias, este estudo permite-me entender melhor quem foram os autores daquelas cartas, que relações mantiveram entre si e a ainda consegui através dele resgatar dois velhos retratos do esquecimento, mas sobretudo ajuda-me a compreender melhor Liberal Sampaio, esse antepassado, que a minha avó Mimi e o meu pai, me ensinaram a admirar desde muito cedo e é também a minha forma de continuar ligado a eles, que iniciaram o tratamento deste espólio.
A genealogia de Liberal Sampaio |
Boas relativamente ao segundo casamento do Antonio Rodrigues Sampaio, em Outeiro Seco com Maria José Ferreira (mais conhecida pela Cuca), existe uma historia que pouca gente de Outeiro Seco conhece. Foi um casamento de conveniência.
ResponderEliminarE que levou que as relações entre Padre Liberal Sampaio, e o Abade do Rio a serem péssimas.
Muito obrigado pelo seu comentário, que acrescentou informação a esta história. Aquilo que eu sei deste tempo é por via do meu pai, ou como neste post, através de velhos documentos. Falta-me a memória das pessoas que nasceram ou foram criadas em Outeiro Seco. Estou em Lisboa e a minha ligação a Outeiro Seco, a Chaves ou a Vinhais é sempre um pouco romântica e idealizada. Mas, estarei atento para ver se nas cartas que ando a inventariar se refere uma Cuca. Por vezes, quando se está ler estas velhas cartas, os diminutivos são mais difíceis de decifrar, porque não fazem sentido.
EliminarUm abraço e mais uma vez obrigado
Foi uma grande trapalhada esta pesquisa, mas parece que tens um princípio razoável para trabalhar.
ResponderEliminarMas reconheço que não foi nada fácil chegar até aqui, pois fui acompanhando o percurso que fizeste.
Ler documentos com 150 a 200 anos, não é tarefa fácil, sobretudo quando as pessoas que os escreveram nem sempre o fizeram de forma rigorosa e correta. No entanto, mesmo atrapalhados, devo confessar que se não existissem estes registos feitos pelos agentes da igreja católica nas localidades de todo o país, a situação seria absolutamente impossível de deslindar. Foi um trabalho notável feito pela igreja católica ao longo de séculos. Antes de ver esta tua pesquisa não me dava conta da importância deste trabalho feito essencialmente pelos párocos.
Ainda bem que tiveste já este comentário. Que bom, e é mais um dado importante para a pesquisa que tens conduzido, e continuas, a levar a efeito.
Parabéns pelo trabalho e pelas muitas dezenas de horas que levaste a pesquisar documentos
Manel
Manel
EliminarFoi uma trabalheira louca, mas necessária, para me permitir perceber personagens mencionadas nas cartas, bem como a identificação de pessoas que escrevem ao meu trisavô, tratando-o por primo. Foi uma genealogia difícil de traçar. Idealmente, uma genealogia começa-se por uma personagem, descobrem-se os pais e avós e vai-se recuando cada vez mais para trás. Neste caso, como não encontrava quase dados nenhuns, foi reconstituindo a família, através de registos de netos, sobrinhos, tios, atacando por todos os lados dos ramos da árvore, até conseguir montar uma coisa mais sólida.
Foi um trabalho complicado, pois os padres registavam estas pessoas muitas vezes de forma trapalhona. Num dos assentos, a família foi identificada por Liberato. Também As idades de falecimento eram também incorrectas. Por exemplo, um homem que se diz ter falecido em 1890 com 78 anos, quando se vai ao livro de baptismos de 1812, não se encontra nada, pois afinal o individuo, nasceu em 1814. Mas apesar dessas trapalhices, não há dúvida que estes arquivos paroquiais foram uma acção notável da Igreja. A Igreja Católica sempre teve uma capacidade de organização administrativa enorme, que herdou do império romano.
Também ficou muito por contar. Um dos fios desta história é este Dr. Teixeira de Magalhães, que se terá formado em medicina, no Rio de Janeiro, pois não encontro registo dele na Universidade de Coimbra. Um dia, quando tiver tempo, irei procurar no livro de registo de passaportes, as datas da sua saída para o Brasil.
Enfim, isto é um trabalho sem fim.
Muito obrigado e um abraço