Apesar de terem passados 40 anos, tenho bem presente na memória o pátio interior Solar de Outeiro Seco. Mesmo sendo um miúdo aquele espaço revestido a granito, com as cantarias trabalhadas impressionou-me muitíssimo, talvez por ser muito diferente das construções banais em betão, da Benfica dos anos 60 e 70 em que fui criado.
Em idade madura, já com a casa em ruínas, entrei várias vezes no meio das ruínas em que se tornou o Solar, na esperança de voltar vislumbrar o pátio interior, de que tinha gostado tanto em miúdo. Mas, aquele espaço tornou-se um matagal denso, pejado de traves velhas caídas e silvedos e nunca consegui ver ali resquícios daquela beleza severa, que eu tinha ainda presente na memória.
Há cerca de umas semanas, passando no computador o DVD com os dois filmes do Solar dos Montalvões, feitos pelo meu pai na década de 60, consegui capturar uma série de fotografias do pátio e reapareceram as imagens da minha infância, sem nitidez é certo, mas com suficientemente clareza para me emocionarem. O filme é demasiado rápido para apreciarmos pormenores
Nestas imagens é bem visível a escadaria em granito decorada com as volutas barrocas tão típicas dos solares portugueses e o patamar final, onde se vê o local onde partiria uma segunda escadaria, que esteve projectada para dar serventia ao andar nobre do Solar. É também possível ver a porta emoldurada com um belo trabalho barroco de cantaria, onde essas escadas desembocariam. Na planta da casa assinalei a tracejado esta escada projectada.
Do lado oposto, a esta escadaria existia uma varanda em madeira, típica de todas as casas transmontanas, fossem elas pobres os ricas.
Consegui também extrair uma fotografia do passadiço pela qual se acedia ao pátio de honra da casa, quando se chegava pela entrada principal da casa. Na porta que dava para a rua, esteve em tempos colocada uma aldraba, que dava direito de asilo, a quem se agarrasse a ela. As pessoas mais velhas que o meu pai e a minha avó conheceram ainda se recordavam de ouvir falar de um senhor idoso, que vivia na casa e que na sua juventude se tinha se tinha acolhido no solar, refugiado da justiça.
O Solar e a propriedade constituiriam provavelmente aquilo que se designava no Antigo regime por Honra, isto é, um domínio em que as funções administrativas, judiciais e financeiras estavam nas mãos de um Senhor. Nas honras, os funcionários régios não podiam penetrar e o Senhor podia administrar a justiça, com excepção das penas capitais.
Esses direitos feudais, que no século XVIII já estavam quase em extinção, terminaram definitivamente em 1834, com a legislação de Mouzinho da Silveira e este Senhor, que referimos há pouco, terá chegado ao Solar pouco antes dessa data e terá aí vivido durante o século XIX, talvez até 1860 ou 1870, numa época em que a situação dele já era anormal. Assim o creio, porque se a existência dum foragido à justiça correspondesse a prática corriqueira, ninguém teria guardado memória dessa ocorrência
O meu pai lembra-se bem dessa aldraba, que seria uma peça bonita, com a forma de um leão (talvez um mascarão) e no tempo do dele, já estaria colocada no "museu", que existia na casa.
Em idade madura, já com a casa em ruínas, entrei várias vezes no meio das ruínas em que se tornou o Solar, na esperança de voltar vislumbrar o pátio interior, de que tinha gostado tanto em miúdo. Mas, aquele espaço tornou-se um matagal denso, pejado de traves velhas caídas e silvedos e nunca consegui ver ali resquícios daquela beleza severa, que eu tinha ainda presente na memória.
Há cerca de umas semanas, passando no computador o DVD com os dois filmes do Solar dos Montalvões, feitos pelo meu pai na década de 60, consegui capturar uma série de fotografias do pátio e reapareceram as imagens da minha infância, sem nitidez é certo, mas com suficientemente clareza para me emocionarem. O filme é demasiado rápido para apreciarmos pormenores
Nestas imagens é bem visível a escadaria em granito decorada com as volutas barrocas tão típicas dos solares portugueses e o patamar final, onde se vê o local onde partiria uma segunda escadaria, que esteve projectada para dar serventia ao andar nobre do Solar. É também possível ver a porta emoldurada com um belo trabalho barroco de cantaria, onde essas escadas desembocariam. Na planta da casa assinalei a tracejado esta escada projectada.
Nos arquivos que o meu pai salvou do esquecimento encontrei esta fotografia do meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão (1878-1965) com o traje de caça, num certo ar de marialva, mas que permite ver os restos de cantaria existentes no pátio, destinados à construção da escadaria. Na imagem, talvez datada dos primeiros anos do Século XX, vê-se uma porta emparedada, que teria dado acesso à capela. Se estava planeada uma saída da capela para o pátio, então a dupla escadaria é uma alteração no plano original. Certamente que quando ergueram a fachada poente do solar esteve prevista uma escada de acesso ao primeiro piso num sítio diferente. O meu amigo Manel, que é arquitecto e tem uma boa sensibilidade para estas questões, acredita que a escadaria esteve projectada para a zona onde é o passadiço. Pessoalmente discordo, pois se houvesse ali um sistema de escadas, os cavalos não poderiam entrar e sair no pátio. Recordo que as cavalarias estavam em lojas em redor do pátio. Enfim, haverá ainda muita coisa por esclarecer
Do lado oposto, a esta escadaria existia uma varanda em madeira, típica de todas as casas transmontanas, fossem elas pobres os ricas.
Consegui também extrair uma fotografia do passadiço pela qual se acedia ao pátio de honra da casa, quando se chegava pela entrada principal da casa. Na porta que dava para a rua, esteve em tempos colocada uma aldraba, que dava direito de asilo, a quem se agarrasse a ela. As pessoas mais velhas que o meu pai e a minha avó conheceram ainda se recordavam de ouvir falar de um senhor idoso, que vivia na casa e que na sua juventude se tinha se tinha acolhido no solar, refugiado da justiça.
O Solar e a propriedade constituiriam provavelmente aquilo que se designava no Antigo regime por Honra, isto é, um domínio em que as funções administrativas, judiciais e financeiras estavam nas mãos de um Senhor. Nas honras, os funcionários régios não podiam penetrar e o Senhor podia administrar a justiça, com excepção das penas capitais.
Esses direitos feudais, que no século XVIII já estavam quase em extinção, terminaram definitivamente em 1834, com a legislação de Mouzinho da Silveira e este Senhor, que referimos há pouco, terá chegado ao Solar pouco antes dessa data e terá aí vivido durante o século XIX, talvez até 1860 ou 1870, numa época em que a situação dele já era anormal. Assim o creio, porque se a existência dum foragido à justiça correspondesse a prática corriqueira, ninguém teria guardado memória dessa ocorrência
O meu pai lembra-se bem dessa aldraba, que seria uma peça bonita, com a forma de um leão (talvez um mascarão) e no tempo do dele, já estaria colocada no "museu", que existia na casa.
Pois, quando desenhei a escada ainda não tinha dado conta, o que aconteceu posteriormente após a visualização do dito filme, que uma das partes do patamar inferior terminava em linha recta e não curva, como me tinha parecido na altura em que lá fui ver a construção.
ResponderEliminarApós a visualização do filme percebi a forma correcta deste patamar e decidi que iria modificar a planta de acordo, mas o tempo passou, cheguei mesmo a fazer algumas alterações, sobretudo na disposição, forma e dimensão das janelas que dão para este pátio, mas esta ... esqueci-me.
Vamos ver se é desta que não me esqueço de alterar, até que, maniento e "bizantino" (como me chamava a minha professora de História da Arte, Maria Calado) não gosto de deixar estas coisas ao acaso.
Manel
E eu que estava cheio de vontade alterasses a planta do pátio interior, mas não tinha lata de te o pedir. Ainda bem que és tão bizantino…
ResponderEliminarOlá!Gostei muito do teu blog Luis;)
ResponderEliminarSabes me informar de quem é o Solar hoje em dia?
Abraço
Olá!Gostei muito do teu blog Luis, sabes me dizer quem são os actuais proprietários do solar?
ResponderEliminarAbraço
Caro Tenente RR
ResponderEliminarObrigado pelo teu comentário. O Solar dos Montalvões pertence actualmente à Câmara Municipal de Chaves.
Abraço e aparece sempre
Haja saúde!
ResponderEliminarPena ouvir a noticia, e eu que já estava a namorar o solar, gostaria de um dia possuir um solar neste estilo. É que este solar preenche mesmo o meu imaginario que possuia de uma casa solarenga e senhorial...Adoro a sua fachada e o pormenor do patio interior e sua escadaria em pedra lavrada...Este país é grande, ainda encontro outro solar pelo qual me apaixone;)
Abraço de mar
Caro tenente RR
ResponderEliminarO que não faltam neste país são velhos solares em ruínas. Até há sites só com património em ruínas. Mesmo a Câmara Municipal de Chaves, estou certo, que agradeceria aos céus se arranjasse alguém para descalçar o sapato, que é esta velha casa em ruínas.
Este foi um solar rústico, mas a solidez do granito e as velhas histórias de família, que o povoam dão-lhe uma dignidade e uma beleza fantásticas.
O teu tipo de escrita parece-me familiar
Abraço
Haja saúde!
ResponderEliminarAchas então que a recuperação do solar é muito dificil?Ainda chegaste a viver lá?
Achas o meu tipo de escrita familiar? Isso é engraçado;)lol
Abraço de mar
O meu pai passou lá a infância. Eu limitei-me a algumas férias na meninice.
ResponderEliminarA casa vai caindo mais um pouco de inverno para Inverno. Se vires anterior posts sobre o assunto poderás ver imagens mais eloquentes sobre a ruína em que está o Solar.
Mas se houver vontade para recuperar...
O Mar lembra-me o Nemo, mas será certamente um equívoco, que talvez não valha a pena desfazer
Ola LuisY tudo bem? Sou estudante do 5 ano arquitectura da Universidade Lusíada do Porto. Este ano o nosso terreno é Chaves e Montalegre,decidi que o meu trabalho de projecto e tese irá incidir no Solar dos Montalvões..
ResponderEliminarJá algumas semanas iniciei a pesquisa, deparei me com este blog que ajudou- me a perceber parte da historia e das funções do Solar.
Queria pedir lhe se poderia enviar me algumas fotos antigas e toda a informação que tenha disponível acerca do Solar. Obrigado e cumprimentos de freitasofia@hotmail.com
Olhe que já outros dois colegas seus de arquitectura da mesma faculdade fizeram o mesmo pedido. O meu e-mail está no profil
ResponderEliminarAbraços