O Manel concordou em mostrar no blog esta sua Cafeteira em faiança de Viana, datada dos finais do século XVIII, princípios do século XIX, que é um óptimo pretexto para arrumar um pouco mais as ideias sobre as fábricas de cerâmica daquele período.
Tudo começa com o Marquês de Pombal, quem em 1770, faz publicar um Alvará régio, que estabelece barreiras alfandegárias às importações de cerâmica do estrangeiro, excepto porcelana chinesa trazida em barcos portugueses. Esta medida favorece a eclosão ou o desenvolvimento de uma série de manufacturas de cerâmica, como Miragaia, Massarelos, Juncal, Viana, Rato, Estremoz, Sto António de Vale da Piedade e etc. Esta medida Pombalina isenta de direitos as exportações portuguesas e as fábricas nacionais conseguem bons mercados no Brasil, conforme referi em posts anteriores.
A fábrica de Viana, ou melhor de Darque está neste grupo de manufacturas que beneficiaram deste diploma legal de Pombal. Foi fundada em 1774 e a sua produção divide-se em três períodos:
1º Período de 1774 até 1790-1795, a produção apresenta uma grande influência da Louça de Ruão
Considerada a época de ouro, o 2º Período, entre 1790 a 1820, foi muito produtivo. Dos fornos da fábrica saiu uma grande variedade de peças, com uma decoração relativamente original face à restante produção portuguesa, caracterizada por motivos florais alegres e um esmalte impecável.
A Cafeteira do Manel data desta época, 1790 a 1820, em que na fábrica de Darque experimentaram o uso de esmaltes coloridos, como o amarelo, o verde e este azul safra.
O Artur Sandão na sua obra a Faiança portuguesa, reproduziu um serviço de chá de Viana exactamente com a decoração desta cafeteira. Dir-se-ia quase que falta a cafeteira do Manel na fotografia do serviço.
Marca característica do 2º período de Viana |
O Artur Sandão na sua obra a Faiança portuguesa, reproduziu um serviço de chá de Viana exactamente com a decoração desta cafeteira. Dir-se-ia quase que falta a cafeteira do Manel na fotografia do serviço.
Apesar de original, Viana não era insensível às modas e este azul safra parece ter sido apreciado nas fábricas nortenhas. Miragaia usou muito este tom de azul. Descobri também no catálogo da Exposição: Fabrica de Louça de Massarelos- Lisboa: IPM, 1998, que na mesma época, Massarelos também fez louça em azul safra, conforme se pode ver no exemplar do Museu Nacional de Arte Antiga, mostrado em baixo.
Prato Miragaia do Museu Nacional de Soares dos Reis, inv 48 cer |
Bilha do Museu Nacional de Arte Antiga, inv 2450 |
O 3º Período vai de 1820 a 1855, ano em que a fábrica fecha as portas. A produção é estampilhada para concorrer com a faiança inglesa.
Precisamente em meados do século XIX fecham muitas das fábricas que floresceram no período pombalino. Terá sido porque as fronteiras abriram-se à entrada em massa da faiança inglesa, de muito boa qualidade e bonita ou talvez porque a Vista Alegre começou a fabricar porcelana mais acessível, o que é certo, é que destas antigas fábricas, só Massarelos parece ter sido a única a sobreviver aos novos tempos.
Quem quiser saber mais poderá consultar o livrinho Exposição de cerâmica das fábricas do distrito: duzentos anos de labor artístico. – Câmara Municipal de Viana do Castelo, 1970 ou ir ao Museu Municipal de Viana do Castelo
Esta peça atrai-me por várias razões, uma delas pela forma da asa, o cuidado posto na sua decoração escultórica, depois pela pintura da banda que remata o bocal, uma grinalda dupla bicolor, executada com a maior elegância, digna de qualquer peça executada seja lá onde for e, finalmente, pela transparência dos brancos sobre o fundo azul safra (o qual é mais aparente no prato que apresentas do MNAA, que me deixa estarrecido com tamanha beleza - agradeço-te o nos teres trazido tal peça).
ResponderEliminarAliás, pela análise da decoração desta cafeteira, chego à conclusão que é necessária muita mestria para dominar o uso destas duas cores, o azul e o verde, demasiado próximas no espectro para que a sua proximidade dê azo a grandes harmonias.
Todo o segredo reside no domínio que o artista possui no uso das tonalidades.
As pinceladas são fluidas, feitas por mão experiente, que as executa de uma só vez; os traços fluem, interpenetram-se com o objectivo de sairem do abstracto e tornarem-se significantes (lembro-me sempre de Miguel Ângelo, que afirmava que tudo já se encontrava no bloco de mármore, era só necessária desbastá-lo por forma a permitir que os outros o vissem tal como ele o via).
Assim é o acto da criação, as coisas sempre lá estiveram, nada aparece do nada, antes se trata de uma transformação e re-arranjo, fruto de uma diferente combinação dos elementos pré-existentes - o acto criativo sempre me fascinou pela magia que se opera, parece algo alquímico, como se transmutação se tratasse.
Se "pedra filosofal" existe, é aqui mesmo que ela reside, no acto da criação.
Talvez fosse útil adicionar a foto com a marca, no tardoz
Manel
Tens toda a razão. Esqueci-me da marca. Já a adicionei
ResponderEliminarParabéns ao Manel pela bela peça, e grato por nos permitir admirá-la. Parabéns ao Luis por mais uma vez criar um post tão didático e interessante, e me proporcionar tão rico aprendizado.
ResponderEliminarA píntura da peça é de extrema beleza, sem contar o detalhe em relevo moldado da alça! Que lindo! Começo o dia mais rico e mais feliz após este post. Obrigado amigos!
abs
Fábio
Olá Luís!
ResponderEliminarJá cá tinha vindo ver a cafeteira do Manel, mas sem tempo para deixar comentário. Só venho ao computador de fugida, ando há dias para terminar um novo post no meu blogue e ainda não consegui!!!
Esta cafeteira da Fábrica de Darque é uma peça maravilhosa da nossa faiança antiga!
Gosto particularmente destas peças com bico, cafeteiras ou bules, porq acho uma graça este contraste entre a delicadeza do bico e a pasta grossa da faiança. O pormenor em relevo da asa também lhe dá muito encanto.
Já conhecia o serviço em azul safra do livro de Arthur de Sandão e esta cafeteira é realmente uma peça da mesma linha de fabrico.
Todo o post está mais uma vez muito bem elaborado e cheio de informação relevante. Nem faltou o link para o Museu Municipal de Viana do Castelo q tem uma das melhores colecções de faiança portuguesa, sobretudo a azul e branca. Já lá fui duas vezes, mas tenho pena q não tenham toda a colecção online.
Muito obrigada aos dois por nos terem proporcionado a visualização da peça.
Abraços
Obrigado Fábio
ResponderEliminarVocê é sempre uma simpatia!
Abraço
Luís
Maria Andrade
ResponderEliminarObrigado pelas suas palavras. Tento ser sempre didáctico e transmitir uma informação ou contar uma história, através das peças apresentadas.
Vou muitas vezes ao site do Museu Municipal de
Viana na esperança que tenham acrescentado mais umas peças. Já que não têm dinheiro, aliás, ninguém já o tem, o museu bem que podia abrir um blog e mostrar mais as suas colecções e prestar um melhor serviço à comunidade.
Últimamente tenho visto alguns museus municipais abrirem blogs e alguns deles são muito interessantes.
Abraços