Gosto de ser um turista na minha própria cidade e meter-me por ruelas e becos que não conheço. Há uns dias, depois de sair do emprego, enveredei por uma ruazinha entre a Embaixada do Luxemburgo e o antigo Instituto José de Figueiredo e subitamente vi-me numa azinhaga rodeada de altos muros, com o reboco a cair, atravessada por arcos e senti-me transportado ao uma Lisboa do Século XVIII, ainda meia rural, com reminiscências óbvias de um passado islâmico.
É um daqueles sítios, cheios de tristeza, porque estão abandonados e sujos e provavelmente só ainda não foi destruído, porque estará na zona de protecção do Museu Nacional de Arte Antiga. No entanto esta sensação de abandono não está isenta de uma certa poesia. Se a rua estivesse recuperada e cheia de restaurantes para turistas e lojas de designers talvez não provocasse uma impressão tão forte.
Pelo que li este tipo de arquitectura em terraços, que vemos nestas fotografias, é muito característica do urbanismo daquela zona da cidade, o antigo bairro do Mocambo. Como há um declive muito grande entre a colina e a área ribeirinha, foi-se construindo em terraços e socalcos e o resultado acabou por tornar-se muito interessante esteticamente.
Num passado remoto, este Mocambo era um bairro fora de portas onde viviam os negros de Lisboa e os autores dividem-se quanto às origens do nome. Uns dizem que a palavra derivou de um termo africano, para designar um povoamento de negros refugiados na floresta, com uma raiz próxima do termo Quilombo, usado no Brasil. Outros afirmam que é um nome árabe, que etimologicamente quer dizer lugar sagrado.
O nome Mocambo desapareceu da terminologia oficial logo no início do Século XIX, mas, quando desci travessa que se dá pelo simples nome de José, lembrei-me desses negros que aqui viveram. Talvez José fosse um velho escravo que ainda sabia a antiga língua do país natal e que prometia aos companheiros da mesma condição o regresso a África.
Que recanto incrível! Cheio de uma atmosfera de viagem no tempo e fantasmas. Se visto numa noite fria e úmida, deve até dar arrepios!!
ResponderEliminarMocambo, ou mais usualmente aqui no Brasil, mucambo, realmente tem uma certa relação com o termo quilombo, mas tem mais a ver com as habitações em si, enquanto quilombo é o local como um todo onde se refugiavam os escravos fugidos.
Um sinônimo é palhoça. Ambos os termos, mucambo e palhoça, eram usados não apenas para as construções de taipa ou palha dos escravos fugidos, mas também dos indígenas.
Há o livro "Sobrados e Mucambos" de Gilberto Freyre, de 1936, sobre a decadência das fortunas rurais brasileiras no século XIX. O título é uma referência aos antigos aristocratas, que com a declínio do regime escravocrata brasileiro, tiveram que se mudar da casa-grande para sobrados em áreas urbanas. Da mesma forma, os ex-escravos também deixaram as senzalas para morar em casebres em bairros pobres de áreas urbanas.
abraços
Fábio
Esqueci de acrescentar: eu me lembro que quando eu era mais jovem (ai, ai... quanto tempo atrás foi isso!!!) ouvir "mucambo" ser usado também de forma depreciativa, como sinônimo de pessoa pobre que fazia pequenos trabalhos em troca de alguns trocados; o conhecido "biscateiro" (existe este termo em Portugual?)
ResponderEliminarabraços
Caro Fábio
ResponderEliminarMuito obrigado pelo seu comentário pertinente. Provavelmente terá toda a razão. O termo mocambo designará as habitações de africanos e acabou por designar um aglomerado populacional, onde existiam muitos mocambos. Na época, em que este bairro se criou ainda persistiria proibição dos nãos cristãos ou não portugueses de gema residirem dentro das muralhas da cidade, embora muitos escravos vivessem certamente com os seus senhores dentro de portas. Judeus, mouros e pretos tinham um estatuto inferior na sociedade e deveriam viver e morrer apartados da restante população.
Não muito longe deste sítio que fotografei existe a Calçada do Poço dos Negros, cujo nome é a reminiscência da antiga vala comum onde se enterravam os africanos, à entrada de uma das portas da muralha, que envolvia Lisboa.
São estas histórias que emprestam um significado especial a cada uma das ruas da Lisboa antiga.
Abraços
Biscateiro continua a usar-se por aqui com frequência, para designar pequenos trabalhos sem importância, os biscates
ResponderEliminarAgora ando sempre atrasada nos comentários, o Luís está a fazer postagens a um ritmo alucinante!
ResponderEliminarTambém gosto de me meter assim por vielas antigas, pisar o mesmo chão q outra gente pisou séculos antes, imaginar a vida q se fazia ali... Gostei de ver aquelas pedras e aqueles arcos e também de conhecer esses termos q o Fábio ajudou a esclarecer, ligados à vida dos escravos, q é uma realidade q nos esteve póxima mas bem pouco conhecida por cá.
Quando estive em Ouro Preto visitei um espaço musealizado de uma antiga senzala, algo q desconhecia ter existido nas cidades, nas caves dos edifícios dos senhores; até aí pensava q só existiam nas grandes propriedades rurais, para trabalho escravo no campo.
É engraçado q sempre fui muito a esta zona de Lisboa, mas não imaginava um sítio destes por ali. O meu filho viveu em Santos, nos primeiros anos em q esteve no Técnico (mais exactamente na 24 de Julho, no prédio por cima do Kremlin e da Kapital!!!), por isso ia lá de vez em quando, e depois há aquela grande atracção para mim q é o Museu Nacional de Arte Antiga. São poucas as vezes em q vou a Lisboa e não tenho uma "visita" para lá ir fazer :)
Por mim pode continuar a mostrar estes belos recantos meio degradados de Lisboa, mas com um encanto eterno, enquanto durem...
Abraços
Este beco ou rua, pois tenho uso dela para fugir ao trânsito da 24 de Julho para a Rua das Janelas Verdes - cuidado não estraguem as peredes com o carro - tem para mim uma outra informação, pois os edícios mais antigos no final da Rua segundo consta foram cadeias do tempo do Marqês de Pombal, daí estarem algo "protegidas" as construções.
ResponderEliminarAbraço amizade.
Maria Andrade
ResponderEliminarO urbanismo de Lisboa presta-se à existência de becos, ruelas, largos e escadinhas que permanecem escondidos das ruas principais. Senti a mesma impressão em Córdova. È consequência de ser uma cidade muito antiga, da tradição islâmica e ainda do relevo acidentado. O entanto desta cidade é este
Abraços
Carlos Caria
ResponderEliminarObrigado pela informação. Tentarei fazer uma pesquisa sobre essas antigas cadeias.
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Abraços