Era um velho candeeiro a petróleo que tinha sido modernizado algures no tempo. Foi pintado de um tom creme meio parvo, tiraram-lhe toda a parte superior, isto é, o mecanismo onde encaixava o pavio e o balão e meteram-lhe gesso para encaixar o casquilho eléctrico. Estava um lixo, mas vi nele uma possibilidade de fazer qualquer coisa engraçada.
A tinta foi toda raspada, mas como é feito em dois materiais, lata e ferro, ficou com dois tons muito diferentes. Então, o Manel como é um mestre nestas artes, deu-lhe um polimento com uma cera, que uniformizou o tom dos materiais e uma patine agradável.
Comprei-lhe um abat-jour vermelho na Rua de S. Domingos, onde há duas das melhores casas de Lisboa de candeeiros e acessórios e depois dirigi-me à Rua da Conceição, para lhe arranjar uma passamanaria adequada. O Manel costuma dizer que se não existir na Rua da Conceição o artigo de passamanaria que desejamos, então só mesmo em Paris, de tal forma é aquela rua bem abastecida. De facto, é curioso como naquele arruamento da Baixa sobreviveu a organização corporativa medieval, em que os comerciantes ou artificies do mesmo ofício se concentravam todos na mesma artéria., Mesmo nos dias de hoje, em que o comércio da baixa Lisboeta está todo a fechar, as retrosarias da Rua da Conceição resistem corajosamente, a vender os seus botões, galões, franjas, missangas e lantejoulas. A freguesia também é do mais curioso que há. Por lá se encontram velhas senhoras, que ainda mandam fazer roupa á modista, estilistas e estudantes de moda com ar destrambelhado, tias decoradoras de interiores, figurinistas, que se abastecem para fazer roupas para as marchas dos santos populares e claro, muito turistas e os amantes das velharias como eu ou Manel.
A entrada para o criptopórtico romano |
A Rua da Conceição não é só curiosa pelas suas lojas cheias de pequenas miudezas de seda. Por debaixo do solo, existem uma série de galerias subterrâneas, quase sempre inundadas, que só abrem umas quantas vezes por ano. São conhecidas como as termas romanas pelo grande público, mas na realidade são as estruturas de edifícios comerciais romanos há muito tombados. Como o terreno era instável e alagadiço os romanos construíram uma plataforma nivelada, sobre a qual foram erguidos diversos edifícios. Esta estrutura é designada pelos estudiosos da antiguidade clássica, como criptopórtico.
O interior do criptpórtico |
Mas voltando à superfície da Rua da Conceição, comprei numa das retrosarias este galão dourado com as borlas ou pincéis, que depois de aplicado, emprestou ao candeeiro um certo ar do decadente estilo Napoleão III, que eu adoro nos candeeiros.
Foi a prenda de anos para a minha sobrinha mais velha, que agora é também minha seguidora neste blog.
Olá Luís
ResponderEliminarMas que grande volta levou o candeeiro! E que bonito que ficou!!
O abat-jour vermelho e as borlas douradas, contrastam agradavelmente com a cor do metal dando-lhe um toque de glamour.
Fico satisfeita por saber que em Lisboa ainda há comércio tradicional, que resiste.
Hoje, fazer compras no centro das cidades,é, na maioria das vezes uma tristeza.Zaras, Mangos e companhia imperam, estejamos nós a norte ou a sul, dentro ou fora do país.
Aqui em Braga,as boas casas comerciais fecharam.Resistem duas ou três,mas estou convencida que por pouco tempo.
Um abraço
Maria Paula
Cara Maria Paula
ResponderEliminarÉ verdade. Nem sei como as retrosarias da Rua da conceição resistem. São quase uma duzia e toda juntas no mesmo sítio.
No resto da Baixa Lisboeta, as antigas casas especializadas vão fechando aos poucos. Lembra-se da casa de candeeiros da "lá na Rua da Vitória, 46, 48"? Já fechou claro!
Mas as retrosarias aguentam-se. Tem de facto coisas muito boas e já aprendi que com aqueles produtos podem-se transformar radicalmente cortinados, alfomadas ou candeeiros e dar-lhe um toque sumptuoso
Abraços
Olá Luís
ResponderEliminar"Lá na Rua da Vitória, 46 - 48
Quem lá vai é bem servido
E sai sempre bem disposto."
Como dá para perceber, a minha idade mais avançada permite recordar mais alguma coisa...
Realmente a Rua da Conceição é um prazer para os olhos e para a alma... apetece entrar em todas as lojas e sentir, apreciar, gozar todas aquelas pequenas maravilhas que estão expostas.
Dá vontade de trazer tudo connosco:fitas, laços, aplicações, um mundo de beleza que, um dia destes, também desaparece.
if
Que belo trabalho fizeram na recuperação deste candeeiro, Luís!
ResponderEliminarFicou uma peça bonita, útil e decorativa, e uma prenda muito original. Dará certamente um toque de requinte a qualquer ambiente.
Entrar numa retrosaria da Rua da Conceição deve ser como entrar num mundo mágico, pelo q se vê nas montras, porq só lá tenho passado aos fins de semana… São fitas, rendas, botões, fivelas, um nunca acabar de pequenas coisas q com gosto, paciência e habilidade conseguem fazer milagres.
Estas lojinhas têm vindo a desaparecer de muitas vilas e cidades, mas felizmente q aí ainda se mantêm e permitem pôr mãos à obra com resultados como este.
Um abraço
Olá Luís
ResponderEliminarAdorei a recuperação que fez ao candeeiro a petróleo agora electrificado.Assim deste tamanho nunca tinha visto nenhum, só maiores. Já era um candeeiro de casa abastada. Nas mais pobres só existiam os de vidro, tenho vários, o 1º adquiri na feira da ladra há coisa de 30 anos em vidro azul e depósito em lata, o meu preferido.
Já conhecia o seu bom gosto. Adorei reviver a Rua da Conceição num tempo que trabalhava na Rua do Ouro e visitava as retrosarias amiúde, coisas de idade e vaidades.
Curiosamente visitei as galerias subterrâneas cheias de arcos romanos. Dias antes os motores tiram a água que escorre na valeta da estrada.O mais interessante é descer pela tampa do saneamento...No edifício do BCP na Rua Augusta existe um espaço museológico,vestígios remotos de civilizações,também do tipo de construção usada depois do terramoto "Gaiola" sob estacas submersas em água.
Particularmente adorei sentir o prazer que sentiu ao restaurar este candeeiro e em o oferecer à sua sobrinha mais velha, que deveria ter ficado encantada. Não é para menos.
Aprecio a sua criatividade e neste jeito de oferecer uma peça reciclada pelas suas mãos, que lhe confere uma carga emocional extraordinária em detrimento de coisas compradas todas iguais...sem piada!
Beijos
Isabel
Viva Luís,
ResponderEliminarO interesse destas coisas, a que alguns chamam "velhas", é poder ver para além das tintas manhosas, dos estragos, dos maus trabalhos de restauro. Poder ver a importância da peça e poder dar-lhe de novo vida, conseguir a beleza original.
Pessoalmente em relação a candeeiros a petróleo prefiro os não electrificados. Mas o trabalho ficou muito bom.
Em relação ao seu texto sobre D. Maria Pia, gostaria de dizer que os comentários do Manel ainda não conseguem afastar os monárquicos, pelo menos este monárquico!!!!!!
Acho muito curioso que se digam horrores da Rainha, mas depois seja o máximo relativamente ao seu requinte e bom gosto, o que efectivamente é verdade. A D. Maria Pia se deve todo o interior do Palácio da Ajuda, em boa parte do de Sintra, também das Necessidades. Pode ter gasto fortunas, mas gastou ao serviço do país, muito contribuiu para que Portugal não desse uma imagem ainda mais atrasada, gastou na educação dos infantes e isso teve reflexo na elevada cultura e sentido de Estado do Rei D. Carlos.
Só por D. Maria Pia ter gasto o que gastou é que hoje podemos ter em Portugal todas as obras de arte que a si devemos. E antes gastar com uma Rainha que tudo deixou ao país, que gastar com politicozinhos que gastam mas para si próprios, para os primos, para os amigos, para os camaradas........
"Quem quer rainhas, paga-as", e eu prefiro pagar uma rainha bem vestida e verdadeiramente patriota (porque o foi, apesar de nascer italiana), que uma primeira-dama deselegante e desengonçada. Porque alguém sabe quanto paga à primeira-dama?
Luís, para conhecer um pouco melhor esta Rainha, que ficou no meio da aura virginal de D. Estefânia e a mulher "política" que foi D. Amélia, há uma biografia romanceada, Eu, Maria Pia de Diana Cadaval. É certo que que não é um estudo biográfico, apesar de haver investigação, mas penso que um texto de uma mulher sobre outra mulher pode ser mais sensível às atitudes, vivências, modos de pensar da Rainha. E sobretudo percebê-la no seu tempo. É isso que é essencial na análise histórica.
Abraço
C.
Ivete
ResponderEliminarAinda se lembra do velho anúncio da Rádio!! a última vez que fui à casa de candeeiros da Rua da Vitória, já só restava uma empregada, uma senhora idosa, que em tempos terá sido uma considerada uma das caixeira mais bonitas de todas as lojas entre a Rua dos Fanqueiros e a Rua Augusta. A casa estava decadente e os produtos eram banais e tristes.
Abraço
Luís
Maria Andrade
ResponderEliminarVale a pena tentar apanhar as retrosarias abertas da Rua da Conceição e olhar e mexer. Sabe? Desde adolescente, que tenho a mania da Baixa e das casas lá existentes onde se podia encomendar peças à medida ou comprar aquilo que não existia em mais parte nenhuma da cidade. Esta minha paixão é tão grande, que quando me divorciei consegui comprar uma casa que está a cerca de 100 metros do Rossio, embora já não seja já na Baixa Pombalina.
Abraços
Luís
Maria Isabel
ResponderEliminarConsegui visitar as chamadas termas romanas umas três vezes e são mais interessantes pelo insólito da situação, do que pela beleza da arquitectura. Muito mais interessante é esse Núcleo Arqueológico da Rua dos Correiros, que pertece ao BCP. Nesse local, provou-se materialmente, que a primeira fundação de Lisboa foi feita por povos vindos do Mediterrâneo Oriental, conforme uma tradição muito antiga, mas até então não fundamentada.
Enfim, todos esses sítios arqueológicos estão ali ao lado das retrosarias, onde é possível transformar abat-jours, cortinas e almofadas banais em coisas originais e sumptuosas mediante o uso de passamanes adequados.
Beijos Luís
Caro C
ResponderEliminarTemia que se tivesse aborrecido definitivamente connosco e com o nosso republicanismo e tivesse jurado nunca mais pôr os pés neste blog, pois aprecio a sua maneira de escrever fluente, a sua cultura geral e as suas opiniões fundamentadas, apesar de nem sempre concordar com elas.
Quanto ao candeeiro, foi uma pena não lhe ter tirado fotografias antes. Estas fotografias do antes e depois fazem sempre sucesso. Também teria preferido manter a forma original da peça, um candeeiro a petróleo, mas estava já tão estragado…
Quanto a antiga rainha de Portugal, há uns tempos li “Maria Pia, Rainha Mulher”, da autoria de José Manuel Pavão e João Cerqueira. Mas, a obra é fraquinha. Narra os acontecimentos históricos básicos, mas faltava-lhe fôlego.
Já vi esse livro da Diana de Cadaval nas livrarias e se me diz que é bom talvez arrisque compra-lo e lê-lo.
No geral, gosto do século XIX português. Há uns tempos li uma colecção de ensaios da Maria Filomena Mónica sobre figuras portuguesas do século XIX e XX, e achei fascinante os textos sobre a Rio Maior, O Burnay e a Isabel St. Léger. É pena que esta autora não se dedique à D. Maria Pia. Certamente faria qualquer coisa diferente e interessante.
Tenho também alguma curiosidade na vida de D. Maria Pia, pois o meu trisavô, José Rodrigues Liberal Sampaio, de quem já escrevi aqui, terá conhecido a Senhora pessoalmente. Foi pregador régio e na posse da família está um anel com um grande brilhante, que lhe foi dado pela Rainha. Um dia, quando tiver 80 anos e me deixarem reformar terei que consultar a biblioteca da Ajuda, a Torre do Tombo e tentar descobrir se houve alguma correspondência trocada entre eles
Abraços e é sempre bem-vindo a este blogue
Lúis,
ResponderEliminarDe maneira nenhuma poderia aborrecer-me com republicanos instruidos. Republicanos convictos, e por vezes nem por isso!!!!! Mas que sabem verdadeiramente o que é uma Monarquia e que respeitam quem prefere o Rei. Porque os outros, os que falam de frases feitas, esses sim aborrecem-me de morte!
E ainda bem que não concorda com tudo o que penso, é nessa perspectiva que gosto de discutir um tema.
O livro que falei da Diana Cadaval, pretende ser um pouco à imagem do Moi Amelie, dernière Reine de Portugal (de Stéphane Bern e com tradução portuguesa). Como disse não é um estudo profundo, mas permite perceber a Rainha no seu tempo permitindo ao leitor uma certa análise psicológica. Talvez seja o primeiro passo para uma obra de fundo sobre esta Rainha tão mal compreendida.
Não espere pelos 80, nessa altura ou já vê um pouco mal para ler os documentos, ou até como as coisas andam, já foi tudo vendido!!!!!!
Não se deve esperar pelos 80 para ir para a Torre do Tombo, eu teria ido para lá logo aos 8!!!!!!
Abraço e Boa Páscoa
C.
Gente.A casa dos candeeiros fechou!!!!
ResponderEliminarTemos pena
Mas comno tudo na vida,ten que dar lugar aos mais jovens
Os tempos que correm ,não permitem que se pare a olhar.
Tudo a correr
Tudo num stress de arrepiar
Quanto ao abajur...ficou lindo,sim,mas nada de especial
Para os tempos modernos,queremos algo mais
simples e que não dê muito trabalho
Para quê tantos fliques e floques?
Deixem-se disso,que já vai sendo hora de ganharem juizo
Depois de um tempo fora regressei e fiquei mais aliviado que as minhas tendências anti Maria Pia não tenham afastado do teu blog o comentador "C", que tanto me apraz ler,e a quem sentia a falta, e a generosa "if", a quem tenho de agradecer o acesso a tanta beleza dentro da faiança.
ResponderEliminarRealmente o blog não é meu e deveria abster-me de lançar as minhas opiniões particulares, as quais poderão ferir susceptibilidades de outros comentadores por quem, aliás, nutro grande simpatia.
Mas a tentação por vezes leva a melhor! Não obstante, prometo controlar-me, até porque o assunto não é importante nem a minha opinião é devidamente sustentada.
Quanto ao teu candeeiro, ficou interessante. Talvez não tivesse optado pela franja que escolheste, mas o resultado final é positivo, e, desta forma, retira-se uma peça ao lixo, que seria o caminho mais plausível para esta base, caso continuasse onde se encontrava.
E uma viagem pelas retrosarias da R. da Conceição é uma viagem pela beleza com aroma a épocas passadas. É sempre um encanto para o olhar :) e um rombo na carteira :(
Manel