Prometo que não vou contar o milagre das rosas a propósito deste bonito registo do século XVIII, retratando Isabel de Aragão, ou a Rainha Santa como é vulgarmente conhecida por todos. Aliás, um dos atractivos desta estampa, que não ultrapassa os 12 cm é que é um tipo de imagem relativamente rara da mulher do Rei D. Dinis (1261-1325). Normalmente, D. Isabel é representada como Rainha, coroada, uma auréola de santa e as rosas no regaço. Essa é a imagem que está espalhada por todas as igrejas de Portugal, o modelo de estátuas públicas e das ilustrações dos livros da instrução primária, que gravámos na nossa memória.
Sta. Isabel de Portugal por Zurbarán. Museu do Prado, em Madrid. A obra esteve muito anos identificada como representando Sta. Cacilda |
Confesso que não gosto da maioria dessas imagens. Devo associa-las às reguadas e aos estalos da escola primária e outros mimos pedagógicos do ensino de outrora. A única Rainha Santa que me enche as medidas é a do pintor espanhol, Francisco Zurbarán, que se encontra no Museu do Prado, em Madrid. Mas isso é porque Zurbarán é um mestre na pintura de tecidos, de texturas e trajes. Sempre que folheio um álbum de arte deste pintor, sinto-me a assistir a um desfile de moda de um desses criadores imortais, o Balenciaga, o Dior ou o Christian Lacroix. Olho para os vestidos sumptuosos das mártires e santas que Zurbarán pintou e não consigo pensar nem um pouco em religião e no entanto julgo que o pintor espanhol até era bastante crente.
Aliás, segundo li aqui e acolá, este milagre das rosas é uma coisa um bocadinho recorrente. Santa Cassilda (morta em 1050), transformou pão em rosas, a tia da nossa rainha Santa, Isabel da Hungria (1207-1231) igualmente fez um milagre das rosas e finalmente Sta. Rosa de Viterbo (1233-1252) também repetiu o feito. A história é sempre a mesma. Estavam a distribuir pão aos mais carenciados, são surpreendidas pelo rei, que é pai, marido ou irmão (que anda a ver se corta nas despesas) e oportunamente o pão, transforma-se em rosas. Enfim, o pão, um alimento tão básico, transformar-se em rosas, que são quase um sinónimo das coisas belas e acessórias da vida, não deixa de ser uma ideia poética.
Aliás, segundo li aqui e acolá, este milagre das rosas é uma coisa um bocadinho recorrente. Santa Cassilda (morta em 1050), transformou pão em rosas, a tia da nossa rainha Santa, Isabel da Hungria (1207-1231) igualmente fez um milagre das rosas e finalmente Sta. Rosa de Viterbo (1233-1252) também repetiu o feito. A história é sempre a mesma. Estavam a distribuir pão aos mais carenciados, são surpreendidas pelo rei, que é pai, marido ou irmão (que anda a ver se corta nas despesas) e oportunamente o pão, transforma-se em rosas. Enfim, o pão, um alimento tão básico, transformar-se em rosas, que são quase um sinónimo das coisas belas e acessórias da vida, não deixa de ser uma ideia poética.
Santa Isabel com o traje de Clarissa dando esmola a um aleijado |
Mas voltando à estampa do início, que é do meu amigo Manel. Aqui Santa Isabel aparece despojada da sua indumentária real. Está vestida austeramente com um traje de clarissa, porque depois da morte do marido, D. Dinis, recolheu-se a um convento da Ordem de Santa Clara, dedicando-se em exclusivo às obras de caridade e à vida espiritual. Contudo, apesar deste acto de abnegação da vida mundana, Isabel não tomou votos, o que lhe permitiu manter a sua fortuna, para gastar em obras de caridade e por isso a vemos, na imagem superior, a dar uma esmola a um aleijado, sem pedir autorização a ninguém.
A coroa e o ceptro que Isabel deixou para trás |
Para os crentes que vissem esta estampa, a renúncia de Isabel ao mundo era clara, porque atrás da sua figura estão representados as coisas que abandonou, uma coroa e um ceptro. Mas, apesar de tudo, conforme o autor do registo queria transmitir, Isabel continuava a ser uma figura de grande respeito e no canto inferior da imagem encontra-se por isso seu escudo pessoal, ou melhor a lisonja, com as armas de Portugal e as riscas do Reino de Aragão.
As armas de Portugal e Aragão |
O registo apresenta uma cercadura muito delicada e uma inscrição onde indica a casa onde se vendia a estampa, isto é, José António Ramalho, que ficava ali perto da Patriarcal. Os Subsídios para a história da gravura, de Luís Chaves referenciam este senhor, mas não nos adiantam nada sobre ele.
Deixo-vos por agora com o perfume das rosas de Cacilda, Isabel da Hungria, Rosa de Viterbo e Isabel de Portugal.
Olá Luís muito obrigado por este post fascinante.
ResponderEliminarSortudo o Manel ser o seu dono - ainda por cima a deve ostentar na sua casa perto da cidade onde a Rainha morreu - Estremoz.
Trata-se da Rainha que mais adoro na nossa história - não será por certo em carregar o mesmo nome - sempre admirei a sua vida de bondade e paz - lembrar que foi peregrina a Santiago de Compostela vestida em traje simples só reconhecida pelos tesouros que levava, e lá deixou.O milagre das rosas - é como diz - retrata a bondade que habitava na sua alma, na vontade de saciar a fome dos pobres - atributos por mim comungados - adoro ofertar sem olhar a quem. Uma mulher inteligente, fiquei a saber mais da sua vida com a sua narração histórica.
Amei o quadro de Zurbáran - magnífico irradia cores de arrepiar!
Uma estampa muito bonita mas é do Manel!
Vou mais reconfortada de férias depois de ler os seus dizeres sábios.
Beijos
Isabel
Maria Isabel
ResponderEliminarZurbarán é um pintor que espanta sempre. Os tecidos são sempre luxuosos. No entanto não foi só a pintar mártires com trajes de corte que foi mestre. As naturezas mortas são das melhores que conheço. Nunca aqui falei nelas aqui, porque não tenho nada em casa, que lembre sequer vagamente o ascetismo das suas naturezas mortas. Talvez, possa ser uma boa ideia para uma fotografia de uma faiança, compôr uma natureza morta à moda de Zurbarán.
Beijos
Não é fácil fazer um post sobre esta figura tão carismática, conhecida, respeitada e objeto de culto na nossa história.
ResponderEliminarMas conseguiste escapar aos lugares comuns e ao fácil e bonitinho que se presta tanto a esta figura. Não é fácil.
Quando adquiri esta imagem, já lá vão vários anos, foi mais pela beleza da moldura que cerca a rainha que outra coisa qualquer.
Respeito muito esta personalidade histórica, tenho-lhe mesmo alguma "afeição", mas não são motivos para a ter em minha casa.
Foi realmente a beleza da moldura, num gosto rocaille, que me fez lembrar a de alguns espelhos de que muito gosto.
Quanto ao Zurbarán, nota-se mesmo que foi o virtuosismo na execução dos panejamentos dos ricos tecidos que lhe deu o mote para a execução desta pintura. As feições são anónimas e sem os traços de nobre de alta estirpe que, imagino, a devem ter caraterizado.
Mas o que eu gosto mesmo em Zurbarán são as suas naturezas mortas ... simplesmente fantásticas! Sobretudo se envolverem cerâmicas!
Manel
Manel
ResponderEliminarA cercadura do registo é muito atraente. Aliás, muitas destas estampas apresentam frequentemente umas cercaduras muito rebuscadas, com um desenho melhor e mais pormenorizado que o do próprio santo que lhe serve de motivo. Julgo que correspondem a um gosto da época, o século XVIII, o mesmo gosto que levava as senhoras a fazerem molduras preciosas com contas, lantejoulas, missangas, bordados a prata e de passamanaria para estes registos de santinhos. É tudo muito arrevesado, complicado e precioso, mas sedutor.
No meio de todas as desgraças que me têm acontecido ultimamente com o computador e a internet, só me faltava perder comentários longos, mas foi isso mesmo que já me aconteceu aqui por duas vezes, sem os conseguir salvar :(
ResponderEliminarMas tentando reconstituir:
Apresenta duas imagens belíssimas de Isabel de Aragão, tão contrastantes entre si e também em total contraste com as imagens estereotipadas que nos vendem dela como santa de altar.
Qualquer destas representações é para mim surpreendente, invejo o achado do Manel, também acho linda aquela moldura, mas considero a pintura de Zurbarán de tirar o fôlego! Realmente deslumbrantes os tecidos a vestir uma beleza ibérica, tão diferente das beldades loiras que eram muitas das nossas rainhas. Obrigada, Luís, por no-la ter aqui dado a apreciar.
Junto ao Mosteiro de Santa Clara-a-Velha em Coimbra ainda restam paredes do antigo Paço da Rainha onde ela se recolheu depois de enviuvar.
Mais uma vez insisto :) que todo o espaço merece uma visita!
Voltando a Zurbarán, conheço muito pouco da sua obra, mas já percebi que tenho de ir explorar as naturezas-mortas...
Abraços
Maria Andrade
ResponderEliminarTenho imensa vontade de visitar Sta. Clara-a-Velha, mas agora praticamente não vou a Coimbra. E acredite que desde criança, aquele mosteiro semi-enterrado me fascinou. Recordo-me de ter ido a Coimbra com dez anos e perguntar à minha mãe porque não se podia visitar aquele monumento insólito, capaz de sugerir na imaginação de um miúdo a entrada num templo misterioso dos templários, ou outra coisa qualquer muito romanesca.
Zurbarán é um espanto. É o pintor dos tecidos. As naturezas mortas que fez não muitas, mas são de uma austeridade que toca.
Como muito bem referiu, Zurbarán fez aqui uma Santa Isabel, envergando um traje luxuoso, que nos faz esquecer a banalidade da iconografia oficial da Rainha Santa e talvez por isso me tenha lembrado de associar a pintura a este registo, que é também uma representação invulgar de Isabel de Aragão.
Bjos
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ResponderEliminarCaro Luis
ResponderEliminarAqui lhe apresento mais 2 exemplares de registos que adquiri recentemente sobre esta nossa santa rainha...
http://tinypic.com/r/34nnreu/6
http://tinypic.com/r/zlrbib/6
Cump.
El mano
Caro El Mano
ResponderEliminarGosto particularmente da segunda estampa, aquela feita em Casa de Francisco Manuel ao Passeio Público.
um abraço
Boa tarde
ResponderEliminarTambém tenho muito interesse por documentos antigos ligados à igreja.
A minha família possui algumas relíquias que vou encontrando nos baús.
Pergaminho de 1721 , nomeação de
inquisidor do estudante canonista na universidade de Coimbra .
Alguns livros de uma riquíssima biblioteca que infelizmente foram vendidos pelo meu avô restando poucos.
Recentemente abri um desses livros e estava lá dentro uma notícia de jornal, qual o meu espanto quando verifiquei que se tratava da notícia da 1° edição da Bíblia traduzida para português, com uma gravura maravilhosa( para quem aprecie).
Peço desculpa de só agora lhe responder, mas tenho andado com uma vida complicada. A história familiar é uma coisa fascinante e mesmo que sobrem apenas uns fragmentos, a partir daí, podemos tentar uma reconstituição da cultura e da biografia de quem já viveu há muito.
EliminarUm abraço