Como já escrevi muitas vezes aqui no blog não sou muito dado escrever sobre efemérides e quadras festivas. Creio que a única excepção, que abro é para o Natal, pois gosto de arte sacra e esta altura é uma excelente ocasião para mostrar mais uma estampa com uma anunciação ou uma natividade.
Este Menino Jesus em barro estava em casa dos meus pais desde que me lembro. Encontrava-se deitado numa caminha com um colchão capitonné em seda, num móvel da sala de estar. A caminha acabou por se estragar, não sei se fomos nós quando éramos miúdos, que a escangalhámos ao querer brincar com ela, se foi um gato que houve lá por casa ou se uma mulher-a-dias, mais abrutalhada. O que é certo é que a caminha perdeu dois pés, uma das urnas da cabeceira e foi arrumada durante décadas num armário.
Quando, os meus irmãos e eu partilhámos, o recheio de casa do meu pai, escolhi de imediato este Menino Jesus rechonchudo e consegui com algum esforço redescobri a sua caminha encafuada num armário.
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| O Menino Jesus está deitado numa cama do tipo "lit bateau" |
Enquanto o menino Jesus é seguramente coisa do século XVIII, constatei agora que caminha é uma peça mais moderna. É uma cama ao estilo Império ou Restauração (1800-1830), aquilo que os franceses chamam um lit bateau, pois inspira-se nas formas de um barco, mas provavelmente até é mais tardia, talvez no final do XIX ou início do Século XX. O colchão terá sido confeccionado por alguma antepassada cheia de devoção.
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| O menino deitado no colchão colchão capitonné em seda |
Sempre achei que este Menino Jesus era uma daquelas imagens de devoção muito popularizadas pelos conventos femininos no século XVII e XVIII, em que as irmãs costuravam enxovais completos para vestir o Santo Menino, com capas, roupa interior, sapatinhos, chapéus e encomendavam até a um marceneiro camas e cadeiras, que reproduziam os modelos de mobiliário da época. Até já mostrei aqui alguns exemplos dessas móveis em miniatura, destinados ao Menino Jesus e que pertencem à colecção do Museu Nacional de Arte Antiga.
Para além dos conventos, esta peculiar devoção ao Menino Jesus difundiu-se pela sociedade, prolongou-se pelos séculos XIX e mesmo XX e as famílias mais abastadas tinham sempre um ou mais destes Meninos Jesus, com vestidinhos em seda bordados a ouro e prata ou deitados numa caminha. Como refere Ana Alcoforado no catálogo da exposição "O Menino dos Meninos" O contraste entre a inocência e felicidade do Menino e o horror do sacrifício ao qual estava predestinado, emocionava os corações, levando à multiplicação de imagens com esta tipologia.
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| O orifício para colocação do resplendor |
Contudo, resolvi mostrar esta imagem aos meus colegas do Museu Nacional de Arte Antiga, Anísio Franco e Maria João Vilhena, que me confirmaram tratar-se de uma peça do século XVIII e me chamaram a atenção para uns quantos pormenores. A imagem apresenta um buraquinho no alto da cabeça para a colocação de um resplendor e o corpo do menino Jesus foi repintando. Por último e o mais importante, o Anísio Franco reparou que o menino Jesus, apresenta um orifício em forma triangular entre as nádegas, o que indica, que estaria fixo por um espigão a uma peanha ou a outra imagem, quem sabe se uma Nossa Senhora ou até mesmo um Santo António. Portanto este Menino Jesus, não era para ser visto deitado numa caminha, mas sim na posição vertical.
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| No rabiosque no menino há um pequeno orifício em forma triangular, revelando que estaria fixo por um espigão a uma peanha ou a uma outra imagem, talvez uma Nossa Senhora ou a um Santo António. |
Num momento qualquer, que nunca conseguirei precisar, a peanha perdeu-se ou alguém retirou esta imagem de uma Nossa Senhora e o Menino Jesus do século XVIII foi disposto numa cama ao gosto Império ou Restauração.
As obras de arte vão sendo modificadas ao longo dos tempos e quando chegam às nossas mãos já são diferentes do momento em que saíram da oficina do pintor, do santeiro ou do marceneiro e agora não sei se deva respeitar a colocação do Menino Jesus na caminha, como estava em casa dos meus pais ou arranjar uma peanha para o colocar em pé, para corresponder melhor a forma para a qual ele foi concebido.
Alguma bibliografia:
O Menino dos meninos / textos Ana Alcoforado. - Coimbra : Museu Nacional de Machado de Castro, 2007
«(...) agora não sei se deva respeitar a colocação do Menino Jesus na caminha, como estava em casa dos meus pais (...)». Si usted me admite la sugerencia, respete la posición del Niño Jesús en la camita, tal como estaba en casa de sus padres, estimado amigo Luisinho. En mi opinión es la forma en que esa figurita cobra auténtico sentido sentimental, si es que se va a quedar en la casa de usted, otra cosa sería si su destino fuese un museo. Cordialmente desde Madrid. Su amigo Daniel.
ResponderEliminarDaniel
EliminarComo sou um sentimental, inclino-me mais para manter o Menino Jesus deitado na caminha, da forma com que estava na casa dos meus pais.
Mas, de facto ele fica com melhor leitura na posição vertical. Antes de saber que saber que o Menino Jesus estaria numa peanha ou ao colo de uma Virgem tinha experimentado coloca-lo numa parede e ficava lindo. Mas não tinha qualquer forma de o suspender.
Para já fica na caminha e depois penso numa solução definitiva.
Um abraço lisboeta
Muito bem! Obrigado por su respuesta, amigo mio. Un abrazo desde Madrid
ResponderEliminarLindo. Parece um anjinho rechonchudo barroco também, se ficasse na vertical, como Jesus Menino de Santo Antonio ou de Nossa Senhora, teria vestes. Com os bracinhos cruzados parece Jesus Menino da manjedoura, bebê.
ResponderEliminarOs Deus Menino que conheço tem os braços abertos e segura um bastão. Tenho alguns aqui em casa. Os das lapinhas e maquinetas eram ricamente vestidos e ficavam num monte com tudo o que era possível em volta e muito brilho e conchas etc.
O seu fica muito bem deitado mesmo, a caminha, o colchão em capitonné é uma graça.
Nunca tinha pensado na emoção em olhar a imagem do menino pensando no futuro terrível que iria ter, a crucificação.
É lindo deitado ou em pé.
Boas Festas, Luís.
Abraços.
Jorge
EliminarMuitas das representações do Menino Jesus aludem ao seu futuro sacrifício. Ele pode aparecer com uma cruz na mão, uma romã, cujo sumo representa o sangue de Cristo ou ainda um globo, que nos diz que Jesus morreu na cruz para salvar o mundo.
Mas esta imagem é uma graça e está muito bem executada. Por enquanto vou mante-lo na caminha, embora ainda não lhe tenha encontrado o lugar certo, pois a minha casa está cheia quem um ovo.
Um abraço lisboeta e votos de boas festas
Caro Luís,
ResponderEliminarObrigada pela mensagem Natalícia que acompanha o teu "Post" do Menino Jesus deitado, lindíssimo modelado de vulto perfeito, de barro cozido policromado. Porém, permita-me discordar dos meus doutissimos colegas quanto à função dos orifícios que correspondem, antes de mais, a respiros para a boa cozedura do barro, claro está que se o da cabeça estratégico para a colocação do resplendor, já o do rabinho foi onde mais naturalmente parecesse.
Beijo de Boas Festas
São
EliminarMuito obrigado pelo teu comentário, que veio trazer outra opinião sobre a colocação original do Menino Jesus. Gosto sempre de ouvir pessoas pessoas mais experientes sobre estas matérias. Há áreas como a gravura, que estou mais à vontade, que é material impresso e e sou bibliotecário. Porém, de escultura, sei só admirar as peças.
Eu também achei de início que os orifícios do Menino tinham a ver com a cozedura, poisas peças de barro, podem ficar mal cozidas por dentro, se não tiverem estes buraquinhos ou forem ocas.
De facto, o menino Jesus fica melhor na posição vertical, mas depois do que escreveste, creio que o vou manter na cama.
Bjos e boas festas
Caro Luis
ResponderEliminarA imagem revela para quem a possui, uma responsabilidade…..Em todo o caso Luis, essa imagem é única, pela carga simbólica que tem e só estará viva enquanto se mantiver rodeada de histórias da família..Um belo conto de Natal contado pelo Luis….a juntar a tantas histórias ao longo do ano as quais facilmente nos prendem
Tudo de bom nestes dias que, embora cinzentos, deverão ser sempre de esperança.
Abraço
Vitor Pires
Vítor
EliminarObrigado pelo seu comentário.
Agora que o meu pai morreu e já não passará o Natal connosco, esta imagem será como que a evocação da sua presença. Recordo-me de quando o meu pai ficou do doente e o fomos ver ao hospital, estava a dormir e quando acordou parecia uma menino de tão feliz de nos ver, com os olhos muito abertos e a brilhar. Esta esculturinha em barro será sempre associada a esse dia.
Um abraço e um feliz Natal
Olá Luís! Um Menino Jesus muito especial, ligado à história da família, com que nos dá os seus votos de Boas Festas. Sinto muito que ele tenha vindo já parar a si devido à morte do seu pai, mas é a ordem natural das coisas e há que aceitar estas ausências que são sempre tão dolorosas.
ResponderEliminarRetribuo os votos de Boas Festas, com saúde para si e para o nosso Amigo Manel e oxalá o próximo ano traga a todos mais tranquilidade e voltemos à normalidade.
Abraços nossos com carinho e amizade
Quero antes de mais agradecer os votos da Maria Andrade, que retribuo, que o novo ano vos seja feliz e melhor que os sustos que os anteriores nos trouxeram.
EliminarAbraços para vós e até um dia, que, espero, não seja longínquo
Manel
Maria Andrade
EliminarFico sempre contente com os seus comentários e desejo-lhe também um bom ano novo.
Enfim, recebi este Menino Jesus em consequência da morte do meu pai. Mas tenho também a consciência, que ele ficaria contente por saber que a herança familiar é estudada e estimada.
Foi uma peça muito adequada para desejar um bom Natal aos seguidores do blog e também de apresentar uma imagem, que já não está no seu contexto original. O menino Jesus é do século XVIII, a caminha dos finais do XIX e ficou por resolver a questão se ele foi concebido para estar deitado ou se faria parte de uma Nossa Senhora. Este mistério só lhe dá encanto.
Um bom ano para si e para os seus
Uma maravilha. Feliz Ano Novo!
ResponderEliminarMargarida
EliminarUm bom ano para si e para os seus e obrigado pelo seu comentário simpático
A peça é bonita, muito bem executada e apropriada à época.
ResponderEliminarSei muito pouco sobre este tipo de peça pelo que não tenho muitas opiniões sobre o assunto.
Só a sei admirar, que isso ela vale bem o tempo.
Um bom ano, que nos traga alguma tranquilidade, e que alguns dos teus desejos se consigam concretizar.
Manel
Manel
EliminarTambém não sei muito de escultura desta época. Sou apenas um admirador fervoroso destas imagens quando as vejo nas igrejas, nos museus ou nas feiras de velharias.
Esta parece-me uma obra muito bem executada e sobretudo não está muito mexida, nem com restauros hediondos. Por vezes vemos estas peças à venda e já foram tão mexidas e tão repintadas, que até metem dó.
Um bom ano também para ti