quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Telhas portuguesas com um símbolo do Islão


Recentemente, conheci um dos seguidores deste blog, o Zé Júlio, um homem tão encantador como o seu blog dedicado a alfarrobeiras centenárias, muros de pedra, jardins mediterrânicos e casas em ruínas.

Uma das muitas coisas que se conversou foi sobre as telhas em antigas casas da zona da Redinha, em Pombal (e creio que em mais zonas do País) que apresentam de forma muito esquematizada a mão de Fátima. O símbolo foi pintado com os próprios dedos do oleiro que fez a telha.

A mão de Fátima é um amuleto usado em todo o mundo islâmico, cuja função é proteger as pessoas e as casas dos maus olhados e dos infortúnios. Representará a protecção de uma das mulheres mais consideradas de todo o Islão, Fátima (606-632), a filha preferida do profeta Maomé, que ganhou uma grande fama de santidade. De Fátima descendem também várias linhas dinásticas que governaram extensos reinos muçulmanos. A ela foi associado este símbolo, da mão, já anterior ao islamismo, provavelmente fenício e que representava a deusa Tanit, que afastava o mal com a sua mão.

Mão de Fátima em prata. Marrocos.

Apesar da ortodoxia oficial islâmica condenar os amuletos, este símbolo teve uma enorme difusão por todo o mundo árabe, foi adoptado pelos judeus sefarditas (os Judeus ibéricos) e chegou às terras da antiga Hispânia, após a invasão de 711.


O símbolo foi usado como em forma de jóia, azulejo e era pintado ou inciso em muros, sempre com a função de protecção.

Uma mão de Fátima numa rua de Lisboa
Após a expulsão dos mouros da Península Ibérica, este antiquíssimo símbolo sobreviveu e hoje passados uns bons seis séculos continua a ser utlizado pelas pessoas como amuleto, muito embora já desconheçam o seu significado original. Todos nós já vimos homens e mulheres com figas penduradas em colares ou pulseiras, que mais não são do que mãos de Fátima, ou já reparamos naqueles batentes em forma de mão, que encontramos em muitas casas portuguesas do século XIX e início do XX e que tem exactamente a função das mãos de Fátima, ou hamsa, proteger as casas contra os maus espíritos.

Mas se as figas ou os batentes são exemplos relativamente conhecidos desta tradição islâmica em Portugal, as telhas pintadas com mão de Fátima são uma coisa que pouca gente conhece. Contudo, este uso está também documentado em Espanha, na região da Sierra Segura, entre a Andalucia e a Macha e também na província de Jaen.
uma Mão de Fátima incisa numa telha de uma casa na Província de Jaen

Agradeço ao Manel os dados fornecidos sobre as telhas da zona de Pombal e desejo que a mão de Fátima nos proteja a todos da tempestade que se abate sobre Portugal

14 comentários:

  1. Olá Luís. Muito bom ano.

    Problemas nos pc,s impedem-me de aqui vir assiduamente.

    Muito interessante este post, numa variante que muito me apraz, adoro telhas mouriscas. Desconhecia por completo a estória da pintura e do simbolismo "mão de Fátima". Apenas as conheço nas portas,já tentei comprar uma, cara, optei por umas pinhas,mais tarde é que reparei que tem outra servidão, términos de um varandim, depois comprei aldrabas, mas ainda não as coloquei.Possivelmente estas telhas na região da Redinha terão sido fabricadas na Bidoeira, um centro cerâmico ainda em atividade ou mesmo em Pombal.As que conheço e tenho vários exemplares parecem-me mais antigas pela cor mais escura e textura mais rugosa que não daria para ser pintada como esta que me parece mais lisa.De facto a cultura islâmica ainda denota muitos vestígios no nosso país e na região centro a que conheço melhor,é com grato prazer saber que o Manel é dono delas e graças aos dois aprendi algo muito interessante. Bem hajam!
    Agora vou estar mais atenta a observá-las. Tremo quando vejo telhados a derrubar por falta de manutenção e as telhas mouriscas a estatelarem-se em cacos...paredes meias com a minha casa rural há uma,já roubei umas quantas que caíram para a berma da estrada, as tenho empilhadas para um dia fazer algo com elas.Por o formato não ser igual, as mais largas aproveito-as para fazer assados de peixe no lume,como estou numa zona de transição do calcário para o xisto existe um interregno de bom barro muito vermelho ao fundo do quintal, com ele faço a vedação dos fundos da telha, agora estive lá, acredite ao limpar o terreno constatei um pequeno poço de pedra embrenhado nas silvas, ao ser limpo apeteceu-me fazer-lhe o rebordo, fartei-me de procurar xisto e com barro ficou de pé em redondo, visto da casa é muito engraçado, serviu para guardar o engaço do azeite para sustento dos porcos no inverno.
    Em criança a minha avó nesta aldeia fazia-me as torradas numa telha mourisca.

    Eu e as minhas divagações...
    Bj
    Isabel

    ResponderEliminar
  2. olá Luís , como sempre a sua postagem muito interessante . E também como é hábito já aprendi umas coisas novas ,como o significado das "mãozinhas " de bater às portas . De futuro vou ficar atenta a telhas antigas que me apareçam lá pela Beira....
    Ab.
    Quina

    ResponderEliminar
  3. Maria Isabel

    Sentia a falta das suas divagações.

    Quem me chamou a atenção pela primeira vez para estas telhas foi o Manel. Depois nos meus passeios de bicicleta na zonas da Redinha e Soure visitei várias casas abandonadas e nos telhados havia sempre uma ou mais telhas com a mão de Fátima.

    Aliás houve outras surpresas para mim nesta zona, como a construção em adobe, material que eu imaginava típico do Sul de Portugal, onde a presença do Islão foi mais forte. Afinal descobri que o adobe usa-se em toda a numa ampla faixa litoral entre Lisboa e Porto, correspondendo às zonas onde há barro.

    Julgo que reciclar as suas telhas velhas pode ser uma coisa engraçada. Talvez até para fazer canteiros no jardim

    Beijos

    Luís

    ResponderEliminar
  4. Muito obrigado, cara Quina

    Durante muito tempo os historiadores minimizaram a presença islâmica em Portugal a meia de dúzia de termos técnicos, à toponímia e a uns três ou quatro frutos.

    Hoje, sabemos que esses vestígios são em maior abundância e a Quina faz muito bem em estar atenta às telhas da sua região. Mesmo que não tenham mãos de Fátima devem ser certamente bonitas e encontrará coisas curiosas nos telhados

    Abraços Luís

    ResponderEliminar
  5. Olá Luís
    Excelente e muitissimo bem documentado o seu post sobre as telhas de origem islâmica. Parabéns.Nunca tinha visto nenhuma telha com essas características e apreciei imenso as suas explicações. Tem toda a lógica a hipótese que admitiu sobre o pedido de protecção - que a mão humana simbolizaria - contra os mal intencionados, que não seriam bem recebidos nas casas onde pretendiam entrar. Por extensão, afigura-se, também, curial, a tese que defende que os batentes das portas teriam a mesma função. Em prolongamento de tal extensão, e a contrario,poder-se-á ver nessa simbologia o voto de boas vindas, que popularmente cristaliza na expressão "Benvindo seja, quem vier por bem".
    Cumprimentos.
    if

    ResponderEliminar
  6. Olá Luís,
    Nunca tinha visto telhas destas pintadas. Tenho no jardim algumas telhas de canudo e já lá fui ver se tinham sinais destes, mas não têm nada.
    Quem sabe se na aldeia dos meus avós maternos, lá para os lados de Sicó, as telhas das casas dos meus bisavós eram assim ? Não fica assim tão distante da Redinha…
    É extraordinário como simples telhas de barro transportam símbolos culturais tão fortes. Sabia que as figas eram usadas para proteção contra feitiços, maus-olhados e afins, mas nunca as relacionaria com a mão de Fátima, uma mão aberta de dedos esticados, para além do facto de ambas servirem como amuletos protetores, entre tantos outros.
    Afinal nada aparece por acaso, as referências culturais estão aí por todo o lado, é preciso é saber lê-las e interpretá-las… que é o que o Luís (e o Manel) vai fazendo a contento de todos por aqui.
    Bjs.

    ResponderEliminar
  7. OH Luís...

    Mais uma surpresa, estava mesmo muito distante de imaginar um "mundo tão místico", hummmmm, se me conheço la estarei a olhar para o alto ...rssss! Quem sabe mais um objeto a coleccionar rsss.

    O post é excelente !

    Um abraço

    ResponderEliminar
  8. Cara If

    Julgo que a protecção contra o mau olhado pode ser também entendida como uma forma de proteger os visitantes que chegam por bem.

    A simbologia destes dedos é complexa e claro foi sendo interpretada de maneira mais ou menos diferente. Nos países muçulmanos representa também os cinco pilares do Islão (A profissão de fé, orar cinco vezes por dia, pagar a esmola, observar o Jejum no Ramadão e fazer a peregrinação a Meca). Por outro lado, os judeus sefarditas adoptaram o simbolo, que para eles representa a mão de Miriam, irmã de Moisés e Aarão. Por isso, talvez estas telhas também possam ser uma reminiscência das antigas comunidades judaicas que andaram ali por Pombal.

    ResponderEliminar
  9. Ora, o José Oliveira já cá fazia falta.

    Há pequenos símbolos destes um pouco por todo lado, cuja origem e significado já foi esquecida, mas que as pessoas aindam usam por hábito, repetindo mecanicamente gestos do passado, que tem gravados no subconsciente.

    Um abraço

    ResponderEliminar
  10. Maria Andrade

    O mundo à nossa volta está cheio de pequenas coisas fascinantes que nunca reparamos. Mãos de Fátima, urnas em faiança, beirais e telhas pintados e cogumelos exóticos. Pudessemos nós ter tempo para ler e estudar tudo o que nos rodeia.

    abraços

    ResponderEliminar
  11. Esta semana não consegui arranjar tempo para comentar!
    Mas hoje, numa fugida, achei que conseguiria alinhavar algumas linhas.
    Com efeito, estas telhas saíram de algumas dependências mais antigas da minha casa de família, datadas do século XIX, e sempre as achei intrigantes.
    Porquê aquelas manchas todas.
    A minha família, a mais recente, tomava aquelas manchas como defeito de fabrico; mas tantas telhas com defeito de fabrico ... não fiquei convencido e, quando um dia estava a transportá-las de um lado para o outro, como um acaso, dei conta que aquelas marcas coincidiam exatamente com os dedos de uma mão, e relacionei-as imediatamente com um artigo que tinha lido na altura sobre as marcas das mãos de Fátima que, entre muitas outras funções, teriam o de proteger a casa a partir do telhado, visto que elas já eram protegidas pela fachada, a partir da sua aposição em cantarias e portas, por exemplo.
    Este uso estava difundido entre o mundo árabe, que, por influência direta, teria passado para a Península Ibérica, e por cá teria vingado em algumas regiões.
    Por sua vez, parece que esta simbologia era proveniente de usos muito mais antigos, e teria sido uma herança deixada por outros povos, entretanto conquistados.
    Como é vulgar acontecer entre conquistadores e conquistados, o velho passa a novo.
    Não acredito que no século XIX aquelas marcas tivessem o mesmo significado, pois, parece-me mais que as tomassem como elementos decorativos dotados de alguma qualidade tradicional "protetora" (sem que houvesse qualquer ligação à filha do profeta!).
    Apesar destas telhas não serem utilizadas no telhado todo, antes se dispersavam aqui e acolá, seriam certamente algo de uso tradicional, tanto mais que a minha família parece ter tido uma raiz judia bastante acentuada.
    Fui construindo esta teoria, mas entretanto, depois de anos sem mexer nela, já não conseguia detetar o local de onde a tinha tirado, mas o Luís fez o trabalho por mim.
    Hoje em dia não consigo encontrar tais telhas, a não ser em construções arruinadas, o que é uma pena, pois tinham um efeito decorativo assombroso!
    Manel

    ResponderEliminar
  12. É sempre bom chamar a atenção para a beleza dos batentes, desse património imperceptível. E nesse sentido, o seu contributo é de aplaudir. Mas permita-me alertar para o facto de haver muita efabulação em torno do imaginário ligado aos árabes, pois eruditos e até académicos escreveram algumas estórias, sem apresentarem na sua bibliografia qualquer fonte árabe, sequer do Norte de África, para justificar o que afirmam.
    Samira Sethom, escreveu no livro “Signes & Symboles dans l’Art Populaire Tunisien”,"La khomsa que les occidentaux ont traduit à tort par “main de Fatma” (Sethom, 1976: 46), Marie France Lacoue Labarthe em “Les Heurtoirs de Bordeaux” apenas apresenta uma mão destas, como sendo do século XIX, o Professor Cláudio Torres considera uma ideia romântica atribuir à herança dos árabes um instrumento da arquitectura de oitocentos e do revivalismo orientalista, patente na própria literatura.E se fizer uma pesquisa na net constata que este termo nasce do colonialismo francês na Argélia, despojando as criadas autócones do seu nome próprio, chamando-as a todas de Fátima. Recentemente, apresentei na UALG a tese “A Mão que Protege e a Mão que Chama: Orientalismo e Efabulação em Torno de um Objecto Simbólico do Mediterrâneo”, ficando ao seu dispôr para, enquanto fundador e membro da direcção da "Aldraba, Associação do Espaço e Património Popular", partilhar conhecimento científico.
    Desculpe, mas achei que havendo outros olhares acerca dum assunto, que ancorado nos tais eruditos, em tempos também aceitei e defendi, tinha obrigação de deixar aqui o meu testemunho. Cumprimentos e continuação de bons contributos para a preservação do nosso património. A lenda também faz parte, mas convém saber.

    ResponderEliminar
  13. Caro Amigo Oásis dos Sonhos

    Muito lhe agradeço o seu comentário. Só agora respondo, pois o meu amigo pedia que uma resposta mais completa.

    Em primeiro lugar obrigado pelo seu contributo, que parece bem fundamentado e ajudará a quem ler estas páginas a formar uma opinião.

    Eu de facto não sou um académico, sou um mero curioso que escrevo sobre vários assuntos, para não estupidificar a mente e como tal, terei falhas de fundamentação. E tenho bem presente que estes assuntos acerca de reminiscências do antigo paganismo, judaísmo ou islamismo nos hábitos actuais portugueses são terrenos perigosos, em que fazemos afirmações que carecem de suporte documental. Recordo-me de ler com paixão as Origens orientais da religião popular portuguesa do Moisés do Espírito Santo, mas ao mesmo tempo pensar, mas este homem afirma todas estas coisas sem base científica!

    Concordo consigo que é arriscado relacionar as mãos das portas do séc. XIX, com uma religião que foi erradicada de Portugal no séc. XIII, mas também não posso deixar de comentar que uma colega minha polaca, formada em estudos orientais, espantou-se imenso com estas mãos e fez a relação imediata com a mão de Fátima.

    Muito obrigado e volte sempre a este blog com os seus comentários interessantes

    Abraços

    ResponderEliminar