Comprei esta velha estampa na Feira-da-ladra. O vendedor esfregou as mãos de contente por se ter visto livre de uma coisa tão suja e estragada por cinco euros e eu voltei todo contente para casa com uma estampa, que embora não apresentasse data, era seguramente do século XVIII.
Agradou-me logo esta Petite vue de Flandres, representado um céu cinzento, tão cinzento qu'il faut lui pardonner, como dizia canção do Brel, escrita acerca do seu país natal, a Flandres, que é tão plano, que só tem catedrais por únicas montanhas.
E de facto não me enganei muito sobre esta minha primeira impressão da Flandres do céu cinzento.
Ao investigar um pouco sobre esta estampa, descobri, que foi gravada a partir da obra de um pintor flamengo, David Teniers, o Jovem, (1610-1690), filho de David Teniers e genro de Jan Bruegel o antigo, dito o de veludo. Além destas influências familiares de peso, a sua obra foi também inspirada por Rubens e Adam Elsheimer.
Era um pintor simples. Um simples casebre e umas árvores em redor de um caminho serviam-lhe perfeitamente para fazer as suas composições, porque o que este artista procurava, eram sobretudo os efeitos da luz. Gostava de representar paisagens campestres ao crepúsculo, ao luar ou em tempo de neve. E as suas melhores obras são precisamente aquelas em que o artista esquece os pormenores pitorescos, como as figuras humanas e apresenta paisagens despojadas, onde só a luz interessa e que transmitem uma ideia de solidão.
Esta estampa foi executada muito mais tarde por Jacques-Philippe Le Bas (1707-1783), impressor gravador parisiense e um dos mais famosos do seu tempo. Tornou-se membro da Academia Real das Artes em 1743 e em 1750 recebeu o título de gravador real e a sua oficina era procurada por aprendizes vindos de toda a Europa.
Este senhor, Jacques-Philippe Le Bas, executou também gravuras das destruições do terramoto de Lisboa, que se tornaram célebres em toda a Europa, especialmente em Portugal. O Museu da Cidade tem uns quantos exemplares de estampas deste gravador.
Gravura sobre as destruições do grande sismo de Lisboa por Le Bas |
A gravura apresenta também uma espécie de adágio final, acerca das virtudes dos camponeses em comparação com as dos cortesãos.
Deixo-vos com o plat pays qui est le mien, que deve ser a banda sonora recomendada para acompanhar esta gravura.
Olá Luís
ResponderEliminarDe facto tem demonstrado ser um amante de gravuras, aliado ao gosto em as descobrir nas feiras, apaixona-se,logo as estuda,investiga na net, apesar do tom do ciel si gris...
Um lado muito intelectual e sensivel, só pertença de alguns!
Adorei o remate do post com a canção de Jacques Brel, num repente fez-me lembrar uma noite a peça que assisti no teatro Trindade sobre a sua vida, o ator um dos meus eleitos já falecido,Mário Viegas. Obrigada por me ter lembrado dele, eloquente tal como a voz de Brel...forte, sonante, arrepiante!
Beijos
Isabel
Cara Isabel
ResponderEliminarO céu cinzento da Flandres pedia a música do Brel desesperadamente. Gosto muito de Brel. Ouço-o vezes sem conta.
Para quem não pode ter bons quadros a óleo originais, as gravuras são uma boa opção. Podemos comprar a um preço módico orginais dos Século XIX, XVIII e até com sorte do XVII.
Beijos
Olá Luís
ResponderEliminarPassear sob o céu cinzento de Paris, num dia de Outono,não muito frio e relembrar as canções da Françoise Hardy é também nostálgico e traz recordações da juventude... Para mim um pouco mais longínqua.
Obrigada pelos seus comentários sempre tão pertinentes e sabedores.
if
Mais um post daqueles...de arrasar!!!
ResponderEliminarAdorei a descrição que fez da sua gravura e todo o contexto em que a cena foi criada e gravada, resultado de uma pesquisa certamente muito bem conduzida já que conseguiu obter todos estes dados.
Este céu assim carregado assemelha-se muito ao que tenho hoje aqui, por isso a canção de Brel tem tudo a ver com o ambiente em que estou a escrever e em que me deixei deliciar por ela.
A morte prematura deste homem foi um tremendo desperdício, mas assim escapou à velhice e à decadência, porq se fosse vivo teria agora a idade do meu pai e não teríamos dele a imagem bela e romântica q ainda guardamos.
"Ne me quittes pas" é um verdadeiro estrondo, mas desde q vi o seu post não me sai da cabeça "Dans le port d'Amsterdam" q adoro e tenho q ir ouvir a seguir...
Obrigada por este momento.
Muito obrigado pelo seu comentário, cara Maria Andrade
ResponderEliminarAqui em Lisboa, temos normalmente um tempo tão bom, que nós esquecemos que a Norte do Mondego os céus são por vezes tão cinzentos, que é preciso perdoa-los.
Acho uma graça imensa a este trabalho de descortinar tudo o que está por detrás de uma gravura, o tema, o autor, o gravador e o editor. É como montar puzzles, mas mais gratificante.
E depois toda esta gravura pedia a música de Brel, que tornou os dias cinzentos e chuvosos da Flandres, da Holanda e da cidade de Amesterdão plenos de poesia. Já aqui se escreveu sobre como certas obras pictóricas estão cheias de música e esta é uma delas.
Abraços e bom fim-de-semana
A minha irmã, não obstante seguidora tua, seguramente não deixará comentário, mas, por ela, quero agradecer à Maria Isabel os parabéns que lhe foram endereçados.
ResponderEliminarQuanto ao teu post.
Não foi por acaso que a temática da paisagem foi, no séculos XVI e XVII, elevada à categoria de pintura de género aqui mesmo nesta região, sobretudo nos Países Baixos, com Hobema e Ruisdael, para só citar alguns cuja pintura me toca mais de próximo.
O cuidado pelo pormenor, o estudo dos céus, a observação cuidada dos cambiantes atmosféricos, a própria cor do ambiente é captada de forma perfeitamente espantosa pelos artistas desta região.
Mais tarde, já mais próximo do XIX, o género continuou a ser desenvolvido no Norte, como por exemplo os ingleses Constable e Turner e até alguns alemães que me dão algum prazer ter debaixo de olho, lembro-me de C. D. Friedrich... sempre os céus e as paisagens do Norte!
Claro que a serenidade do clima dos países do sul, com os céus sempre mais tranquilos e uniformes não ajudaram lá muito ao desenvolvimento da temática!
Gostei muito do teu texto, que é algo poético, terminando, claro, com um dos cantores de eleição, o Brel!
E a lembrança do "Ne me quittes pas" e "Dans le port d'Amsterdam", duas composições intemporais, continuam a fazer-me ficar meio eléctrico; por mais que passe o tempo, estarão sempre a influenciar as gerações, ou pelo menos assim o espero eu!
As coisas boas têm essa característica, não estão sujeitas às modas.
Um bom final de semana
Manel
Tenho um exemplar de mesa Brevete SGDG, em uma estrutura que parece marmore Carrara, que deve ter mais de 150anos. Onde posso consultar este relógio?
ResponderEliminarCaro Desconhecido(a)
EliminarProvavelmente o melhor é encher-se paciência e pesquisar no google, por exemplo "pendule français Brevete SGDG2 e por tentativas encontrar qualquer coisa idêntica. o relógio não apresenta mais marcas?
Um abraço
Em todo o caso o Brevete SGDG foi introduzido em 1844 e o seu relógio é posterior ou igual a essa data
Eliminar