sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Prato de faiança portuguesa marcado SL



Esta semana continuo a apresentar algumas das velharias do meu amigo Manel. Desta vez é um prato do século XIX, mas que tem uma particularidade rara na faiança portuguesa: está marcado e inequivocamente! Apresenta no verso as iniciais SL, dentro de um círculo e não um borrãozito qualquer, que alguns amantes da faiança, vítimas do seu próprio optimismo, insistem em tomar por marca. Mas, apesar de marcado a atribuição não é clara.


Segundo o Dicionário de marcas de faiança e porcelana portuguesas- Lisboa: Estar Editora,1996 estas iniciais são uma marca de Fabrico de Miragaia. Contudo do catálogo da exposição Fábrica de Louça de Miragaia. Lisboa: IMC, 2008 que discrimina todas as marcas usadas pela fábrica Rocha Soares, não constam as letras S.L.


O José Queiroz na obra Marcas de cerâmica portuguesa. Aveiro. Estar Editora, 1987 também não atribui estas iniciais a Miragaia.


Portanto já são dois contra um e podemos excluir a hipótese de Miragaia. De facto, vi a exposição no Porto sobre esta fábrica portuense e não havia lá nada semelhante.



Nesse mesmo livro, José Queiroz adianta que essa marca foi usada na primeira metade do século XIX e eu concordo, que deve ser dessa época, pois a decoração em grinaldas do prato é muito típica das artes decorativas das primeiras décadas de oitocentos. O mesmo autor adiante ainda que é uma marca de uma fábrica de Lisboa ou das suas cercanias.

Mas que fábrica?

Comecei a pensar que nesta rede de blogs temos discutido muito se as faianças são do Porto, Coimbra, Viana ou Estremoz e a esquecermo-nos da capital do País, Lisboa, que no século XIX era a cidade com mais manufacturas, com mais poder económico e onde estava o conhecimento tecnológico. E na primeira metade século XIX houve muitas fábricas em Lisboa para além do Rato (encerrada em 1834), cujas marcas estão sobejamente estudadas e das quais esta não consta. Existiu a Bica do Sapato, que fechou em 1818, mas a produção é muito sofisticada, muito neo-clássica e nada tem a ver com este prato.


Para além destas, quase uma dúzia de fábricas laboram em Lisboa, entre 1800 e 1850 e poderiam ter fabricado este prato, mas tirando uma outra, com a cerâmica Constância, fundada em 1836, ou a Viúva Lamego (1849) pouco ou nada conhecemos delas, tais como a Fábrica do Mestre Miguel (1847), a Fábrica da Travessa do Pé de Ferro (1813), a Fábrica de Loiça da Calçada do Monte (activa ainda em 1833), a Fábrica do Largo das Olarias (que funcionava ainda em 1878), a Fábrica da Abrigada ou a Fábrica da Roseira, famosa pelos azulejos, mas que também se dedicou à loiça.


Todas estas manufacturas, que José Queirós menciona na sua obra a Cerâmica portuguesa, são possíveis candidatas à paternidade deste belo prato. Eu não me vou pronunciar sobre a sua maternidade ou paternidade, porque muitas vezes, tal como na vida, não se conseguem tirar conclusões e apenas sentimos dúvidas.

11 comentários:

  1. Um dia há de se saber de quem foi esta marca, tenha certeza! Quem sabe alguém, num golpe de sorte, não traz aqui uma resposta.
    Independente de paternidade e maternidade, é uma peça extremamente graciosa, e parabenizo o Manel por mais esta beleza em sua coleção, e a você, Luis, por nos mostrar as fotos, junto a um texto instrutivo e agradável.
    abraços!

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  2. Luís, confesso-lhe que se visse este prato à venda – um azul lindo e uma decoração floral de muito bom gosto como eram em geral as neoclássicas – imaginaria que era muito mais recente, da 1ª metade do XX e não do XIX.
    No entanto, depois de ler o seu texto, também não tenho qualquer dúvida de que esta é a marca nº 632 da secção de marcas do José Queirós e isso é um grande avanço. Por enquanto não se conhece o fabrico, mas já se circunscreve a zona – Lisboa ou suas cercanias - e fica-se a saber a data aproximada.
    Quem me dera ter estas certezas em relação a muitas peças que tenho cá em casa. Nem o José Queirós me vale!
    Felicito o Manel por mais esta bela peça.
    Abraços

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  3. Agradeço ao Fábio as suas palavras simpáticas, e adoraria que isso acontecesse, que alguém, num golpe de sorte, identificasse esta marca.
    Já dquirir este prato há vários anos atrás, foi sujeito a restauro, pois a beleza da peça merecia-o (segundo o vendedor, seria uma peça proveniente do leilão Capucho, e tinha sido ele a adquiri-la ..., sou obrigado a aceitar, mas não sem algumas reservas; não seria um subterfúgio para aumentar o preço da peça?).
    Fiquei completamente tomado pela beleza dele assim que o vi, apesar de balançar um pouco devido ao preço por que era vendido, mas, depois de um abatimento substancial, lá veio comigo.

    Quanto à marca que apresenta só é identificada como sendo de Miragaia, no dicionário de Marcas de Faiança e Porcelana Portuguesas, de Filomena Simas e Sónia Isidro, mas em mais nenhum local, pelo que não me parece plausível que realmente o seja.
    De onde será? Não faço nem ideia, nem o José Queiroz a conseguiu identificar.
    Aliás, quando mostrei o Dicionário ao vendedor que me vendeu este prato, ele disse-me logo que seguramente deveria ser erro do Dicionário, pois mostrou-me de imediato o livro de José Queiroz que a dá como sendo uma marca de uma fábrica de Lisboa e não do Porto.
    É terrível que nem sequer as marcas existentes são conhecidas de forma inequívoca!!!
    Quando não há marcas, temos desculpa, pois é o salve-se quem puder ... pode ser do Porto, pode ser de Coimbra ... pode ser daqui e dali, e lá vamos tentando classificar por semelhanças de colorido, desenho, pasta ou vidrado; se existe uma marca, continuamos a não saber donde é!
    Afinal as marcas também não estão igualmente estudadas.
    Quanto trabalho nos espera, e sem ter qualquer segurança de ser concludente.
    Rigoroso sê-lo-á com certeza, pois quer o Luís, quer a Maria Andrade são extremamente rigorosos nas suas atribuições, e confio plenamente nas suas conclusões, ou falta delas.
    Seja lá o que for, é muito belo e vejo-me muitas vezes a contemplá-lo e a imaginar a qualidade da criatividade dos nossos ceramistas de épocas passadas.
    Prefiro não me pronunciar sobre os de hoje, pois não conheço assim tanto sobre o que vão fazendo, e aquilo que vejo não me seduz minimamente - sei que tenho um gosto tradicionalista e algo unidirecional, e a isto se deve, em parte, esta falta de apreço pelo que vou vendo a produzir-se hoje em dia, porque, quiçá sob outros olhos menos inclementes e mais sábios, estou certo que será igualmente bom e digno de nota o que se vai fazendo agora.
    Manel

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  4. Agradeço também à Maria Andrade as suas bonitas palavras. Concordo com a sua apreciação.
    Manel

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  5. Caro Fábio

    Obrigado pelo teu comentário.

    Julgo que na identificação das faianças há que ter paciência e esperar. Um dia, ao desfolharmos um livro aparece-nos uma peça igual ou alguém passando aqui no blog dá a resposta que se procurava há muito tempo.

    Um abraço

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  6. Maria Andrade

    A faiança portuguesa é sempre uma fonte de mistérios, ainda quando está marcada. No entanto, ao escrevermos estes posts vamos arrumando as ideias, fazendo comparações e classificando o que é possível classificar. Mas, muitas são as peças que ficam por classificar, guardando o seu mistério.


    Abraços

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  7. Manel

    Este post é também uma forma de introduzir o tema da faiança lisboeta nas discussões que aqui se formam. Julgo que uma vez,ao visitarmos uma exposição, tinhamos os dois conversado que não se sabia nada sobre faiança Lisboeta, sobretudo da primeira metade do Séc. XIX.

    Agradeço-te teres-me deixado reproduzir aqui o teu prato

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  8. Luis, existe um prato lá para cima no meu sotão com esta marca, nao sei precisar a decoração em si mas tambem é em azul... agora em que caixa é que ele se encontra para o procurar é que não é tão facil de me lembrar...:-)
    Vi me obrigada a encaixotar muita coisa e a arrumar no sotão para não correr o risco de partir com a "espera" a estão sujeitas com a mudança de rumo! Quiçá por quanto tempo!!!...
    Cumprimentos para o Luis e para o Manel.

    Marília Marques

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    1. Cara Marília

      É pena não descobrir esse seu prato. Seria interessante compara-lo com este e talvez se chegasse a alguma conclusão.

      Bjos

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  9. Cumprimentos para a Marília.
    Também lhe digo que teria sido bom poder comparar com o seu prato Marília, mas percebo que as coisas encaixotadas têm o condão de se fazerem esconder quanto mais delas necessitamos.
    Deixe lá Marília, um dia, se der com a caixa certa, e com a peça em questão, será então um prazer poder compará-las.
    Agradável poder contar consigo por cá, ainda que por razões menos boas
    Manel

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