sexta-feira, 30 de julho de 2010

Concha em faiança


Nas exposições de faiança que visitei recentemente, fiquei sempre com o nariz colado às vitrines onde se expunham as terrinas com a concha do mesmo motivo, cobiçando-as quase ao ponto de embaciar o vidro.

As conchas das terrinas e das molheiras em louça são raras. São sempre as primeiras peças do conjunto a partirem-se. As criadas brutamontes, as donas-de-casa desastradas e as filhas desajeitadas destruiram raivosamente estas peças frágeis e muito poucas chegaram aos nossos dias.

Consegui apanhar esta na feira de Algés e não consegui resistir ao seu encanto. É de pequenas dimensões e julgo que será mais a concha de uma molheira. Naturalmente não está marcada. O tipo de decoração não me parece saído das fábricas portuguesas que produziram faiança com a técnica transfer way, ou seja, Sacavém e Massarelos. O mais certo é ser de origem inglesa. No entanto, nestas coisas, é sempre bom deixar uma margem para a dúvida, pois amanhã poderei vir a descobrir que é portuguesinha da costa. Seja lá o que ela for, inglesa, francesa ou portuguesa, a pequena concha é um encanto

Claro, a peça seria mais valiosa, se estivesse acompanhada da respectiva molheira, mas Hélas, só consegui a concha. Pode ser que um dia, através de um golpe de sorte, consiga comprar um conjunto completo por bom preço

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Rue de Rivoli, gravura pelos irmãos Rouargue


Na Feira de Algés apanhei esta bela gravura de Paris, onde reconheci de imediato a Rue Rivoli, apesar duma tira de papel que lhe tapava a legenda, posta para disfarçar uma mancha de humidade, conforme pude descobrir, quando em casa a desencaixilhei.

Sempre gostei de Paris e confesso-me um bocadinho francófilo. Não que seja deslumbrado pela França ou que tenha vergonha pertencer a um País pouco desenvolvido como o nosso. Nada disso! Aprecio a o espírito e o brilho da cultura francesa e encanta-me o urbanismo de Paris, cujo reflexo podemos encontrar por toda a Europa, de Lisboa a Bucareste. Cláudio Magris, na sua obra de viagens inesquecível, o Danúbio, descreve Paris como o arquétipo platónico, que todas as cidades do Leste europeu imitaram nos finais do século XIX e princípios do século XX. Referia com muita graça, que a medida que se caminha para o Oriente e a imagem do arquétipo parisiense se desvanece, os prédios tornam-se mais opulentos, as cariátides mais ornamentadas, e a decoração mais delirante. Tive ocasião de visitar Budapeste e há zonas da cidade como o Octógono e a Avenida Andrassy que são interpretações magiares de Paris. Também em Praga, a avenida mais chique e com prédios de decoração mais opulenta, datados do início do século XX é significativamente a Pariska.

Demorei alguns anos a aperceber-me da influência do urbanismo parisiense na Europa e creio que é por isso, que cada vez mais aprecio a cidade, nas poucas ocasiões em que tenho dinheiro para lá ir.

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Voltando a gravura, fiz algumas pesquisas na net e julgo que será datada entre 1830 e 1840 e talvez a fizesse parte duma colecção como a Histoire et Monuments de Paris, de que encontrei um exemplar da mesma temática à venda no site http://www.french-engravings.com/, representando uma fonte na Rue de Grenelles. Esta última foi impressa em 1836

Os irmãos Rouargue (Emile Rouargue: Paris, 1795 - Epone, 1865 ; Adolphe Rouargue: Paris, 1810 - morto depois 1870) foram gravadores parisienses muito populares, que se especializaram em álbuns de viagens, com vistas de monumentos, cidades e paisagens, de França, Europa e África

Descobri na net uma gravura destes mesmos irmãos sobre um circo em ruínas na Argélia, que recorda os desenhos de Piranesi e o fascínio que este tinha pelas ruínas clássicas.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Cobras e lagartos na Penha de França, em Lisboa

Passei pela Penha de França, numa breve peregrinação à cobra e ao lagarto que celebrizam esta freguesia de Lisboa. Passei primeiro por casa do meu amigo Manel, que mora numa andar com vista para a Igreja acima referida e talvez por isso, ou talvez porque o contagiei na minha mania coleccionadora de registos de santos, tem uma bela gravura do século XVIII, representando Nossa Senhora da Penha de França, no seu milagre mais célebre.
Nossa Senhora da Penha de França

Nossa Senhora da Penha é uma devoção importada de Espanha, da região de Salamanca, mas cujo culto em Portugal só teve verdadeiro significado depois da construção da igreja da Penha de França, aqui em Lisboa. O Templo foi erguido em resultado da promessa dum escultor, António Simões, um dos poucos sobreviventes da batalha de Alcácer Quibir, que segundo ele se deveu ao aparecimento dum lagarto, que o salvou duma cobra.

Vemos neste Registo o António Simões, que parece dormir e Nossa Senhora da Penha de França, vestida ricamente, e executando o milagre e por último, o lagarto, que mais parece atacar o homem do que tendo intenção de o salvar. A Serpente da lenda não é representada.
Logo mais abaixo, ali na rua Heliodoro Salgado, uma porta da rua de um bonito prédio do início do século XX, apresenta a serpente em falta na gravura do Manel. Não sei se esse animal terá a ver com a história do milagre da Penha de França ou com a profissão do proprietário do prédio, um médico ou um farmacêutico. A serpente é um dos símbolos da medicina e farmácia, por causa do antigo deus romano Mercúrio, cujo atributo era uma espécie de bastão com duas serpentes entrelaçadas.

Seja lá o que for o seu significado, a porta é lindíssima e ainda bem que os seus proprietários nunca a mandaram substituir por uma dessas coisas de alumínio. A porta é também um cumprimento à Maria Gabela, uma das seguidoras deste blog, que também aprecia portas antigas e os segredos que elas deixam entrever

sexta-feira, 23 de julho de 2010

A contemplação da decadência


Hoje, sem grande assunto para escrever sobre seja o que for, resolvi apresentar duas fotografias do solar de Outeiro seco, que mostram o mesmo lado da casa, a primeira é uma fotografia de grupo com toda a família, no tempo em que esta a habitava e a segunda (http://chaves.blogs.sapo.pt/) é tirada nos dias de hoje, com a casa abandonada, esventrada e a escadaria em ruínas, com as cantarias que a compunham pilhadas e desaparecidas.


Por vezes interrogo-me porque escrevo tanto sobre Outeiro Seco, uma casa que conheci numa infância remota ou numas visitas fugazes na adolescência. Sem dúvida terá a ver com o prazer que sempre experimentei em ouvir as histórias do passado, contadas vezes sem conta pelo meu pai. As imagens e as histórias que o passado faz despertar em nós são uma saborosa fuga a realidade, uma forma de romantismo. Aliás não é por acaso que o movimento romântico do século XIX é o grande impulsionador dos estudos históricos por toda a Europa.



Piranesi, Arco de Tito, 1756-57



Por outro lado, por muito que nos doa ver velhas casas fidalgas abandonadas por todo o País, em risco de ruir, não há dúvida que há um certo prazer na contemplação da ruína e da decadência. No Século XVIII o artista italiano Giovanni Battista Piranesi (1720-1178) celebrizou-se por toda a Europa com as suas gravuras de templos romanos derrocados, mausoléus pilhados, esculturas partidas e todo um mundo antigo abandonado e invadido por vegetação. As suas veduttas ou vistas, que eram uma espécie de postais ilustrados da época sobre Roma e a Itália, popularizam-se pela Europa fora, de mal maneira, que se tornou moda nos jardins das grandes casas aristocráticas, construir falsas ruínas e enche-las de hera, para que os seus proprietários pudessem imaginar que contemplavam os vestígios grandiosos duma vila romana ou de uma abadia medieval, saqueada pelos vikings ou cavaleiros muçulmanos. Com o movimento romântico, no século XIX, a ruína tornou-se praticamente um ideal de beleza. Por exemplo, nesse período, em Portugal, optou-se por não reconstruir o Convento do Carmo, em Lisboa, deixando o corpo das naves da igreja a céu aberto e criando, assim, um idílico cenário de ruína, ao gosto do estetas oitocentistas e que ainda hoje encanta os visitantes.


Piranesi, vista do Túmulo na Via Ápia


Talvez o gosto pela ruína seja um sentimento semelhante ao que os poetas experimentam quando se abandonam à tristeza nos seus sonetos.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Mais azulejos do Século XVIII

Este pequeno painel de azulejos foi comprado numa fase em que andava mais ou descontrolado com a azulejaria. Na feira-da-ladra já evitava aproximar-me de alguns vendedores com medo de cometer disparates. que saíssem muito caros ao bolso. Hoje, com a crise, estou mais poupado e ando mais pelos contentores das obras, aproveitando restos das demolições. Um dia destes despeço-me e vou viver a apanhar azulejos e madeiras antigas e vende-los no chão da feira-da-ladra. Enfim, já estou a dispersar-me como a Maria Isabel e é melhor voltar aos azulejos.


Embora seja sempre difícil datar azulejos, pois o mesmo motivo, se tivesse êxito junto da clientela seria fabricado por muitos anos, julgo que este pequeno painel será datado da primeira metade do século XVIII, portanto é anterior ao período pombalino, em que a produção de azulejos cresce exponencialmente, para fazer face à procura dos reconstrutores de Lisboa. Encontrei duas quadras no Museu Nacional do Azulejo, idênticas ao meu painel, uma com o inventário 5734 (foto superior) e outra com o inventário 5039 (imagem inferior) e que estão datadas como sendo dos primeiros vinte e cinco anos do século XVIII.


Parte do catálogo do Museu Nacional do Azulejo está acessível no site das colecções nacionais, em http://www.matriznet.ipmuseus.pt/ , que apesar das limitações de pesquisa, dá sempre muito jeito para irmos identificando as peças.

Deste meu pequeno painel, encanta-me o facto de a cor dominante ser o azul-escuro e os desenhos serem a branco. É como se fosse uma imagem em negativo do habitual esquema do desenho a azul sobre fundo branco.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

As alminhas do Purgatório em azulejos

Há uns bons 4 ou 5 anos passei por Óbidos, que é sempre aquela terra que nos faz esquecer que o património arquitectónico é mal tratado em Portugal e vi umas alminhas do século XVIII lindas, numa daquelas casas antigas. O Manuel fotografou-a e fiquei com a imagem em arquivo (foto superior), pensando sempre que um dia conseguiria comprar por um bom preço na feira-da-ladra um azulejo ou painel de azulejos das alminhas, num daqueles golpes de sorte, que acontecem 10 em 10 anos. Mas, como dizem os franceses, Hélas!, pois essas oportunidades raramente surgem e lá fiquei eu a sonhar com alminhas para a minha casa.

Depois, um dia a caminho da Feira-da-ladra, na Rua de S. Vicente descobri, que uma antiga farmácia, que eu conhecia do tempo em ali morei, era agora uma oficina de cerâmica especializada em réplicas de faiança e azulejos antigos, mas também recriações contemporâneas destas duas artes, que em Portugal foram absolutamente fervilhantes. A dona da oficina, a Cristina Pina é uma simpatia e as visitas à loja dela tornaram-se motivo para amena cavaqueira sobre azulejaria e faiança. A Cristina descreve os processos químicos com que restaura, ao mesmo tempo que nos mostra como se invertem os mesmos processos para dar um ar envelhecido às peças. Numa dessas conversas descobrimos que adorávamos as alminhas do Purgatório e então ofereci-me para lhe dar a minha fotografia para ela executar uma réplica, um dia que tivesse tempo.

Foi passando o tempo e fui-me também interessando pelo significado das alminhas do Purgatório e do que queriam dizer as siglas que as acompanhavam: PNAM.

As alminhas existem espalhadas por quase todo o País e encontram-se normalmente em encruzilhadas e às saídas das terras. Representam umas alminhas no meio das chamas e são acompanhadas pelas siglas PNAM.

Segundo uma certa ideia não confirmada, o culto das alminhas terá tido origem em rituais pagãos, nomeadamente nos deuses das encruzilhadas, os Lares Compitales dos romanos, que se acreditava protegerem os viajantes.

No entanto, o dogma que dá origem a este culto, de que existia um purgatório onde ficavam a arder as almas pecadoras, mas não o suficiente para irem direitas para o inferno, só foi definido na Contra-Reforma, em particular depois do Concílio de Trento, em 1563. Mas o que é mais curioso neste culto é que se acreditava, que pela oração dos fieis se podia alterar este estado de coisas e fazer transitar as almas do Purgatório para o céu.

Não há afinal uma relação directa entre os Lares Compitales dos romanos e as Alminhas do Purgatório. Uns são deuses que protegem os caminhos e os viajantes, outros são objectos de culto em que os vivos intercedem pelos mortos através da oração. As Alminhas serviam para as pessoas se lembrarem que esta vida é um caminho e como tal, quando passavam junto destas, paravam para orar pelos que no purgatório esperam que o arcanjo São Miguel os leve para o céu, conforme se pode ler nas inscrições características:

- Ó vós que ides passando / Lembrai-vos de nós que estamos penando / P.N.A.M.;
- Pelas almas do Purgatório / Padre Nosso / Avé Maria;
- Nós penamos e vós zombareis / Mas lembrai-vos que em breve como nós sereis.


A relação entre os culto aos deuses Compitales e as alminhas talvez seja precisamente a ideia de caminho e de viagem. O primeiro culto protegia uma viagem mais prosaica de um ponto até o outro da terra e o segundo culto era relativo a um caminho no além.


O culto das Alminhas aparece muitas vezes associado a S. Miguel arcanjo (imagem superior da colecção da Sociedade Martins Sarmento), o anjo do arrependimento e da justiça, representado muitas vezes com uma balança, onde se vêem alminhas a serem pesadas. O grande especialista em iconografia cristã, Louis Reaud afirma que esta forma de representar S. Miguel foi introduzida na arte pelos cristãos egípcios, que mais não fizeram, do que reproduzir a imagem do Deus Anúbis. Acreditava-se que S. Miguel podia resgatar e transportar as almas do Purgatório.



S. Miguel Arcanjo com a balança para pesar as almas. Museu de Alberto Sampaio, Guimarães


Finalmente, Nossa Senhora do Carmo, com o seu escapulário é outro culto associado às alminhas, conforme se pode ver no painel do Museu Nacional do Azulejo, inv 6111 . Recorria-se à Virgem que podia interceder pelas almas penadas, sobretudo se envergasse o escapulário, que se julgava ter virtudes especialíssimas. Por exemplo, os membros das confrarias carmelitas acreditavam que se envergassem o escapulário na hora da morte seriam resgatados do Purgatório por Nossa Senhora do Carmo, logo após o seu falecimento.

Em suma, rezando um Padre-nosso, Ave-maria (PNAM) cada vez que se via um destes painéis de azulejos resolvia-se o problema das alminhas penantes.

Há cerca de duas ou três semanas, depois de uma longa espera, o Manel passou pela oficina da Cristina Pina a S.Vicente e a minha réplica do azulejo de Óbidos estava pronta. A cópia está tão bem feita, que o azulejo apresenta a superfície ondulada e bolhas estaladas como os antigos vidrados. As alminhas já encontraram lugar na parede da minha sala e todos os dias me recordam que somos meros passageiros em trânsito num mundo abandonado por Deus.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

As pedras de Bezoar

A primeira vez que vi uma pedra de bezoar, tinha eu uns 19 anos e foi na XVIIª Exposição de Arte Ciência e Cultura, no Museu Nacional de Arte Antiga. Fiquei completamente fascinado com aqueles objectos estranhos, umas espécies de seixos de rio irregulares e brutais, envoltos na mais delicada filigrana de ouro, num contraste, que parecia obra do mais moderno e irreverente joalheiro parisiense ou Nova-iorquino. Depois, aproximei-me mais do expositor, li a respectiva legenda e percebi que aquilo não era propriamente uma pedra, mas antes uma espécie de cálculo ou concreção, encontrada no intestino, principalmente dos ruminantes. Enfim, uma coisa mais ou menos semelhante à pedra dos rins.

Os bezoares tem origem na Índia e acreditava-se que eram poderosos antídotos contra venenos e melancolias. Por essa razão, apresentam normalmente uma argola no topo, que servia para suspende-los por uma corrente e mergulha-los no líquido suspeito de conter veneno. Eram sobretudo característicos de Goa e tiveram uma aceitação enorme na Europa, onde foram trazidos pelos portugueses no tempo dos Descobrimentos. As realezas europeias não passavam sem estas espécies de amuletos Por exemplo, a nossa D. Catarina, mulher do D. João III ofereceu um Bezoar ao seu querido irmão, o imperador Carlos V. A D. Catarina de Bragança, aquela que casou com o rei inglês Carlos II, após a sua morte, deixou entre numerosos bens vários bezoares.

Os bezoares por vezes eram desfeitos, misturados com outras substâncias e usados também como medicamentos. Os jesuítas de Goa especializaram-se no seu fabrico. Voltei encontrar os bezoares na exposição Exótica, apresentada no Museu Calouste Gulbenkian, entre 17 de Outubro de 2001 e 6 de Janeiro de 2002 e achei-os tão sedutores como da primeira vez. Depois, outra vez no Museu Nacional de Arte Antiga pude-me aproximar deles na exposição Encompassing the Globe. A maioria deles estão em Viena, no Kunsthistoriches Museum (as peças fotografadas são desse Museu) e estou sempre à espera que regressem a Lisboa e pode ser que um dia qualquer, no futuro, eu possa acariciar um com a mão e sentir a poderosa força que emana deles.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Painel de azulejos seiscentista no Cercal, Concelho de Azambuja



No passado fim-de-semana andei pela zona de Alcoentre, Cadaval e Bombarral e no Cercal descobri na fachada da igreja paroquial este painel de azulejos do século XVII, com a inscrição Lovvado seia o Santicimo Sacramento, 1664. Achei os azulejos tão bonitos, que, entusiasmado fui para o google pesquisar sobre esta igreja paroquial, cujo orago parece ser S. Vicente e claro que não encontrei nada de nada. O site da Câmara Municipal da Azambuja é omisso e parece que ninguém nestas terras se importa muito com o seu património ou informar os raros turistas, que por aqui passam.
Encontrei informações mais pertinentes no site http://www.monumentos.pt/. A igreja foi toda ela erguida no século XVII, portanto é um conjunto coerente e no seu interior apresenta também estupendos azulejos do mesmo século, quer nas paredes laterais, quer no tecto abobadado, onde está também representado um Santíssimo Sacramento. Infelizmente não tive tempo para entrar e a foto é extraída do http://www.monumentos.pt/
No Museu Nacional do Azulejo existe um painel semelhante, com o nº de inventário 191 e intitulado Alegoria Eucarística, cuja imagem encontrei no http://www.matrizpix.imc-ip.pt/

Passei então para a Wikipédia procurar informações sobre o Santíssimo Sacramento e descobri que é o nome dado à eucaristia ou comunhão, que é um dos sete sacramentos reconhecidos pela teologia Católica e é em si mesmo objecto de um culto, com um dia especial.

Pela comunhão os católicos acreditam receber o corpo de Cristo, num milagre ou fenómeno que recebe o complicado nome de transubstanciação, que quer dizer mais ou menos, o seguinte, durante esse ritual, o pão e o vinho, mantêm a mesma aparência, porém a sua substância modifica-se, passando a ser o próprio corpo e sangue de Cristo.

No painel de azulejos vemos 6 anjos venerando o Ostensório, ou custódia, que é aquela peça de ourivesaria que está no centro, e que é usada para expor solenemente a hóstia consagrada sobre o altar ou para a transportar solenemente nas Procissões do Santíssimo.

Esta é a explicação iconográfica possível para este painel de azulejos e espero que não haja nenhum padre ou religiosa a ler-me, pois sou capaz de ter escrito alguma terrível incorrecção ou uma heresia qualquer.

A existência destes azulejos em azuis e amarelos, cores tão típicas do século XVII, nesta igrejinha no Cercal prova bem aquilo que venho dizendo há muito tempo. Qualquer igreja ou capela de uma aldeia perdida portuguesa tem um património digno de figurar em qualquer museu, ou porque tem imagens de grande qualidade, ou uma talha dourada fantástica, muito boa azulejaria e ourivesaria.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O gabinete de curiosidades ou o Museu do Solar de Outeiro Seco

Ainda pouco mencionei aqui um dos aspectos mais curiosos do Solar dos Montalvões em Outeiro Seco, que era a existência de uma sala, a que a família designava por museu. Situava-se no lado poente da casa (Nº 43 da Planta), na fachada nobre e comunicava com o coro da capela particular da casa. A sua fundação deve-se ao meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio, um homem muito erudito, sobre quem já escrevi, mas mais sobre os aspectos da sua vida pessoal, nomeadamente os amores com a minha trisavô, que apesar dos cerca de 130 anos, que já passaram desde esse tempo, continuam incompreendidos.


Não era bem um museu na acepção que lhe damos hoje, de uma instituição proprietária de um conjunto de colecções coerente, pelas quais zela pela conservação e pela sua apresentação ao público de uma forma didáctica. Na verdade, o que existia naquela sala era aquilo que no passado se designava por um gabinete de curiosidades. Estes Gabinetes começaram a ser formados por monarcas, papas e príncipes europeus no Renascimento e eram colecções de coisas curiosas como o próprio nome indica, das quais podiam constar uma concha rara proveniente dos mares do sul, moedas romanas, uma série de gemas valiosas, jóias antigas ou modernas e um capitel romano ao lado dum manuscrito antigo e de um fóssil. Essas colecções não pretendiam demonstrar a evolução das espécies através dos fósseis, nem mostrar como funcionava a economia em Roma. Queriam-se aqueles objectos para ser acariciados pelos seus proprietários e admirados pelos seus convidados. Claro, uma boa parte dos museus contemporâneos europeus teve origem nesses gabinetes de curiosidades, mas isso foi já muito mais tarde.


O que sabemos deste gabinete de curiosidades que estava no Solar de Outeiro Seco chegou-nos através das nossas próprias memórias (eu ainda me lembro dele e o meu pai melhor ainda), do filme que o meu pai fez no meados dos anos 60 e ainda a partir de um inventário sumário que a minha avó Maria do Espírito Santo (a Mimi) fez entre 1965 e 1974. A própria Grande Enciclopédia portuguesa e brasileira, Vol XXVI, Artigo SAMPAIO, Padre José Rodrigues Liberal de, refere pomposamente e de forma exagerada, que o meu trisavô transformou a sua casa numa biblioteca-museu das mais valiosas do País

Naturalmente que a colecção lá existente não foi toda adquirida pelo Padre Liberal Sampaio. Seriam peças há muito pertencentes à família, mas que estavam esquecidas nos sótãos, encafuadas em armários, desprezadas num canto ou a uso na cozinha e que ele, com a sua sensibilidade histórica se apercebeu do valor cultural e mandou colocar em lugar de destaque, num dos salões nobres da casa. Por exemplo, nesse inventário, refere-se uma grande tigela em faiança, marcada com a letra “R”, que a minha avô toma por loiça do Rato e que hoje sabemos que seria uma Miragaia genuína e que certamente terá sido mandada retirar da cozinha pelo meu trisavô.
Também no museu foram reunidas peças de arte sacra que antes seriam consideradas monos e que aqui ganharam destaque, como por exemplo este belo Cristo em marfim, mostrado na fotografia de cima, que me parece de feitura indo-portuguesa, e que descobri a sua imagem no filme.
Também deve ter sido esse o caso de um pequeno retábulo, certamente com origem oriental, representado o Menino, quatro santos (os Evangelhistas?), a Pomba e dois anjos em marfim e uma moldura doirada. Há pouco tempo na exposição Encompassing the Globe: Portugal and the world in the 16 th and 17 th century, que esteve em Wahington e em Lisboa mostraram-se várias peças semelhantes a este retábulo, provenientes da índia, do Ceilão e também da China. Uma delas, que apresento aqui pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga e tem o número de inventário 625 Esc.

No mesmo Museu aparece referenciado um Cristo Gótico que desperta a imaginação, mas não faço a menor ideia quem ficou com ele
Havia espalhadas por toda a sala do Museu muitas peças típicas das casas de militares e funcionários, que andaram pelas colónias da África e da Ásia, tais como peles de crocodilos e felinos selvagens, lanças e azagaias, que não correspondem em nada ao perfil do Padre Liberal Sampaio. Deveriam ser coisas trazidas por antepassados meus das antigas colónias, pois a família esteve tradicionalmente ligada às armas, nomeadamente à cavalaria.

Julgo que a principal contribuição do Padre Liberal Sampaio para este Gabinete de curiosidades foi a parte arqueológica, que era um dos seus grandes interesses intelectuais. Foi sócio da Academia das Ciências e da Sociedade de Arqueólogos. Escreveu muitos artigos sobre a temática para títulos da imprensa regional, como o Intransigente, Defensor de Chaves, Folha de Chaves e Era Nova. As vias romanas, os padrões miliários, a epigrafia romana e toponímia eram assuntos recorrentes da sua autoria, que se podem ler nesses periódicos. A presença romana em Chaves foi muito forte, a cidade foi fundada nessa época, a planta do centro deve ser dos melhores exemplos em Portugal do urbanismo romano com a Cardo e a Decumana a interceptarem-se e era pois natural que homem com grande curiosidade intelectual como o meu avô se tenha tentado a escrever e a investigar sobre esses abundantes achados arqueológicos, que apareciam cada vez que se escavava o subsolo. Mesmo na propriedade do Solar há vestígios arqueológicos, sepulturas paleo-cristãs e uns lagares que se acredita serem romanos. Provavelmente em resultado desses seus interesses é provável que muitas pessoas lhe viessem dar objectos que encontrassem nas suas terras, tais como machados de pedra polida (que podemos ver dispostos ao longo do fogão de sala), pontas de seta ou outros fragmentos e também moedas antigas. Aliás o meu bisavô fez uma colecção numismática muito boa, com moedas visigóticas inclusive, muitas espécies romanas e medievais, que se mantêm indivisa e pertence a um dos descendentes.
Em suma, este gabinete de curiosidades, em conjunto com a biblioteca demonstram bem o tipo de cultura do meu trisavô, o Liberal Sampaio, que era aquilo que no século XIX se designava por polígrafo, isto é um homem que era versado e escrevia sobre muitos assuntos, que iam desde direito à teologia, passando pela política, história, arqueologia, epigrafia e numismática.
Depois da morte dos meus bisavôs, os objectos do Museu foram partilhados entre os descendentes. A Casa foi vendida e onde era o museu ficou uma sala vazia, esventrada e vandalizada.
Fica o inventário manuscrito pela bela e angulosa letra da minha vô Mimi

Para ver o Inventário, cliquem neste link http://viewer.zoho.com/docs/tPn1h , demora um pouco a abrir, mas vale a pena. Se não o conseguirem abrir, aconselho-vos a fazerem save e poderão guarda-lo provisóriamente ou definitivamente.


A fotografia do Cristo em marfim é do nosso amigo Humberto Ferreira, que também localizou o seu proprietário, que gentilmente nos autorizou a sua reprodução, mas preferiu permanecer anónimo.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Pequeno capitel em talha dourada


Certo dia na Feira-da-ladra comprei em conjunto uma cafeteira de porcelana e este fragmento de talha dourada. A cafeteira, que mais tarde descobri que poderia ser de fabrico russo encontrou logo um lugar no louceiro lá de casa, mas o pequeno capitel andou perdido no meu apartamento minúsculo, uns bons dois anos sem encontrar nenhum sítio onde pudesse brilhar com os seus doirados. O pobre capitel estava também muito mutilado atrás e num dos lados e tinha que ser exposto de um modo tal, que tapasse um pouco as marcas do tempo, esse grande escultor, como diria a Crayencour, mais conhecida pelo anagrama Yourcenar.

Assim iam as coisas com o meu pobre e esquecido capitel, quando no final de 2009, fui visitar o esplêndido Museu Arqueológico de Córdova e vi espalhados pelas salas capitéis e capitéis magníficos. Uns eram romanos, outros visigodos, mas talvez os mais encantadores fossem os do período muçulmano. A exposição encontrada pelos técnicos do museu para estas peças, que originalmente sobrepunham colunas, foi muito feliz. Colocaram-nas sempre nas paredes à altura dos olhos ou então um pouco acima, tentado corresponder à posição original para as quais os capitéis foram concebidos. Fez-se então luz na minha cabeça e percebi que a solução era encontrar um local na minha casa minúscula, atafulhada de velharias, onde o capitel pudesse ser visto à altura dos olhos.

Depois de muitas experiências, decidi-me finalmente pelo local. Coloquei-lhe na parte de trás uma daquelas coisas que se põem nos quadros e pendurei-o no topo duma soleira de porta, encimando um conjunto de quadros com santinhos. Creio que o resultado foi bastante feliz. Não se notam muito as mazelas desta talha dourada e o capitel parece que coroa uma coluna cheia de pequenos quadros de santos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Mais uma gravura de Debrie, da colecção Elogios dos Reys de Portugal do nome João

O meu irmão foi muito simpático e cedeu-me umas das gravuras, que lhe calhou em herança da colecção dos reis de Portugal, no passado exposta na sala de estar do Solar de Outeiro Seco. Pelos exemplares, que pude ver, essa colecção era formada por gravuras dos nossos reis, retalhadas de diferentes manuais de história do século XVIII e portanto de uma qualidade muito desigual. Apesar dessa heterogeneidade, o resultado final deste conjunto na sala deveria ter alguma graça e sem dúvida um certo ar de nobreza. Pena é que no filme que o meu pai fez nos anos 60, não se consiga identificar estas gravuras. Deixo no entanto uma imagem da sala de estar do Solar de Outeiro Seco e a disposição das gravuras neste espaço fica ao critério da vossa imaginação.


A gravura em causa é o retrato do rei D. João II e tal como o D. João I, mostrado em anterior post, fazia parte da obra Joannes Portugalliae reges aduiuum expressi / Colamo P. Emmanuele Monteyro. - . Ulissipone : Typis Francisci da Sylva, 1742. - 240, [8] p. : il., grav. ; In-fol(34 cm).

O D. João I também da mesma colecção

As seis estampas deste livro foram assinadas por Guilherme Francisco Lourenço Debrie, (s.d-1755), ou para ser mais rigoroso, Guillaume François Laurent de Brié. Presumo que este senhor fosse francês ou originário da Flandres, aliás, como muitos outros editores e livreiros que se fixaram em Portugal. José Zephryno de Menezes Brum, na obra Estampas gravadas por Guilherme Debrie. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1908 refere que Debrie foi discípulo de Bernardo Picart(?) e que desenhou para muitos livreiros.

Este retrato de D. João II mostra o monarca a três quartos, vestido de armadura e na peanha, vê-se um grupo alegórico, composto pela justiça e a abundância, sentadas perto de um troféu de armas. No fundo descortina-se qualquer coisa onde José Zephryno de Menezes Brum, na obra Estampas gravadas por Guilherme Debrie consegue ver uma paisagem de Lisboa. Na minha gravura, que está bastante sumida, talvez por excesso de luz (a luz em demasia é fatal para os documentos gráficos), só consigo vislumbrar um grande veleiro do século XVIII.


A simbologia da peanha é por demais evidente. D. João II prepara e construí a extraordinária prosperidade, que os descobrimentos trouxeram ao nosso País, entre os finais do século XV e os meados do século XVI

No rodapé da gravura consigo ler umas letrinhas também muito sumidas, que dizem G. F. L. Debrie sculptor Regius inv. Et sculp 1743