quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Clarabóias de Chaves


Durante a minha infância passei muitas férias em Chaves. Ficava no apartamento de casa da minha avó Mimi e era um aborrecimento. A minha avó era daquelas pessoas que tinha uma casa cheia de coisas boas, mas hostil a crianças e a qualquer ideia de conforto. A sala estava fechada e só servia para as visitas, o quarto era de aparato e o escritório espartano, e nós os miúdos ficávamos assim como que feras enjauladas sem ter nenhum sítio para onde ir. A varanda das traseiras era um dos poucos refúgios onde podíamos fazer porcarias, como cuspir ou atirar molas da roupa aos gatos, que se passeavam cá em baixo nos quintais. Eu como sempre fui observador ficava também muito tempo a olhar as traseiras das casas da rua de Sto. António e sentia-me fascinado com as clarabóias, que se encontravam no alto dos telhados. Faziam um conjunto engraçadíssimo de pequenos castelos em vidro. Na altura não sabia que serviam para iluminar as escadas comuns dos prédios. Imaginava antes que eram umas janelas especiais, em forma de pequenos palácios a iluminar os quartos por cima e experimentava sempre um grande desejo de ser outro menino, que vivesse numa dessas casas antigas, onde poderia olhar o céu através daquelas caixas de vidro maravilhosas.

As imagens destas clarabóias ficaram de tal maneira gravadas nos meus olhos que para mim tornaram-se o ex-libris de Chaves. Claro, sei que a ponte romana de Trajano é o maior e mais bem conservado monumento romano em Portugal, mas quando me recordo de Chaves e da infância são as clarabóias das velhas casas flavienses que vejo e me emocionam.

Não sei exactamente de que época serão. A julgar pelos prédios que coroam, julgo terem sido construídas no século XIX. Muitas vezes são enfeitadas com cata-ventos e sei que existem em outras cidades do Norte do País.

3 comentários:

  1. Caro Luís
    Ri-me a bom rir, da descrição que fez da sala da casa da sua avó Mimi:)
    Fez-me lembrar os dois anos (de 61 a 63) que passei desterrada em Vale de Cambra, também em casa da minha avó paterna.
    Era tal e qual como descreve.Mais tarde ouvi alguém referir-se a essas salas sempre fechadas como "salas do mofo".

    Designação perfeita, apesar de, de mofo nada terem . Lembro-me sim, do cheiro a cera,a penumbra permanente em que a sala se encontrava e as escapadelas, que nós miúdos fazíamos para nos estiraçarmos nos sofás da dita sala.

    As clarabóias, são, regra geral muito bonitas. Gosto delas quando apresentam vidros coloridos.

    Um abraço para si
    Maria Gabela

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  2. Luís
    Nada melhor para presentear os seus leitores que falar dos tempos de infância passados na casa da avó Mimi ( logo me lembrei dos doces tipo ovo estrelado, da sua elegância e lindos olhos azuis...)ainda lhe juntou recordações tão enternecedoras como as clarabóias com cata-vento...tão romântico!
    Sabe, também me fascinam desde sempre se bem que na minha zona não existiam,fascinam-me os ferros forjados onde se entalam os vidros , a fazer lembrar um rendilhado de crochet, umas vezes às cores tipo vitral outras em branco, muitas com ardósia revestida em vez da inestética folha de Flandres
    Ainda o pormenor do cata vento este com um anjinho tipo carteiro, ainda sou do tempo que tinham uma corneta igual, ouvia-o ao meio da manhã durante as ferias na aldeia da minha avó materna quando chegava ao cimo do Lugar e a tocava, naquela de aviso que trazia notícias e mimos que a minha mãe mandava por ele. Gosto também dos cata-ventos encimados com um altaneiro galo. Adoro galos, animal brioso de penacho exuberante com penas de cores quentes e brilhantes,crista amarela e patas fortes, muitos elegantes, uns sedutores do reino galináceo
    Sitio onde vi algumas das mais bonitas clarabóias foi no tempo que estive no colégio Salesiano no Monte Estoril, obrigada a estudar numa sala onde não se podia dizer um ai... valia-me o lugar da carteira ao lado da grande janela...através dela fugia em devaneios em direcção a Alcabideche, sonhava, via outras pessoas,jardins e mendigos de barbas enormes, na altura ingénua, só conhecia o Barba Azul...
    Beijos
    Isabel

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  3. Ai, quando me lembro do avisado que era a tua avó em manter tudo na semi-obscuridade!
    Quando me dou conta que tenho duas janelas enormes (tenho um pé direito de fazer inveja a algumas pessoas!), mais duas portas de duplo batente, tudo isto a jorrar luz para as minhas duas salas, destruindo os coloridos dos tapetes, e dos damascos dos estofos quer de assentos ou cortinados, apagando o detalhe do desenho das gravuras antigas, e das telas, secando as madeiras do mobiliário (sim, esquecemo-nos facilmente o desastre que são as madeiras atacadas pelo sol, descoloridas, manchadas e fragilizadas pelo facto de se tornarem muito mais quebradiças, os preciosos folheados em madeiras exóticas descolados e empolados - daqui até se quebrarem e desaparecerem é um ápice!) ... penso que a tua avó é que sabia!
    Fiquei com sentido de culpa, vou interromper a escrita e fechar as perseanas para tornar as salas mais escuras!
    E das minhas alturas, na minha visão dos telhados lisboetas, também vejo estas clarabóias fantásticas.
    Não tenho qualquer memória destes elementos, pois, lá nas planuras algo vazias onde fui criado não havia notícias de clarabóias. As casas eram unifamiliares e relativamente pequenas, e estes elementos destinados a iluminar átrios e escadarias não se justificavam! E a arquitectura mais elaborada era do estilo colonial recente, africano, sendo a mais faustosa rodeada de grandes varandas, algumas até mesmo colunadas (a lembrar uma versão mais comezinha, mas não menos pretenciosa, das mansões sulistas dos EUA).
    De clarabóias não tenho memória, só em fotografias (e mesmo aqui não tinha qualquer explicação para elas) ou quando cheguei a Portugal!
    Manel

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