segunda-feira, 28 de março de 2011

Relógio de C. Detouche de Paris ou o estilo Segundo Império

O Manel é um comprador compulsivo de relógios antigos. Talvez por ser engenhocas e meticuloso sinta atracção por estes mecanismos de precisão. E de facto, o nosso amigo ganha uma vida nova quando abre a caixa de um velho relógio e tem a oportunidade de desmontar tudo, voltar a montar, limpar as madeiras e voltar a pô-lo como novo.

O Manel acedeu mostrar aqui no blog um relógio da sua colecção, que pela sua elegância e distinção é um dos meus preferidos.


Está assinado no mostrador, C. Detouche, Fseur. DE S.M. L'EMPEREUR, PARIS. O que quer dizer, que foi construído por Constantin Louis Detouche (1810-1889), em Paris, fornecedor do imperador, que é obviamente Napoleão III, chefe de estado da França, entre 1852-1870.

Na máquina, apresenta outra vez a marca do fabricante, com a licença oficial e a morada. C. DETOUCHE; BREVETÉ S.G.D.G. 228-230 R. St. Martin, Paris

Por baixo um dos prémios que o fabricante deve ter ganho: "Medaille de Bronze, S. Marti et Cie


Este Constantin Louis Detouche, que aos 10 anos já trabalhava como relojoeiro, em 1825 estabeleceu-se na Rua S. Martin em Paris, onde ficou até à sua morte. Ganhou prestígio neste ofício e estabeleceu laços próximos com outros grandes mestres relojeiros do seu tempo como Jacques François Houdin e o genro deste, o famoso Jean Eugène Robert-Houdin (1805-1871), o grande construtor de autómatos.

O nosso Detouche não se limitava a reproduzir o que os seus mestres lhe ensinaram e foi um profissional muito inovador, com Jean Eugène Robert-Houdin executava os autómatos concebidos por ele e os dois juntos desenvolveram um dos primeiros relógios de pulso eléctricos. Aliás Constantin Louis Detouche interessou-se particularmente pela electricidade, uma tecnologia inteiramente nova e apaixonante neste século XIX.


Em termos de datação da peça, O Manel fez um estudo minucioso. Pelo tipo de escape (a roda dentada que se vê), é posterior a 1849/50, período em que Achille Brocot apresentou pela primeira vez esta peça.

Como se refere ao imperador, Napoleão III, terá que ser datado obrigatoriamente entre 1852-1870.Por último, no relógio refere-se uma Medaille de Bronze, S. Marti et Cie. Ora sabendo nós que o Detouche ganhou duas medalhas de Ouro, uma Besançon em 1860 e outra em Londres em 1862. Então o relógio é logicamente anterior a 1860, pois o nosso Detouche não iria omitir os galardões em ouro se os já tivesse ganho na altura. Em suma esta peça foi executada muito seguramente entre 1852-1860

Estes relógios franceses em pedra negra estavam muito na moda na época e destinavam-se a ser colocados em cima duma chaminé de um quarto, juntamente com outros bibelots, normalmente formando um número impar. Por exemplo, um esquema do género, um relógio ao centro, ladeado por dois castiçais e duas jarras. Para os fogões das salas de receber normalmente preferiam-se relógios mais espaventosos que este, com muitos dourados e estatuetas alegóricas.


Vista de um salão segundo Império por Gustave Mureau
Com um tique-taque e umas badaladas muito distintos, este relógio faz parte de um estilo que ficou emblemático em França e naturalmente no resto do mundo, pois no século XIX, Paris ditava as modas. É o chamado estilo Napoleão III ou Segundo Império, que designa de uma forma genérica as modas de decoração de interiores da segunda metade do século XIX.



Apartamentos de Napoleão III

É um período de grande riqueza industrial para a França. A grande burguesia guindou-se para o lugar da antiga aristocracia. Faltava-lhes é certo o gosto refinado desta última, mas tinham imaginação sem limites, prazer em viver e um gosto muito ecléctico. Todos os estilos estavam na moda. Mandavam-se executar mobílias de jantar à moda da Renascença. As cadeiras góticas eram o máximo e a Imperatriz Eugénia de Montijo popularizou por toda a França os móveis Luís XVI, que adorava, em particular as versões mais femininas do Petit Trianon, que encomendas pela própria Maria Antonieta.


O Salão da Imperatriz Eugénia em Saint-Cloud
No entanto, este gosto pelo passado, não era um coleccionismo de antiguidades, que se traduzia na procura de originais de época. As pessoas queriam cópias dos móveis antigos, mas modernizados e muitas vezes na mesma peça misturavam um e outro estilo sem qualquer pejo. Há uma proliferação de móveis de todos os estilos históricos, mas são cópias sem grande respeito, até porque já são feitas segundo processos mais mecanizados.


Indiscret
Os salões Segundo Império caracterizavam-se por serem são opulentos, muítissimo ornamentados, mas ao mesmo tempo confortáveis, onde se sentam as grandes cortesãs, que faziam fortunas incalculáveis, fazendo-se amantes dos soberanos e homens ricos da Europa, que vinham a Paris distrair-se dos seus afazeres. Sempre decorados com muitas franjas e galões, os sofás são capitonnés e por vezes tomam nomes deliciosos como indiscrets, les confidents ou les vous-et-mois.
Interior do Palácio Nacional da Pena
Quem quiser conhecer este estilo sedutor e confortável, poderá encontrar conjuntos inteiros nos Palácios da Pena e da Ajuda. Embora o meu gosto seja mais eclesiástico, não consigo resistir às franjas e aos capitonnés do estilo Segundo Império.

12 comentários:

  1. Olá Luís e Manel, dono do relógio. Saudades suas, sabia? está zangadito comigo? não resisto a perguntar num espaço que não sendo meu, sim do seu mui amigo Luís, que este me perdoe, sei que tem bom coração e não se importará, julgo!

    Conhecia há algum tempo a paixão do Manel por relógios.
    Exemplar imponente,estilo decorado com pedra marmoreada, em escuro, austero o negro da madeira, contudo deslumbra o olhar o mostrador, duas cordas, o som, acredito, sonante, deleite d'alma...
    Ainda o pormenor da corrente dentada,os parafusos ditos normais que sustentam os ponteiros, serão os dos segundos? a meu ver poderiam ter uma cabeça redonda facetada,seria mais harmonioso.

    Amei a descrição da vida faustosa que descreveu nos palácios.
    Num repente imaginei o ambiente, o glamur das vestimentas dos convidados, mobiliário, franjas, sofás e poltronas de sedução os capitonnés, como bem mencionou... indiscrets, les confidents ou les vous-et-mois.
    Voei alto, sonhei senti-me na pele de princesa a viver num desses ambientes, ainda de viver uma paixão por um lindo cavaleiro que me ensinasse a arte da sela e comigo fugisse para o campo e a partir dai vivessemos uma vida calma, sem luxos, nem capitonnés,com muito amor...

    Obrigada por me ter deixado divagar, o dia está cinzento e nem Jacques Brel me consola...é segunda feira!

    Beijos
    Isabel

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  2. Cara Isabel

    Pensei que no meio desta crise que nos cerca por todos os lados, seria muito engraçado evocar o estilo pomposo do Segundo Império, mais ainda nesta época presente, em que o minimalismo é rei e senhor.

    O relógio com os seus tique-taques e badaladas, que lembram o francês das pessoas educadas e cultas de Paris foi o pretexto para descrever o estilo Napoleão III.

    Claro, depois, espero que o Manel, venha aqui deixar um comentário mais técnico acerca do Relógio ou corrigir alguma calinada tecnológica do texto.

    Obrigado pela sua presença constante neste blog

    Beijos

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  3. Caro Luís
    Excelente o seu post. O relógio é de uma sobriedade requintada (parabéns Manel),e a descrição que faz do ambiente dos salões Segundo Império, são, como sempre,muito instrutivas.

    Fez muito bem em trazer aqui o fausto e o glamour,dessa época, em contraponto à nossa pelintrice nacional grrrrr.
    Abraços
    Maria Paula

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  4. Como já por aqui tenho dito, relógios não são o meu forte, são peças de q pouco sei e não me atraem particularmente, talvez porq sejam mais "coisas de gajo" como diria o meu filho :)
    De qualquer forma gosto de apreciar um bom exemplar como é o caso deste do Manel, sobretudo se acompanhado de uma história bem contada como o Luís consegue fazer tão bem.
    Quanto a estes ambientes aristocráticos dos palácios franceses, gosto das porcelanas, sobretudo das mais utilitárias e não tanto das peças de ostentação, gosto dos pequenos objectos decorativos requintados e harmoniosos, mas os grandes espelhos dourados,as peças enormes, os grandes lustres, todo aquele brilho excessivo assumem uma escala que a minha condição plebeia só consegue apreciar em visita turística...
    Para viver mesmo, não desdenhava um mais aconchegante ambiente burguês vitoriano!!!
    Abraços

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  5. Cara Maria Paula

    Foi isso que pensei. Um pouco de luxo só faz fez em épocas de miserabilismo. E depois este post é também um manifesto contra o minimalismo. lol

    Abraços

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  6. Cara Maria Andrade

    Não sou um conhecedor de relógios. Mas, passei a olha-lhos de outra maneira desde que conheço o Manel. O tique-taque e as badaladas de um instrumento destes conferem um ambiente especial a uma casa. E há peças que são verdadeiros objectos de arte, mesmo não que não se saiba nada sobre o seu funcionamento.

    Hoje em dia ninguém tem já casa para reproduzir ambientes Segundo Império, mas um apontamento aqui, como um bom espelho dourado, que só aumenta o espaço, um sofá com franjas e uns apliques aqui e acolá e consegue-se evocar a decoração desses salões proustianos.

    Como tenho horror ao minimalismo, sinto uma grande atracção pelo abismo da decoração do Segundo Império, que dada a sua natureza eclética, é possível combina-la com a minha tendência natural e mais forte, que é o barroco português, com as suas talhas douradas, os santos, damascos vermelhos e azulejos

    Abraços e obrigado

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  7. Devo dizer-te que eu não faria melhor, e o enquadramento histórico da peça está perfeito.
    Desde que me conheço que os relógios de parede, de pé alto ou de consola e os seus familiares próximos, os autómatos, exercem fascínio sobre mim (estou isento deste sentimento no que toca aos de pulso ou de bolso, apesar de possuir vários de ambos, foram todos herdados, seria incapaz de os adquirir).
    O som das badaladas, a tranquilidade que me dá ouvir o tic-tac, o prazer de fazer funcionar um relógio que seguramente não trabalha há mais de 80 anos (como era o caso deste em particular), o restauro do mecanismo ou da caixa, são coisas únicas e que só entende quem conhece o prazer da ciência que existe por detrás do fabrico de um aparelho destes.
    É algo de absorvente observar e estudar como os diversos relojoeiros conseguiram resolver problemas ligados aos mecanismos como, por exemplo, silenciar o mais possível o tic-tac do escape, para que não se tornasse incomodativo, ou a repetição dos toques, para os esquecidos ou distraídos, enfim, todas as diversas funções que os relógios podem acumular - alguns apresentam as fases da lua, as posições da terra face às constelações, podem estar ligados a autómatos, podem indicar a hora em diversos fusos horários, são relógios que podem servir como mecanismos de precisão e por onde se poderiam acertar todos os outros (lembro que em épocas remotas cada cidade poderia ter a sua hora, diferente de outra pouco distante, por exemplo, a globalização ainda não estava na ordem do dia nem o meridiano de Greenwich era tido como a referência internacional, o que só aconteceu por acordo entre países a partir de 1884), podem fazer um número infinito de pequenas funções que nos aparacem como mágicas, e, em certa medida, assim o pareceram igualmente ao comum dos mortais que tinha a sorte de possuir um instrumento destes - eram, na altura, destinados a classes mais abastadas.
    Para não falar do restauro das caixas, que significa outro prazer, pois, como eram objectos de luxo, algumas estão folheadas com madeiras preciosas, apresentam incrustações de metais preciosos, tartaruga ou marfim, ou, como neste relógio, uma elegância algo contida pelo jogo de mármores de cores escuras, a contrastar com a patine do bronze, que em tempos foi dourado, e com a alvura do mostrador em esmalte.
    Confesso que não sei resistir-lhes e fico sempre encantado quando me dão um relógio para restaurar!
    Manel

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  8. Manel
    Obrigado pelo bonito comentário, descrevendo uma paixão tua, que eu olho ao longe, sem perceber muito bem, mas com admiração.

    E claro, passei a olhar de outra forma e a valorizar os relógios depois de ter conhecido.

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  9. Olá Luís
    Muito bom o seu post sobre relógios de mesa, elementos de requinte nas casas mais abastadas.O enquadramento sociológico que fez à sua volta, relembrando os salões franceses da segunda metade do séc.XIX e, por extensão, os portugueses dos Palácios da Ajuda e da Pena trazem-me à imaginação as festas (verídicas) que aí se realizaram - bailes, saraus,banquetes -, animados muitas vezes, pela banda de música do Regimento de Cavallaria nº2 -Lanceiros da Rainha.Esses ambientes que tão bem descreve, principalmente do PNAjuda, devem-se ao gosto da rainha D. Maria Pia, que mandou reformar a maior parte das suas salas, quando para cá veio, em 1862,após o seu casamento.
    if

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  10. cara If

    Tem toda a razão sobre o papel de D. Maria Pia na decoração do Palácio Nacional da Ajuda, por isso isso mesmo fiz a sugestão final aos leitores deste blog para visitarem esse palácio, bem como o da Pena para apreciarem este ambiente "segundo império". Lembro-me de visitar no Palácio da Ajuda o elevador particular da rainha d. Maria Pia, que era uma coisa deliciosa, com um banquinho capitonné, todo decorado com arrebiques. Pena não ter nenhuma imagem desse elevador fabuloso, pois ficaria a matar neste post.

    Há fotografias antigas do Palácio das Necessidades também com uma decoração pesada, estilo Napoleão III, mas julgo que parte do mobiliário original foi disperso. No entanto só conheço desse Palácio a parte dos serviços do MNE, por lá ter ido a umas reunioes e essa parte não tem graça nenhuma

    Abraços

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  11. Taio

    obrigado pelo seu comentário, pena que tenha sido tão pequeno

    abraços

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