A nossa amiga a seguidora anónima resolveu presentear-nos com mais uma série de imagens de pratos ratinhos da sua colecção.
Se da última vez que abri o email da nossa seguidora com as imagens dos ratinhos, senti que estava na presença de objectos pintados com um vocabulário decorativo ancestral, onde a herança islâmica manteve traços aqui e acolá, vá lá a gente saber como, pois os mouros saíram definitivamente da região coimbrã no século XI, desta vez, ao abrir as fotografias, achei que esta faiança era absolutamente modernista, com a sua simplificação das linhas, o arrojo das composições e o abstraccionismo das formas.
O primeiro, prato, com uma figura masculina engalanada de cores garridas, rodeada por uma aba florida recordou-me de imediato, a família de Saltimbancos, de Pablo Picasso, que se encontra na National Gallery of Wahington. Este quadro data do chamado período rosa de Picasso (1905-1906), que coincide com a sua chegada a Paris e se caracteriza pela abundância de tons rosa e vermelho e pela presença de acrobatas, dançarinos e artistas de circo. É um período feliz, que se opõe à tristeza da anterior fase de Picasso, o chamado período azul.
A família de Saltimbancos de Picasso. National Gallery, Washington |
Depois, as imagens três pratos seguintes trouxeram-me à memória as cores garridas dos ballets russes (1909-1929) de Serge de Diaghilev, que influenciaram com o seu arrojo toda a arte contemporânea, desde a dança, passando pela música, até à pintura, ao mesmo tempo que a montagem dos seus espectáculos contou com participação de músicos, bailarinos e artistas plásticos de vanguarda.
Entre estes artistas estava, León Baskt, um judeu nascido na actual Bielo-Rússia, que foi um dos criadores de figurinos mais imaginativos desta companhia de dança, além de ter tido também o mérito de ser o mestre de Marc Chagall. Julgo que os ratinhos atrairiam a simpatia de León Baskt.
Por último, abri a fotografia de mais um prato e descubro um conjunto de linhas em ziguezague, onde já não se procura representar nada e se chegou à abstracção total, ao modernismo levado às últimas consequências e no entanto, ao mesmo tempo, as linhas sugerem-nos um padrão artesanal, tecido pelas mãos imemoriais de uma qualquer Fátima do mundo islâmico.
Profunda conhecedora da faiança ratinho, a nossa seguidora que me perdoe pelo texto de hoje, onde escrevi ao sabor do acaso, associando livremente imagens, sem qualquer fundamento científico.
Olá Luís,
ResponderEliminarNão me canso de o repetir, mas a verdade é que graças a si e à amável cedência de fotografias das suas seguidoras misteriosas, notáveis colecionadoras de faianças, vamos aqui tendo uma amostragem bastante exaustiva da diversidade das faianças ratinho.
Segundo já li, e penso que o Luís também já referiu, os motivos geométricos nestas faianças antecederam a representação de figuras - humanas, de animais ou de plantas - por isso neste caso caminhou-se do abstrato para o figurativo, ao contrário do que aconteceu nas artes plásticas, o que é muito curioso.
Vi há pouco tempo à venda pratos semelhantes ao primeiro e ao último, mas há sempre diferenças. De todos, o que constitui para mim novidade em ratinhos é o do quadriculado, tão rústico, mas tão moderno!
Agradeço mais este acrescento ao meu conhecimento de ratinhos e o ótimo recreio para a minha vista.
Um abraço
Olá Luís , muito interessantes estes "ratinhos " assim como o paralelismo que estabelece . Destes não tenho nenhum, mas são de,de facto , encantadores .
ResponderEliminarEspero que tenha recebido por email alguns dos meus que creio serem do séc. XIX . mas , dir-me-à . Desculpe a minha ousadia .
Ab.
Quina
Que peças LINDAS! Fiquei encantando pelo com decoração xadrez, que de certa forma me lembra padrões de azulejos.
ResponderEliminarÓtimas as correlações em seu post.
abraços!
Olá Luís
ResponderEliminarDos humildes "Ratinhos" ao fabuloso Picasso! Extraordinária a comparação entre a genialidade dos artistas. Quão bem se enquadram o traço ingénuo do "Janota", no seu passeio pela Avenida, com a serenidade da Família de Saltimbancos.Foi de mestre esta sua analogia.
Respeitando, embora, outras opiniões, penso que há uma linha de continuidade entre algumas decorações de peças Brioso, que mostram figuras femininas, e certas ornamentações de pratos Ratinhos, nomeadamente as imagens das "Bellas", de origem italiana, cujas elaboradas roupagens e coifas passaram a ser interpretadas livremente pelos modestos pintores portugueses. Estas figuras, por demonstrarem uma maior precisão no traçado e um esquema decorativo mais organizado poderão ser datadas do primeiro terço do século XIX.A paleta de cores incidia nos verdes e manganés.
Cumprimentos
if.
Cara Maria Andrade
ResponderEliminarDe facto neste post estiveram em causa os caminhos da abstracção percorridos pela arte, que estes belos exemplares de ratinhos tão exemplificaram. Ainda hoje conversei ao trelefone com o Manel sobre este assunto, que anda cheio de trabalho na escola, para vir cá comentar e chamou-me a atenção para dois processos distintos de abstracção, que encontramos nestes ratinhos. O primeiro é aquele que tende a simplicar em meia duzia de traços essenciais as figuras da natureza. São os casos daqueles pratos com a figura que parece um saltimbanco ou aquele com uma flor muito estilizada.
O segundo caminho da abstração é aquele que nunca pretendeu representar nada. São as figuras e padrões geométricos em que os artistas se deliciam a pintar como se nada mais tivessem para fazer. São os casos do último prato e do quadriculado que a Maria Andrade gostou tanto.
Em todo o caso, aguardemos o comentário do manuel que irá enriquecer este tema da abstração na arte que é simultaneamente velho como o mundo e ao mesmo tempo moderno,
Abraços
Cara Idanhense
ResponderEliminarjá recebi os seus ratinhos, mas ainda gostava de olhar para eles com mais atenção. Depois lhe direi qualquer coisa, mas julgo que as suas peças poderão acrescentar mais aos nossos conhecimentos sobre esta faiança
Abraços
Caro Fábio, o nosso amigo carioca
ResponderEliminarO seu comentário é oportuno. De facto, aquele quadriculado lembra alguns padrões de azulejos.
Sabe uma coisa? Esse mesmo prato também me recorda algumas decorações a canela que se fazem no arroz doce.
Abraços
Cara If
ResponderEliminarRegistei as suas informações e só lhe agradeço partilha-las com esta comunidade de bloguers
Abraços
Vamos lá a ver se tenho algum tempo para comentar o teu post que me encanta pelas analogias que teces.
ResponderEliminarE também porque exploras os campos da abstracção versus figurativismo.
As teorias que tentam encontrar caminhos que levam da abstracção ao figurativo e vice-versa são absolutamente fascinantes e vários historiadores debruçaram-se sobre eles.
É aceite que as primeiras manifestações de grafismos tinham como base a observação de marcas deixadas sobre superfícies ou ossos, por exemplo, feitas ao acaso por instrumentos cortantes, que repetidas com base na aparente simetria que se via na natureza deu lugar à repetição de elementos que talvez criassem inicialmente padrões geométricos. Claro que a par deste acaso algo aleatório deve ter surgido outra manifestação já intencional, como era o caso das marcas de mãos.
Há pois dois campos iniciais de grafismos, um de cariz intencional e significante e outro aleatório que iniciou uma aproximação à geometria mais abstracta, mas com capacidades estéticas muito fortes, geometria esta que deu origem mais tarde à criação de formas relacionadas a necessidades bastante mais prosaicas como por exemplo a necessidade de contagem.
Por sua vez, o figurativismo, quando estilizado e levado à sua simplificação máxima, entra dentro do campo abstracto, que, ainda assim, denomino de significante, pois tem como base algo figurativo, como é o caso do cubismo, que procurou a aproximação à tridimensão a partir da exploração de vários pontos de vista bidimensionais.
Bem, como não quero escrever aqui um texto exploratório deste assunto (daria muito trabalho agora entrar por este campo, apesar de fascinante) só gostaria de comentar que a abstracção apresenta várias vertentes, algumas puramente geométricas e com conotações algo distantes do figurativismo, outras tendo como base o figurativismo, a sua simplificação intencional obrigou à perda do significante primordial.
Aliás, é curiso verificar que a arte oscila entre um figurativismo e a sua simplificação/estilização de tendência abstracta e vice-versa.
Peço-te desculpa por todo este arrazoado, mas é um tema que me é caro e sobre o qual agora iria escrever durante um tempo que não possuo.
No entanto, as peças que apresentas são muito interessantes, e noto com surpresa que a primeira foi produzida numa data algo mais próxima do que estaria à espera (se é que se pode esperar alguma coisa neste campo).
Manel