quinta-feira, 2 de junho de 2011

Santíssima Trindade de Joaquim Carneiro da Silva

Esta gravura foi comprada em conjunto com a Ressurreição de Cristo, de Teodoro António de Lima, sobre a qual já escrevi anteriormente. Foramadquiridas em conjunto por mim e pelo Manel para conseguirmos um preço mais barato. Ele ficou com a Santíssima Trindade e eu com a Ressurreição. Enfim foi uma compra muito devota (julgo às vezes, que o Manel, que antigamente não apreciava muito estampas religiosas deve amaldiçoar-me por lhe ter contagiado este gosto piedoso).


A Resurreição de Cristo

No momento, da compra, encontrei-as tão semelhantes que achei que eram obviamente do mesmo autor.

Depois quando a Maria Andrade apresentou o post sobre o Bartolozzi, suspeitei de imediato que a minha Ressurreição de Cristo e esta Trindade tivessem sido executadas por algum discípulo daquele gravador italiano e de facto, depois de algumas pesquisas, confirmei que o autor da primeira estampa mencionada, Teodoro António de Lima, fora seu aluno.


De seguida, fui analisar A Santíssima Trindade pertencente ao Manel e apesar de o estilo me parecer semelhante descobri, que estava assinado por dois nomes diferentes da minha gravura. Um tal J. C Silva desenhou e um D. J. Silva esculpiu, ou melhor, gravou.


Na obra Subsídios para a história da gravura em Portugal, de Luís Chaves, aprendi que o nome completo deste J. C Silva, era Joaquim Carneiro da Silva (1727-1818) e foi um gravador famoso no seu tempo. Aluno de João Gomes, gravador da casa da Moeda, Joaquim Carneiro da Silva estudou em Roma e Florença e foi director da Academia do Nu. Executou gravuras de desenhos das filhas de D. José (uma vez vi um desenho original de uma delas, da Maria Benedita, à venda na Feira-Ladra, por 40 euros e deixei-o escapar estupidamente), as ilustrações da obra de Manuel Cardoso Carvalho, a Arte da Picaria e ainda Maria Madalena lavando os pés de Cristo, cujo exemplar da Biblioteca Nacional reproduzo aqui.

Madalena lavando os pés de cristo

Segundo a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. 18 este senhor gravou várias estampas para o Breviarium romano, publicado pela Impressão Régia, em 1818, entre as quais uma Santíssima Trindade. Seguramente esta gravura do Manel terá sido retirada desta obra e presumo que a minha Ressurreição de Cristo veio do mesmo livro. Como é sabido, os alfarrabistas retalham estes livros religiosos, que hoje pouco interessam a uma sociedade descristianizada e vendem as estampas isoladamente, fazendo muito mais dinheiro com isso.

O Joaquim Carneiro da Silva deveria ser também um tipo com interesses artísticos alargados. Foi coleccionador de estampas, que doou à Academia Real das Ciências, após a sua morte.


Quanto ao gravador propriamente dito, o D. J. Silva, é referido também na obra Subsídios para a história da gravura em Portugal, de Luís Chaves. Chamava-se Domingos José da Silva (1784-1863). Aprendeu com Eleutério de Barros e Carneiro da Silva (o seu parceiro nesta Trindade) e mais tarde foi um discípulo brilhante de Bartolozzi. Gravou retratos como o de Bocage ou do Padre José Agostinho de Macedo, o mais célebre autor de literatura panfletária portuguesa, que os bibliotecários conhecem pelo pseudónimo do “anão dos assobios”. Executou obras de Pedro Alexandrino e chapas para breviários.

O Padre José Agostinho de Macedo

Em suma, as gravuras a Trindade e a Ressurreição de Cristo apresentam um certo ar de família, pois os seus gravadores foram discípulos de Bartolozzi e também porque muito certamente foram executadas para a mesma obra, o Breviarium romano de 1818, onde os artistas tinham que se sujeitar a modelos e chapas já existentes.
Detalhe da Trindade

8 comentários:

  1. Gostei muito da pesquisa que fizeste sobre esta gravura.
    Eu já tinha feito uma pesquisa prévia, mas não tinha conseguido tantos dados quantos os que conseguiste.
    Não tinha nem conseguido estabelecer a ligação com o Breviarium romano nem relacionar o artista gravador com Bartolozzi, mas é perfeitamente plausível que assim tenha sido, visto agora à luz do que expões.
    Quanto ao gosto que fui desenvolvendo por este tipo de temática, em parte a ti se deve, é verdade, pois venho de uma família com tradições amplamente agnósticas senão mesmo ateias, e, quando foram crentes, ficaram-se por vias mais duras e ascéticas do cristianismo, ligadas a correntes protestantes.
    Nunca em minha casa vi exposto qualquer obra referente à religião, muito menos católica (excepto uma "Última Ceia" em prata que alguém teve a caridade de no-la oferecer, mas que foi caritativamente relegada para um canto qualquer esconso, e depois, erradicada de vez!).
    Creio que a nossa educação religiosa, à parte alguma ténue influência protestante, foi deixada à vontade de cada um.
    Não fui batizado, e só me lembro de ter assistido à missa no colégio religioso que frequentei (ainda que me tivesse sido concedida muita liberdade em optar por assistir ou não), ou em cerimónias de casamentos ou batizados para que fomos convidados.
    Só uma vez fui à catequese, liderada por uma freira vestida com toda a indumentária identificativa, com coifa e tudo; a criatura ameaçou-me com a morte lenta, dentro de um caldeirão sobre chamas bem ateadas por qualquer demónio sádico, tinha eu 6 anos!
    Devo ter ficado tão impressionado e massacrado os meus pais que, bem entendido, não mais me deixaram regressar, e, felizmente, fui libertado dessa incumbência dominical!
    Tive, na escola, a disciplina de Religião e Moral, que era obrigatória na altura para todos nós, onde se empinavam algumas coisas que vinham num livro oficialmente adoptado, mas que passou por mim como por folha morta ... nem deixou rasto!
    Creio que foi lenta a minha reaproximação à arte religiosa, e hoje, ainda que continue agnóstico, e liberto de qualquer atavismo, aprendi a gostar dela e a apreciá-la como qualquer obra de arte o merece, e isso, em parte, a ti o devo.
    Manel

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  2. Realmente esta gravura do Manel com a Santíssima Trindade não fica nada atrás da sua em beleza e interesse.
    O que me surpreende também a mim é a quantidade de informação que consegue desencantar sobre estas gravuras. Até andei a tentar encontrar nos meus alfarrábios religiosos gravuras destes autores, mas sem sucesso. Muitas nem sequer estão assinadas e há várias com nomes franceses e só um ou dois artistas portugueses que eu não conheço em Livros de Horas, por exemplo. A verdade é que ainda não me deu para desenvolver grande investigação nesse sentido.
    Tal como acontece com o Manel, o gosto por Arte Sacra e sobretudo por estas gravuras religiosas, não é muito antigo, por isso nunca me dediquei muito a esta área. Agora já estou mais desperta para ela também graças a si e aos belos exemplares que aqui tem mostrado.
    O que eu acho uma pena, e verifico isso nos meus livros, é que muitos tenham sido amputados das suas gravuras para alimentarem o desejo de lucro mais fácil por parte dos alfarrabistas.
    É assim este mundo, o valor do dinheiro sobrepõe-se sempre ao da preservação do património...
    Já agora, sabe que desde que houve estes problemas com o blogger não tenho conseguido fazer comentáris com a minha Conta do Google, pelo menos acedendo à internet pelo Internet Explorer. Quando vou pelo Chrome já consigo, mas agora esqueci-me... :)
    Abraços

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  3. cara Maria andrade

    Quando faço post sobre estas imagens piedosas penso sempre, "é desta que ninguém me deixa comentários", mas ao mesmo tempo o impulso é muito grande e as gravuras são como os livros antigos, uma charada fascinante e adoro descobrir quem foram os gravadores ou os temas que representam.

    Por exemplo, esta Trindade escapa um bocado ao modelo em que as 3 pessoas estão dispostas verticalmente e até demorei alguns minutos a perceber que era a santissima Trindade.

    tb andei com esse malvado problema. Não conseguia deixar comentários com a conta google. Depois, quando, o programa me pedia a password, havia uma caixinha, que me poerguntava se desejava permanecer na conta google. Eu tirei o "v" dessa caixinha e o problema passou, ou terá sido acção da Santíssima trindade a desbloquear o problema?

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  4. Manel, gostei muito do teu comentário, muito bem escrito, muito poético.

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  5. Prezado Luis,

    Estou em falta com você. Não consegui fotografar os azulejos da Capela da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo de Ouro Preto,MG. Os responsáveis pela administração da mesma andam com uns medos injustificáveis quanto ao registro fotográfico.
    Mas consegui boas reproduções dos azulejos, impressas num livro, das quais mandarei cópias na semana que vem. Não envio ainda nesta, porque irei a São João del Rei, outra pérola do Barroco/Rococó português transplantados para Minas Gerais. Encontra-se ali, inclusive, uma grande pintura do vosso André Gonçalves (1685-1762), encomendada por volta dos anos 1730, da qual, se conseguir fotografar, enviar-lhe-ei uma cópia.
    Aliás, estou há vários anos procurando uma fotografia, boa, de uma Santa Ceia do André Gonçalves que se encontra no Museu Nogueira da Silva, da Universidade do Minho, em Braga.Se você souber de alguém que tenha uma cópia, ou puder me enviar, não tenho palavras para agradecer.
    Há quatro pontos ainda que gostaria de tratar.
    Em primeiro lugar, o desenho do Joaquim Carneiro da Silva, com Maria Madalena lavando os pés de Cristo, já tratei dele num trabalho (não lembro qual, mas vou pesquisar). Ele é uma cópia de (ao menos) duas pinturas de Pierre Subleyras (1699-1749). No http://www.wga.hu/index1.html, há reproduções. Quanto à "origem" da disposição dos elementos, podem sem encontrada em Tiepolo, Ticiano, etc.
    Em segundo lugar, estou preparando uma comunicação, a ser apresentada num tradicional encontro de história da arte aqui do Brasil,que há de relativizar, em muito, a dita influência de Bartolozzi na gravura portuguesa dos séculos XVIII-XIX. Só não o remeto agora, porque quebraria o princípio de obra inédita. Sabe como é este povo acadêmico...
    Quanto à esta Ressurreição, poderia me informar as dimensões da folha e da mancha? Não a conheço.
    Já no que se refere à Santíssima Trindade, alinhada daquela maneira, é fenômeno relativamente comum no Brasil e espero, lá por outubro, mandar-lhe umas cópias do mesmo: os principais casos desta figuração localizam-se na Bahia, e somente naquele mês estarei ali.
    Quanto ao mais, parabéns pelo sempre belo e informativo blog que criou. É um prazer lê-lo.
    Um abraço, e os melhores votos, do

    Pedro Queiroz Leite.

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  6. Caro Pedro

    Você enriquece muito este blog com os seus comentários.

    As medidas da Ressureição são 14 x 8,5 cm. Referem-se só a mancha. A Estampa está emoldurada e n consigo obter as dimensões da folha.

    Em todo o caso, de futuro, vou passar a indicar sempre que possível as dimensões dos objectos que tratar no blog.

    Quanto à Santa Ceia do André Gonçalves. que se encontra no Museu Nogueira da Silva, aparece sempre reproduzida sem qualidade nenhuma, mesmo na tese de José Alberto Simões Gomes Machado sobre aquele pintor. Vou fazer mais uma tentativa, senão terá que escrever-lhes um e-mail a pedir-lhes uma imagem de melhor definição

    Um abraço

    Luís

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  7. Prezado Luís,

    Consegui boas fotografias, outras nem tanto, de São João del Rei e região. Uma pequena amostra das artes portuguesas realizadas por mãos "matutas" -- vocês utilizam esta expressão? é mais ou menos o mesmo que o vosso "saloio".
    O problema é que as imagens estão um pouco "pesadas". Assim, gostaria de saber se você tem um endereço de e-mail que aceite uma transferência vultosa de dados. O meu, do Yahoo, permite até 25 mega. Se puder enviar-me o endereço, mando as imagens mais rapidamente.
    Um grande abraço, e obrigado pelo elogio quanto aos meus comentários,
    Do agora seu seguidor

    Pedro.

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  8. Caro Pedro Queiroz

    Envie as imagens para o e-mail montalvao.luis@gmail.com. Talvez seja mais sensato dividir as fotografias por vários mails.

    Abraço cheio de curiosidade por ver as fotografias

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