quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Vasos de Faiança Miragaia no Brasil



Um dos aspectos mais positivos deste blog tem sido o reencontro não só com as minhas raízes familiares, mas também como uma parte da História, menos conhecida.

Através deste espaço conheci pessoas da aldeia de onde a família do meu pai é originária, Outeiro Seco e com a qual eu já tinha perdido todo e qualquer contacto. Desse reencontro recuperam-se memórias perdidas sobre o Solar dos Montalvões e até saiu um livro.

De um ponto de vista histórico, o blog permitiu-me descobrir parte de um passado comum, que partilhamos com os brasileiros, que tem aderido aderido espontaneamente a este blog, interessando-se pela faiança, pelos azulejos ou pela arte sacra e me enviam e-mails com fotografias de obras semelhantes ou da mesma tipologia, que encontram no Brasil.

Recentemente e muito próposito do meu post Luso Tropicalismo em faiança e azulejos , recebi um simpático e-mail de um seguidor brasileiro, o Luís Pavão, com fotografias de vasos de faiança de fabrico português, colocados no topo de um velha casa apalaçada, existente numa cidade do Estado de S. Paulo.

Emocionei-me quando abri o e-mail e vi as fotografias dos vasos da prestigiada Fábrica de Miragaia, do Porto, pintados com o motivo decorativo País (1822-1850), pelo qual eu tenho uma verdadeira paixão e que infelizmente nunca consegui encontrar no mercado de velharias, um prato ou pires que fosse dessa decoração (por um preço aceitável, claro está)

Achei muita graça a estas fotografias, pois na recente exposição que se fez em 2008, no Porto, no Soares dos Reis, intitulada Fábrica de Louça de Miragaia, vi dois vasos muito semelhantes a este, propriedade da Confraria do Santíssimo Sacramento de Miragaia, datados entre 1830 e 1850 e que também apresentam a característica marca de Miragaia desta época, em letras góticas.






No referido catálogo, mencionam-se também as encomendas de azulejos que a Fábrica Miragaia recebia do Brasil, bem como de peças de mobiliário de jardim. Aliás, o fundador da fábrica Miragaia (1775), João Rocha, tinha começado por fazer fortuna na Bahia e é pois muito natural que a família tenha mantido sempre contactos com o Brasil, que facilitaram posteriormente a exportação de faiança.

Agora, através do Luís Pavão, descubro também vasos de Miragaia, no alto duma casa, construída na longínqua Ubatuba, em 1846, pelo Manoel Baltazar da Cunha Fortes, um comerciante português que fez também fortuna com o Café.





Os elementos que o Luís Pavão me enviou são também muito oportunos, porque no post que fiz sobre a azulejaria de fachada, cuja moda começou no Brasil e depois se difundiu em Portugal, ao longo de todo o século XIX, esqueci-me de mencionar, que paralelamente aos azulejos de revestimento, as fábricas forneciam aos seus clientes complementos de decoração arquitectónica em faiança, tais como balaustradas, vasos, urnas, pinhas e ainda estatuetas com alegorias à indústria, às artes e ao comércio. Esses elementos decorativos, que iam muito bem com o revestimento azulejar eram colocados no topo dos edifícios, como neste belo sobrado de Ubatuba, ou também em cada esquina de um portão e deixavam os proprietários cheios de vaidade, a acharem que viviam numa espécie de Palácio de Versalhes.


Já agora, Ubatuba, é uma terra do estado de S. Paulo (ver mapa), que teve um enorme crescimento económico no século XIX, graças a abertura dos portos brasileiros, em 1808 e chegou a rivalizar em importância com S. Paulo. Durante este século, encheu-se de casas ricas apalaçadas e de um teatro

Pela minha parte, que nunca tinha ouvido falar em Ubatuba, passei a simpatizar com esta cidadezinha e a sentir que tenho qualquer coisa em comum com as suas velhas casas e os seus habitantes.

8 comentários:

  1. O palacete é notável!
    Tem algumas semelhanças, sobretudo na volumetria e no próprio estilo neo-clássico, com o nosso teatro de S. Carlos.
    No entanto os vãos já têm raízes anteriores, apresentando, a coroá-los, segmentos de arco de volta inteira tal como aparece no Solar dos Montalvões, este ainda do século XVIII.
    Como aspecto ligado ao carácter mais exótico nota-se o grande número de vãos, o que num clima mais frio seria suicídio puro! Mas o Brasil com o seu clima e luz pede esta fenestração!
    As bandeiras com o seu trabalho notável, ainda ligado ao nosso estilo D. Maria e às influências inglesas na nossa arquitectura, apresentam um trabalho delicado e frágil a parecer uma teia de aranha.
    O corpo central com beiral, mais ligado à nossa arquitectura tradicional, mas os laterais já com platibanda, denotam um estilo mais palaciano e "à la mode" para a época e país em questão.
    Não sei se o azul com que foram pintadas as portas é original, mas resulta muito bem neste edifício. Em Portugal esta cor está ligada sobretudo ao sublinhar dos vãos e da própria cércea das construções do sul (e não só, claro), onde a luz e a paisagem plana, despojada, até mesmo algo austera, parece estar de acordo com este cromatismo.
    Mas que dizer das urnas? São fantásticas!
    Sabia que as ligações familiares de Rocha Soares conduziam ao Brasil e às intensas trocas comerciais que, sabe-se, a fábrica fundada por ele mantinha com aquele país, tinha até visto já algumas peças de Miragaia que tinham sido exportadas para algumas regiões espalhadas pela zona costeira, mas nunca tinha visto peças tão espantosas como esta! São de uma beleza de fazer emudecer em contemplação!
    Pena o seu estado que me parece já algo degradado, mas a beleza continua lá!
    Um bem haja para o teu correspondente Luís Pavão!
    Já me alonguei, sei, mas a beleza da peça de arquitectura e da decorativa não me deixaram ficar indiferente.
    Manel

    ResponderEliminar
  2. Não posso resistir ainda a referir a semelhança que o desenho da urna possui com o motivo original, inglês, de "Herculanum". Mas devidamente aportuguesado, claro!
    Manel

    ResponderEliminar
  3. Sabe, Luís, tem graça q eu também fui ver a exposição "Fábrica de Louça de Miragaia" ao Soares dos Reis e já não me lembrava nada destes vasos. Fui rever o desdobrável q acompanhava a exposição e lá está um exemplar magnífico, um dos q aqui mostrou da Confraria do SS Sacramento de Miragaia. Foi aliás nessa exposição q me apercebi de q alguns dos azulejos q tenho do séc. XIX podem ser de Miragaia mas não têm marca.
    São muito interessantes as histórias q estão ligadas aos objectos, a sua produção, comercialização, utilização e todas as circunstâncias relacionadas. Este é mais um caso desses.
    Vou tomar nota do nome da cidadezinha brasileira porq se é junto da costa no estado de S.Paulo, poderei ter oportunidade de a visitar.
    Maria A.

    ResponderEliminar
  4. So tenho a agradeçer o Luis Montalvão pelo belo trabalho que tem feito no blog, que fez possível o intercâmbio de informações entre países distantes e ao mesmo tempo tão próximos na história.
    Quem se interessar em conhecer um pouco mais sobre a pequena e bela cidade de Ubatuba, localizada no belíssimo litoral de São Paulo, pode acessar o site www.ubatubaemrevista.com.br
    Um grande abraço à todos !!

    Luis Pavão

    ResponderEliminar
  5. Caros amigos.

    A casa e os vasos de faiança são uma beleza.

    A casa recorda-me um prédio na Rua da Graça e também uns edifícios na praça da Alegria, todos da primeira metade do século XIX, aqui em Lisboa. Mas a antiga arquitectura do Brasil recorda-nos sempre tanta coisa aqui em Portugal.

    Também fiquei encantado com os azulejos Miragaia mostrados na exposição do Porto. Que bonito tom de azul eles tinham. E são azulejos que funcionam muito bem com as cantarias em granito do Porto.Fiquei cheio de vontade de ter uns, mas creio que são azulejos que só resultam em conjunto. Eu bem que espreitei os contentores das obras das ruas do Porto, mas não vi nenhuns azulejos Miragaia. Creio que seria porque estava acompanhado pelo Manel, que espanta sempre os azulejos...

    Abraços e mais uma vez obrigado ao Luís Pavão por partilhar estas fotos

    ResponderEliminar
  6. Também agradeço ao Luís Pavão o envio do site sobre a cidade de Ubatuba, que já fui ver. Encontrei um outro q conta a história da cidade, aliás muito rica e interessante. Já vi no mapa q Ubatuba fica entre o Rio e Santos, perto de Parati, por isso é um local fácil de visitar.
    Ao Luís Montalvão agradeço as conversas estimulantes q aqui suscita e q ontem me levaram a descobrir a marca dos belos azulejos azuis e brancos, fabrico do Porto. Consegui tirar por completo os restos de reboco de alguns e lá apareceu uma marca, um F e um C. Trata-se da marca usada pela Fábrica do Carvalhinho (fundada segundo Artur de Sandão em 1840) para marcar azulejos. As marcas q esta fábrica usou nas peças decorativas, muito apreciadas e valorizadas, são sobejamente conhecidas (tenho algumas q hei-de mostrar um dia no meu blogue).
    Parece q houve três fábricas no Porto a fazerem este motivo de azulejos.
    Um abraço para os dois.
    Maria Andrade

    ResponderEliminar
  7. Que beleza de informações e comentários. Devem ir para o arquivo histórico da FUNDART, entidade cultural de Ubatuba que responde pela conservação, uso e história do velho casarão.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caro Anónimo(a)

      Muito obrigado pelo seu comentário. Sem dúvida que estes velhos casarões e as suas faianças decorativas fazem parte do património brasileiro e até certa forma também do património português.

      Um abraço

      Eliminar