quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Pequena história acerca do Mirante do Solar dos Montalvões - Outeiro Seco

Conforme se vê nesta fotografia, existia sobre o corpo Norte do Solar uma varanda alpendrada, que hoje caiu praticamente toda. Em miúdo lembro-me muito bem de um dia os meus irmãos terem lá subido e de os ver acenarem-me e a chamarem-me, e, eu cá em baixo a espreitar através de uma das janelas, que davam para o pátio interior, cheio de pena de não os ter podido acompanhar, pois como era o mais pequeno, estava debaixo de um controlo mais apertado da minha mãe. Julgo ainda ter ouvido a minha mãe ralhar-lhes pois na altura, em finais dos anos 60, a varanda em madeira já não era segura.
O mirante, visto do pátio interior. Foto extraída de filme realizado nos finais dos 60

À volta desta varanda circula uma história curiosa. Segundo uma tradição familiar, teria sido mandada construir por um antepassado, para poder namorar à distância a sua amada, que estaria numa casa ou num local qualquer avistável do varandim. Já não sabemos quem foi esse nosso antepassado. Deve ser um daqueles muitos nomes da árvore genealógica da família de cuja existência ficou apenas o registo das datas de nascimento e morte. Em todo o caso, presumimos que a construção do varandim seja posterior à data de 1782, ano em que talvez se tenham concluído as obras de levantamento do corpo nobre do solar, o último a ser construído, e em que foi necessário arranjar umas escadas de acesso aos terceiros desse mesmo corpo. Com efeito, esta varanda (nº 44 da planta, assinalado com uma seta), além de servir o objectivo romântico de mirante amoroso, tinha a função bem mais prosaica de proteger das chuvas umas escadas que partiam de um dos quartinhos do primeiro andar e que davam serventia aos terceiros.


Estas histórias de amores contrariados eram muito vulgares nas famílias. O célebre Amor de perdição, o romance que sintetizou em pinceladas geniais os amores contrariados do século XIX, baseou-se numa história da família do próprio Camilo, bem como nas suas próprias desventuras passionais, claro está. Em todo o Norte, correm ainda histórias antigas de grandes amores com desfechos fatais. Numa das grandes famílias de Vinhais, já não sei se nos Campilhos, se nos Morais Sarmento, nos Almendras ou nos Condes de Vinhais, até porque casavam muitas vezes entre si, a minha mãe lembrava-se ainda de uma senhora muito velhinha que vivia entre os criados. No passado tinha sido uma das filhas casadoiras, mas tendo tido um filho ilegítimo dum rapaz qualquer pobre, foi castigada pelo pai e colocada a viver na cozinha com a criadagem. Depois da morte do pai, os irmãos quiserem que ela volta-se a ocupar o seu lugar de direito na casa, mas a Senhora, que já não se sentiria à vontade, preferiu continuar a viver na casa como se fora uma pobre criada.

Tenho pena de já não poder subir ao varandim para acompanhar os meus irmãos e descobrir que casa se avista dali e onde estaria a amada do meu antepassado.

4 comentários:

  1. Fiz a planta da dita varanda alpendrada, mas sem certezas sobre a sua protecção lateral, visto o estado de degradação em que a mesma se encontra.
    O que desenhei estará o mais próximo daquilo que deduzi tendo em conta as pré-existências que encontrei na altura e aquilo que me foi dito sobre a mesma.
    Mas ainda hoje não tenho a certeza sobre a forma de protecção lateral deste espaço, que ignoro se foi levada a cabo de alto a baixo, e a toda a volta, se só teria, em torno, um parapeito até meia altura, evidentemente como forma de segurança.
    Se tivesse encontrado algo que evidenciasse alguma porta, tipo "guarda-vento", na parte inferior da escada de comunicação (até que na parte superior reparei haver uma porta que separava esta varanda das divisões do andar superior), então haveria alguma probabilidade que esta varanda não tivesse protecção até cima, e se ficaria só pela meia altura. Assim sendo, só me é dado o conjecturar sobre estas hipóteses.
    No entanto, pareceu-me que a protecção lateral, vista como elemento que se estende de alto a baixo, só existiria a proteger o alçado da varanda exposto aos ventos do Norte, mas, que nos outros dois lados, se ficaria pela meia-altura, e a ser assim, então deveria haver um "guarda-vento" na comunicação com o andar inferior.
    Talvez o teu pai se recorde, de forma mais rigorosa, como era feita esta protecção.
    Não é importante, trata-se só de curiosidade!
    Manel

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  2. É um prazer ler as suas novidades. Melhor saborear cada uma delas. Sinto que o poder da sua escrita apesar de simples, é tocante, denota investigação e muito conhecimento.Confesso que tenho um amigo historiador, todos os seus escritos sobre a terra que amamos, não os consigo ler, são chatos, monótonos,descaracterizados de criatividade, enfadonhos, ao invés dos emails que trocamos onde revela uma faceta completamente diferente, o que é um pouco estranho. Como sou frontal, já lhe disse, ele como é cavalheiro...aceitou. Felizardo,o seu manancial de memórias pessoais e imobiliárias dos seus antepassados revela que pertence a famílias de linhagem. Então e a foto do brasão? O curioso em mim, é que não consigo gostar da leitura dita normal, acredite que tentei, debalde nunca surtiu efeito, apenas revistas no cabeleireiro, leio-as de trás para a frente e por alto, com constantes erros de interpretação.já os seus posts são uma verdadeira delícia. Devoro-os, fico sempre mais rica. Além de conhecedor da escrita, sabe manusear cada assunto com tal criatividade, sem amadorismos, romântico nas mais variadas formas,soberbo diria.Além das velharias confesso que também vivo intensamente esta presença do passado, embora não tão glamoroso quanto o seu.Sempre me fascinaram solares e palacetes, história, património, arqueologia.Quando estou triste é mote para os reler ou escrever sobre eles, estratégia que me conforta.Bem, chega de balelas...quanto ao seu amigo Manel, que fez o plano da dita varanda alpendrada, nessa altura era usual para cortar o vento placas em madeira fina de pinho, em entrançado enviesado, de cores berrantes, azul forte ou verde, o mais usual, será que me expliquei bem? eram fixas tipo biombo. Hoje nos restauros de casas com essa traça, na vila do Alvorge, no centro do país, noto com agrado que privilegiaram essa tradição.Ainda me lembro de uma quinta que num dos recantos tinha uma pérgula envolta com frondosas árvores e protegida à volta com essas placas em verde, serviam para patuscadas ou simplesmente tomar chá nas tardes soalheiras da primavera e outono.Partilho a mesma ideia do seu amigo, que tal instigar a memória do seu pai, espero sinceramente que ele se lembre e assim corrija a varanda alpendrada do seu solar.

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  3. Cara Maria Isa

    Fico muito envaidecido com as suas palavras. Sempre achei uma chatice o estilo de escrita académico com que uma boa parte dos historiadores faz os seus manuais, isto para não falar dos manuais de história de arte, que massacram o pobre leitor com descrições exaustivas das peças, quando a fotografia ali ao lado é perfeitamente eloquente. Apesar das críticas e das correcções que me foram fazendo ao longo da vida, nunca me consegui convencer de que um texto para ser sério e cientificamente correcto tem que ser chato e quase incompreensível.

    Não creio que tenha propriamente talento literário, como algumas pessoas que fazem da palavra uma arte. No entanto, julgo que sou criativo e consigo transmitir as minhas ideias.

    Não me parece que a Maria Isa só leia revistas dos cabeleireiros. Pela desenvoltura como escreve, tem certamente bons hábitos de leitura.

    Quanto ao Brazão, ainda existe na casa, embora seja referente aos Ferreira, que no século XVIII se uniram aos Montalvões. Contudo, sou um ignorante de assuntos heráldicos, mas um dia tentarei falar disso.

    O gosto pelo passado que eu e as pessoas que me lêem neste blog partilhamos é uma forma de romantismo. A história faz-nos esquecer um presente agressivo e permite-nos vaguear pelo passado sem nenhum objectivo e encontrar beleza e aventura.

    Imprimi o e-mail do Manel e logo à noite, o meu pai será alvo de um interrogatório verdadeiramente Inquisitórial.

    Abraços

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  4. Olá Luís,

    Gosto cada vez mais do teu blogue. É um mergulho no passado, cheio de histórias e recordações de pessoas que já não estão presentes, num cenário que conhecemos e que gostamos muito.
    Através de pequenos episódios engraçados ou dramáticos, que escutámos em pequenos e nos encantaram ou impressionaram, consegues preservar a memória de um tempo que já passou.Só falta o cheiro do fumeiro que enchia a cozinha e o barulho do crepitar da lareira...

    Beijos
    Teresa

    PS - Acho que a história da senhora encarcerada pelo pai, foi na família Almendra. O seu nome , penso eu, seria Joana Almendra.

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