terça-feira, 30 de março de 2010

Pequenos anjos


Recordo-me que em miúdo, antes de atingir os seis anos, passei uma temporada em casa dos meus avós paternos, o Silvino e a Maria do Espírito Santo. Embora não tivessem sido uns pais carinhosos para os seus filhos, fizeram-me gostar daquela temporada, da qual guardo algumas das recordações mais antigas que tenho. A minha avó Mimi acordava-me sempre de manhã, para eu ver o “solinho” e servia-me papa maizena ao pequeno-almoço, coisa que eu ainda hoje adoro.

Devo ter passado por lá algum tempo, pois frequentei o Jardim-escola João de Deus naquela cidade. E claro, tenho ideia que era o meu avô Silvino quem andava comigo pela cidade de um lado para o outro de mão dada. Num dia, vimos uma procissão desfilar na cidade, creio eu que pela rua de Sto. António e reconheci no meio do cortejo um coleguinha meu do jardim-escola vestido de anjinho. Achei tudo aquilo tão bonito, que fiquei cheio de pena de não ter também umas asinhas e uma fatiota toda branca de anjo.

As crianças gostam de vestir fatos de anjinho e nesse aspecto o ritual católico é muito eficaz, porque atrai com o seu cerimonial crianças que nem sequer receberam uma educação religiosa. Há cerca de uns 15 anos, a minha sobrinha Isabel, que na altura não era baptizada, não sabia sequer distinguir o Santo António do Cristo, quis desfilar na procissão de Vinhais vestida de anjo. A minha mãe e a minha tia Maria Adelaide, com a sua paciência toda, restauraram um fatinho de anjo antigo, que tinha pertencido à minha mãe, uma coisa em seda verde dourado, com um corte segundo a moda dos primeiros anos da década de 30 e umas asinhas em penas, e lá foi a Isabel toda orgulhosa e feliz pela vila fora, acompanhando a procissão, vestida com o seu fatinho fora de moda e de outros tempos, sem reparar sequer nos olhares de estranheza das outras meninas, que essas sim, tinham umas roupas de anjo contemporâneas.

Os pequenos anjos

Há uma fotografia terrível da minha mãe vestida com esse fato de anjo, tirada em meados dos anos 30, por ocasião do falecimento de uma menina, que desconheço quem foi. Tenho uma vaga ideia da minha mãe me contar, que a obrigarem a ela e a outras meninas da mesma idade da morta a figurarem nesta espécie de encenação fúnebre junto do caixão, para tirarem a fotografia. A minha mãe é a última criança do lado direito, (é igual à minha filha Carminho), com uma tiara e está com um ar assustado e infeliz. A menina mais alta de olhos muito claros é a minha Tia Chica, a sua irmã mais velha, que está também com ar díficil de descrever

Esta fotografia, por mais macabra que pareça, fascina-me. Recorda-me o melhor filme que para mim, Felini alguma vez realizou, os Julieta dos Espíritos. Neste filme Julieta é atormentada muitas vezes por um sonho, em que se vê na infância, numa representação teatral do colégio de freiras, em que faz de mártir cristã, toda vestida de branco e que está preste a ser grelhada viva numas chamas de papelão. Este sonho atormenta-a várias vezes ao longo do filme. Na cena final, Julieta já mulher adulta sonha novamente com a macabra representação religiosa, mas descobre uma pequena porta escondida no quarto, entra, descobre a menina amarrada na grelha, prestes a ser queimada e corta-lhe as cordas dos pulsos e dos pés e liberta-a a menina foge em liberdade.

Pudesse eu fazer o mesmo nesta fotografia, entrar nela e deixar fugir a minha mãe e a minha tia e dar-lhe mais umas horas de uma infância, que já perderam irremediavelmente.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Algumas recordações a propósito de uma chávena de café da Vista Alegre

Esta pequena chávena de café de porcelana casca de ovo estava em casa dos meus avós paternos em Chaves. Nas férias, quando regressávamos de Vinhais, para Lisboa, costumávamos sempre almoçar em casa deles, em Chaves, e no final da refeição o meu pai tomava sempre café por ela. Sempre gostou de tomar café forte, em chávenas de porcelana pequenas e esta, da Vista Alegre, produzida entre 1880-1921, estava-lhe sempre reservada. Sempre que a olho, regressa-me à memória a essa viagem da infância, que começava em Vinhais, de manhã e ao fim de cerca de duas horas numa estrada inacreditável, com centenas e centenas de curvas, vencíamos os 60 km que nos separavam de Chaves e lá saiamos do carro com os rabos moídos de tanta curva.


A casa dos meus avós em Chaves era um pequeno Museu. Tinham os dois muito bom gosto, muito bons móveis, sóbrios, mas aquilo era um desconforto de casa. A sala só era aberta nessas ocasiões especiais e tudo o que lá estava dentro tinha apenas uma função decorativa. Nenhuma cadeira ou sofá era feita a pensar no conforto.

No entanto, nesse dia serviam-nos sempre um bom almoço. Recordo-me ainda de tantos pormenores, do serviço de copos (hoje, dividido com os meus irmãos), ad sineta para chamar a criada, do faqueiro de prata, do grande relógio da sala e de todos aqueles pormenores, que criavam um ambiente a cheirar móveis bem encerados, que me custa descrever com clareza, pois falta-me o talento literário de Proust para descrever interiores.

O meu avô Silvino morreu quando eu tinha cerca de 9 anos. Conheci-o mal. Recordo-me de andar de mão dada com ele nas ruas de Chaves e que me levava a passear ao jardim da Madalena. Ainda hoje, quando regresso aquele jardinzinho romântico de província comovo-me sempre um bocadinho a pensar nele. Era um homem de rotinas, fazia todos os dias a mesma coisa, atravessava a rua nos mesmos sítios. Creio que herdei essa característica dele.
Os meus Avós Maria do Espírito Santo e Silvino

Ela, a minha avó Mimi, de quem já falei aqui conheci-a melhor, quando já tinha a idade da razão e pude assim aproveitar o seu convívio e não há dúvida que influenciou o meu gosto pela história e pelo passado.

Depois do almoço eram mais horas e horas de viagens por estradas nacionais, com curvas e ainda mais curvas e creio que íamos jantar a Coimbra. Deveríamos chegar a Lisboa lá pela meia-noite. Enfim, era a rede de estadas portuguesas nos primeiros anos da década de 70.

Bem, hoje dispersei-me muito. Estive como a Isabel que vai, volta, parte e regressa de todas as direcções e que tem andado ausente e temos sentido a sua falta. Na verdade a intenção deste post era chamar-vos a atenção, para que um dos comentadores deste blog, abriu também um blog, inteiramente dedicado ao coleccionismo de tudo o que é relacionado com o café o http://cafemuseu.blogspot.com/

quarta-feira, 24 de março de 2010

S. João Nepomuceno por Debrie, 1746


Sei que os santos não são do agrado de todos, mas, a carne é fraca e não consigo resistir à forma teatral como as composições dos registos de santos são montadas. É o meu ancestral gosto barroco português, que está no subconsciente e que vem ao cima cada vez que vejo um registo do século XVIII

Esta gravura de S. João Nepomuceno, tem a assinatura Guillaume François Laurent de Brié, ou se preferirem, de Guilherme Francisco Lourenço Debrie, como ficou conhecido em Portugal este gravador francês. Está datada do ano de 1746 e apresenta a seguinte legenda S. Joam Nepomuceno Martir / fidelíssimo Protector da honra dos/ seus devotos.
Creio que esta gravura foi também retalhada de um livro, mas no site da Biblioteca Nacional, pesquisando por Debrie, não consegui identificar de que obra faria parte. Provavelmente de alguma vida do santo ou de um sermão de um pregador célebre, inspirado no exemplo de S. João Nepomuceno. Muitas vezes os bibliotecários, que tratam o livro antigo (espécies anteriores a 1800) dão apenas entrada pelos autores principais e omitem os impressores e os gravadores. Quando tratei livro antigo cometi o erro de não fazer entradas de catálogo para os gravadores e hoje arrependo-me disso. Enfim, como diria o meu velho professor de civilizações pré-clássicas, a experiência quando se a têm, já não serve para nada.
Relativamente ao S. João Nepomuceno, esta ilustre personagem nasceu cerca de 1340, na antiga Boémia, hoje República Checa e em 1393 foi atirado da ponte Carlos ao rio Vtava, morrendo afogado na corrente fortíssima do rio que divide em dois a cidade de Praga. Segundo a lenda, João Nepomuceno recusou-se a quebrar o segredo da confissão da Rainha da Boémia e foi por isso mandado atirar ao rio pelo Rei Wenceslau.

João Nepomuceno é assim representado nesta gravura com a palma, que todos os que sofreram o martírio arvoram, com um halo de 5 estrelas, que comemora as estrelas sobre o rio Vtava na noite do seu assassinato. Na parte inferior da estampa, vê-se a cena que o João Nepomuceno é atirado ao rio, assistido por uma multidão.

S. João Nepomuceno é considerado popularmente, protector da honra dos devotos, advogado contra as calúnias e também protector de pontes e viadutos. Por exemplo, na antiga ponte sobre a ribeira de Alcântara, que existia onde é hoje o largo de Alcântara, em Lisboa, estava colocada uma estátua deste santo.

Esta é a parte da lenda. Na realidade o checo Jan Z Pomuk era um alto membro do clero da boémia, que parece que vivia de forma opulenta, chegando a emprestar dinheiro. Foi nomeado vigário geral pelo novo arcebispo de Praga, Jan Jenstejn e os dois, que representavam uma facção muito próxima do Papa de Roma, envolveram-se num conflito institucional com o Rei Wenceslau, partidário do Papa de Avinhão, a propósito da nomeação de um abade para a riquíssima abadia de Kladruby, cujos extensos territórios eram cruciais para o Rei. O epílogo da história foi o seguinte, Wenceslau aborreceu-se com a nomeação de um abade da confiança dos outros dois e lançou o santo pela ponte fora, mas pelos vistos, fez mal pois o Jan Z Pomuk, que não era boa rés, foi aos poucos e poucos tornado um mártir e um santo pelo clero checo, que consegui canoniza-lo em 1729, em Roma, num processo, que custou mais de 180.000 coroas. O seu culto tornou-se numa arma poderosa da contra reforma e do catolicismo contra o protestantismo, que ameaçava de perto o país. Há até quem diga que a Igreja assimilou a esta personagem o culto popular, que ainda existia em Praga por Jan Huss, o herege que morreu queimado em 1415, de forma a lançarem água benta aos restos dessa heresia, que persistia na Boémia.


A Ponte de Carlos, em Praga, a velha capital

terça-feira, 23 de março de 2010

D. João I de Portugal: gravura de Debrie de 1742


Na sala de estar do Solar de Outeiro Seco existia uma colecção de gravuras dos reis de Portugal. Tentei localiza-las no filme que o meu pai realizou no interior do Solar nos anos sessenta, mas em vão. Os meus irmãos e eu recebemos algumas e julgo que foram gravuras retalhadas de diferentes livros de história de Portugal, para servirem de decoração às paredes.

Herdei duas delas, sendo que uma é de muito bom traço. Trata-se de uma representação do nosso rei D. João I, o célebre Mestre de Aviz, que obviamente não vou explicar quem foi.

A gravura fazia parte da obra Joannes Portugalliae reges aduiuum expressi / Colamo P. Emmanuele Monteyro. - . Ulissipone : Typis Francisci da Sylva, 1742. - 240, [8] p. : il., grav. ; In-fol(34 cm), que como o nome indica continha os retratos dos joões todos que nos governaram como monarcas As seis estampas deste livro são de muito bom traço e foram assinadas por Guilherme Francisco Lourenço Debrie, ou melhor por, Guillaume François Laurent de Brié. Pouco ou nada encontrei sobre este senhor talvez francês ou flamengo, que veio para Portugal em 1731 . José Zephryno de Menezes Brum, na obra Estampas gravadas por Guilherme Debrie. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1908 refere que Debrie foi discípulo na Holanda do francês Bernard Picart (1673-1733)e que desenhou para muitos livreiros, o que é verdade, pois só eu em minha casa tenho pelo menos 3 gravuras dele.

Este retrato de D. João I apresenta um pormenor curioso na peanha, uma representação alegórica em que se vê Hércules, junto de um troféu de armas, à sua esquerda está um dragão lutando com outro animal, um leão e à direita estão 3 homens agrilhoados. Julgo que esta alegoria é uma alusão aos trabalhos hercúleos contra os castelhanos e os partidários de D. Beatriz, que o mestre de Aviz teve de enfrentar, para manter a independência do pequeno reino de Portugal.

A obra Joannes Portugalliae reges aduiuum expressi (Referida por Inocêncio VII, p. 97), que algum antepassado meu de temperamento bibliofágo se entreteve a retalhar com uma faquinha afiada, foi reeditada em português com o título Elogios dos Reys de Portugal do nome de João em 1749, julgo eu que também com gravuras do Debrie

quinta-feira, 18 de março de 2010

Ainda a Fábrica de cerâmica Lusitânia e o cantão popular


Há pouco tempo, o António, um dos seguidores deste blog, enviou-me um simpático e-mail com uma fotografia duma peça de cantão popular, colocando a hipótese de se tratar de um fabrico da Lusitânia da unidade de Lisboa ou Coimbra.
Fiquei com a pulga atrás da orelha, pois não conhecia o facto de a Lusitânia ter uma unidade em Coimbra. Na Internet, tinha encontrado escasas informações sobre a Lusitânia. No entanto, descobri um livrinho da editora Apenas, a Fábrica de Cerâmica Lusitânia, de Isabel Cameira que tratei de comprar e fiquei muito satisfeito com a sua leitura, pois traça em linhas gerais a história desta casa.

A Fábrica foi fundada por um Senhor Francês Sylvan Bessière em 1890, perto do Matadouro em Picoas, dedicando-se ao fabrico de telha Marselha, tijolos, talhas para água, manilhas e vasos. Portanto, sobretudo materiais de construção. Por volta de 1900, transferiu as instalações para o Campo Pequeno, ao lado do Palácio das Galveias, pelas seguintes razões: os terrenos eram ricos em barro, a propriedade confinava com a zona das chamadas avenidas novas, que estava em plena expansão urbana e sobretudo, segundo uma tradição oral, o Sr. Sylvan Bessière teve uma encomenda monumental de tijolos para a construção da praça de touros do Campo Pequeno.

Gradualmente a fábrica Lusitânia foi crescendo em tamanho e sempre concentrada na produção de telhas e tijolos.

Em 1919, o Senhor Sylvan Bessière morre, a fábrica perde o carácter familiar e transforma-se na Companhia da Fábrica de Cerâmica Lusitânia. Em 1927 fazem-se grandes obras na fábrica e começa-se a erguer o bonito edifício que vemos na primeira imagem, segundo projecto do Eng. Luís Ernesto Roqueira. Neste prédio, que eu ainda me lembro de ver em pé, passarão a funcionar a partir de 1929 os balcões de vendas, os escritórios da direcção, a contabilidade, salas de exposição de azulejos e finalmente na mansarda, o laboratório de química e engenharia, os ateliers de pintura industrial e pintura artística. O célebre artista cerâmico Jorge Colaço desenvolverá neste último piso o seu trabalho.

A crise de 1929 não atrapalhou nada as finanças da empresa, bem pelo contrário, entrou numa fase de enorme expansão e comprou fábricas falidas por todo o país. Adquiriram a fábrica da estação velha em Coimbra, na qual investiram muito dinheiro, a célebre fábrica de Massarelos no Porto (em 1936, segundo o Itinerário de Faiança do Porto e de Gaia) ainda pólos fabris em Setúbal, Montijo e Vila Franca de Xira.

A ideia que fiquei da leitura das páginas deste livro foi que a Fábrica da Lusitânia de Lisboa sempre se dedicou mais aos produtos para construção civil e azulejaria. Talvez se tenha dedicado mais à produção de louça doméstica quando comprou a fábrica da estação velha em Coimbra, cidade onde já haveria há muito tradição de fabricar o cantão popular. Talvez, nessa altura, os patrões da Lusitânia tivessem dado ordem para retomar o fabrico de um motivo decorativo, o cantão popular, que há se fazia em Coimbra. (No Itinerário da faiança portuguesa do Museu Nacional Soares dos Reis, p. 160 designam também o cantão popular por Cantão de Coimbra.)





Molheira Lusitânia do Manel



Claro, não tenho provas do que afirmo. Sei que a molheira marcada Lusitânia do meu amigo Manel é possivelmente posterior a 1929, mas já tenho dúvidas acerca da bonita travessinha do António ser Lusitãnia. Mais, tenho uma terrina, uma travessa e um prato de cantão popular, sem marcas, que são nitidamente de meados do século XIX, muito anos antes da Lusitânia existir. Houve certamente mais fábricas pelo país fora e mais antigas a fazer este motivo.







Terrina e travessa de cantão popular da segunda metade do XIX
Aproveitando os comentários oportunos dos seguidores , acrescento uma das marcas que a Lusitânia passou a usar em Coimbra a LUFAPO, bem como a marca usada por Massarelos, depois de comprada pelos novos patrões de Lisboa

quarta-feira, 17 de março de 2010

Uma bambochade: Corps de garde de Sébastien Bourdon

Creio que foi o ano passado que comprei esta gravura emoldurada por 10 euros na Feira de Belém. A feirante não havia maneira de despachar o mono e ficou toda contente quando algum tonto se ofereceu para leva-la e ainda por cima pagando-lhe 10 euros.

A gravura foi executada por um tal Jacques Coelemans, um gravador holandês, que viveu mais ou menos entre 1670 e 1735 e é muito provavelmente uma obra do início século XVIII. Foi executada segundo um quadro de Sébastien Bourdon, intitulado Corps de garde.

Retrato de Sébastien Bourdon por Hyacinthe Rigaud


Este Sébastien Bourdon (1616-1671) foi um pintor muito popular na sua época, excelente em todos os géneros, cujas obras enchiam as casas da clientela parisiense. Foi um dos fundadores da Academia Real de Pintura e Escultura e chegou a ser o pintor oficial na corte da célebre Rainha Cristina da Suécia, a soberana que mais tarde Greta Garbo imortalizou nos écrans do cinema. Trabalhava muito para os gravadores, de tal forma, que hoje já só é conhecido por esta última actividade e a sua pintura está esquecida, apesar de ainda no início do século XIX ser apreciadíssimo por gente tão ilustrada como o poeta alemão Goethe.

Este Corps de garde, trata-se de um exemplar de um género menor, conhecido pelo nome de bambochades que Sébastien Bourdon aprendeu durante a sua estada em Roma (1634-1637) com o pintor Pieter Van Laer (1592-1642). As Bambochades eram cenas mais ou menos burlescas ou pitorescas, que representavam cenas do quotidiano, passadas em mercados, tabernas, com soldados brigões e bêbedos e outros tipos populares. A origem do nome vem da palavra italiana Bamboccio, que era a alcunha depreciativa que davam em Roma a Pieter Van Laer e que quer dizer mais ou menos títere ou boneco sem graça.

O que é certo é Sébastien Bourdon teve sucesso com as suas Bambochades em Paris. Encontrei na base Joconde (a base dos museus de França) uma umas quantas delas, sendo que uma é muito parecida com a minha, Soldats jouant aux cartes dans um corps de garde, que está no Museé de Picardie


Claro, as bambochades eram um género menor e depois o pintor distinguiu-se nas cenas bíblicas, que eram consideradas os grandes temas para os pintores realmente notáveis

sexta-feira, 12 de março de 2010

Faiança Ratinho numa pintura de José Malhoa


Não podia deixar de partilhar com os leitores deste blog o óleo do pintor José Malhoa, a Sesta, que se encontra no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Se repararem com atenção, à direita, descobrem um belo prato Ratinho no Cesto do camponês. O Grupo de trabalhadores que se encontra a dormir espalhado à sombra das árvores, comeu o seu farnel no prato Ratinho e um deles parece estar a acordar.
José Malhoa (Caldas da Rainha, 28 de Abril de 1855 – Figueiró dos Vinhos, 26 de Outubro de 1933) é como toda a gente sabe um dos mais populares pintores portugueses e gravou nas suas telas um Portugal rural, que hoje estás em vias de desaparecer.

José Malhoa esteve em 1906 no Brasil, a convite do Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro para aí expor os seus trabalhos. A exposição inaugurada em Julho desse ano teve um sucesso tremendo e dos 112 quadros expostos, Malhoa vendeu 52!

Explica-se assim porque é que esta tela, A Sesta, está no Museu de Belas Artes do Rio, bem como muitas outras obras do pintor, que se encontram espalhadas por colecções públicas e privadas do Brasil.
Para saber mais sobre Malhoa
Mais sobre Faiança Ratinho

quarta-feira, 10 de março de 2010

Humildes faianças: louça tradicional de uso comum no Concelho de Arganil


Conjunto de pratos de faiança Ratinho patentes na exposição

Iniciei este blog em Setembro, a pensar que isto ia ser uma coisa tonta, comigo a falar só para o infinito, e desde essa altura para cá, surpreendentemente, tenho obtido resultados interessantes. Apareceram muitas pessoas que eu não conhecia de lado nenhum, fizeram comentários e sugestões, que me levaram a querer saber mais e a sistematizar conhecimentos e aos poucos esboçam-se uma página de Internet e uma rede familiar, onde se podem encontrar entre outras velharias, conteúdos pertinentes acerca de faiança portuguesa.

Em Fevereiro, o Carlos Pereira, de Fernão Ferro efectuou um comentário ao meu post sobre faiança ratinho, falando-me das suas peças desta loiça e duma exposição que participou em 2007, em Arganil, emprestando obras suas. Fiquei todo entusiasmado, fiz uma pesquisa no google, descobri o nome da exposição, telefonei para a Câmara e escrevi um mail ao seu Presidente, o Engenheiro Ricardo Pereira Alves geral@cm-arganil.pt, a solicitar-lhe o envio dum exemplar do Catálogo.

Os serviços da Câmara Municipal de Arganil foram muito simpáticos, rapidamente enviaram-me à cobrança a referida publicação para Lisboa, cujo preço final não chegou aos 7 euros.

É um livro muito interessante sobre faiança popular que eu e muitos dos seguidores deste blog gostámos muito, com imagens de belos pratos ratinho e de outros fabricos da zona de Coimbra.

Houve uma parte do catálogo, que me chamou sobretudo a atenção, que é a utilização desta louça de faiança popular. Com efeito, num passado não muito remoto, nas famílias mais humildes do campo não havia o hábito de comer em pratos individuais. Nas refeições, usava-se um grande prato, normalmente fundo, onde se punham os alimentos e os membros da família picavam dali, ou à mão, ou cada qual com o seu garfo. No catálogo, mostra-se uma mesinha muito rústica, de três pernas, de tampo circular, facilmente confundível com um banco, que servia exactamente para assentar o grande prato ou bacia, do qual todos se serviam. Na região de Portalegre, para onde os Ratinhos se deslocavam para trabalhar, este grande prato eram conhecido por Baranhão, segundo informação prestada pelo Miguel.
Esta informação coincide em grande parte com a descrição que o meu pai faz da forma como os trabalhadores agrícolas eram servidos na cozinha do Solar dos Montalvões de Outeiro Seco. A comida era servida num grande prato ou bacia, designada por “fonte” e os trabalhadores picavam directamente dali.

Neste pequeno catálogo, com 59, páginas, impressas num papel barato, as humildes faianças, ganharam foros de nobreza

terça-feira, 9 de março de 2010

Peças da Vista Alegre vendidas como se fossem francesas


Apesar de a nossa Isa não gostar das florzinhas vitorianas da Vista Alegre, vou voltar hoje ao assunto. Um dia destes, sai do emprego e regressei a pé para casa por S. José, que é uma bonita rua de casario antigo e com antiquários, onde eu gosto de meter o bedelho, embora raramente compre. E numa dessas casas de antiguidades, lá estavam a chamar por mim, um bule de chá, um açucareiro e uma taça com uns motivos de florzinhas, que se apresentavam como uma leve variante do smotivo da cafeteira e da taça, que mostro aqui.
Entrei para ver melhor a peça e a Madame da loja cai logo em cima, atirando à queima-roupa que as peças eram francesas! Mais, que os franceses nunca marcavam as peças! E mais ainda, adiantou-me logo que o conjunto “français” das 3 peças estava à venda por 350 Euros! Como diria o meu amigo Manel, Cada tiro, cada melro...

Muito delicadamente chamei a atenção da Senhora para o facto de que as peças, embora não estivessem marcadas eram da Vista Alegre, pois aqueles formatos polilobados são típicos da fábrica, aquelas florzinhas foram usadas durante toda a segunda metade do século XIX. Contudo, a referida Senhora não quis ficar muito convencida, porque vender porcelana francesa dá mais emblema. É lamentável que quem venda antiguidades ande tão mal informado, sobretudo sobre peças de produção nacional, relativamente comuns. Claro, nós sabemos que a VA seguia de perto as porcelanas de Paris e Sêvres, mas por amor de deus, basta consultar o catálogo do VII Leilão da Vista Alegre, p. 147, que ainda se encontra por aí à venda e está disponível na net, para ver um serviço com uma decoração diferente, mas cujas peças tem exactamente o mesmo formato.


Como não posso ir à loja com minha cafeteira marcada VA, para a educadamente a esfregar no rosto da acima referida Senhora, fiz este post

segunda-feira, 8 de março de 2010

Registo com Cristo, Sta Catarina de Alexandria e moldura com açucenas


Abusando da paciência dos que não gostam de Cristos, volto outra vez à carga com os crucificados, que fazem as minhas delícias. Tenho este registo muito bonito, representando ao centro um Cristo muito ingénuo e no lado esquerdo, uma Santa Catarina de Alexandria, facilmente identificável pelos seus atributos habituais, a palma de mártir, a roda dentada na qual foi supliciada e a espada que a degolou. Do lado direito da cruz, há um escudo com elementos iconográficos relativos à referida Santa, a roda dentada, a palma de mártir, a espada e a lança. Julgo tratar-se do escudo da irmandade ou confraria que este belo registo capeava. A composição está envolta numa moldura onde de cada lado dos cantos superiores despontam duas açucenas (Lilium Candidum L), flores que representam a pureza e a virgindade de Maria.


A moldura e estas flores dão a esta composição um certo de natureza morta de Josefa de Óbidos, que tinha uma predilecção especial pelas açucenas. Reparem por exemplo no encantador cordeirinho pascal do Museu de Évora, cujas açucenas destaco em pormenor. Aliás, esta é uma das razões que me leva a crer que esta gravurazinha é logo do início do século XVIII ou mesmo do até mesmo do Séc, XVII.
Relativamente a Santa Catarina de Alexandria, a sua história é muito curiosa. Terá nascido em 287, como o nome Hécata (posteriormente corrompido), no Egipto, em Alexandria, um dos grandes centros intelectuais no mundo antigo, no seio de uma família nobre e na juventude tornou-se uma rapariga culta, que lia nada menos nada mais do que Platão!

À sua volta giram toda uma série de lendas fantásticas, que se tornarão mais tarde temas clássicos da pintura europeia do renascimento e da Idade Moderna. Numa dessas histórias, Catarina afirmou que só se casaria com alguém que a superasse em beleza, virtude e sabedoria. A sua Mãe, Saninela, uma cristã em segredo enviou-a para perto dum Eremita, Ananias, onde a jovem teve uma visão, segundo a qual se encontrou com a Virgem e o Menino e se casou misticamente com Cristo, convertendo-se à nova religião. Esta cena deu origem a um tema popular da pintura europeia, o Casamento Místico de Sta. Catarina. Veja-se o exemplar do Museu Nacional de Soares dos Reis da autoria de Josefa de Óbidos
A jovem Catarina viveu em pleno século III, numa altura em que as autoridades romanas perseguiam ferozmente os cristãos e não tardou nada que o Imperador Maximino a encarcerasse, mandando um batalhão de sábios para tentar convencer a rapariga a renegar o Cristianismo. O que acontecia é que Catarina era tão convincente e sábia, que convertia a sua fé todos que tentavam fazer com que abjurasse da sua fé. O Imperador perdeu a paciência e mandou-a supliciar numa roda com lâminas. Não se sabe o que aconteceu, mas a roda desfez-se em estilhaços e a nossa Catarina ficou ilesa. No entanto, as torturas continuaram até que Catarina rezou a Deus para pôr fim aos seus suplícios e foi então decapitada, tendo os anjos levado o seu corpo para o monte de Jebel Katarina da Península do Sinai. (ver pintura de autor anónimo do Museu Nacional de Arte Antiga)
Mas, o que é mais curioso disto tudo é que os modernos historiadores crêem que esta personagem lendária cristã, mais não é do que a reminiscência da existência da célebre Hipácia, a filosofa neo-platónica, que foi lapidada por fanáticos cristãos.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Cristos


Adoro Cristos. Já tentei contar quantos tenho em casa, mas quando chego à casa-de-banho já não me lembro se contei os que estão na ombreira da porta da sala e volto ao início. Mas, talvez entre esculturas e gravuras existam no meu apartamento minúsculo uns vinte e seis Cristos abençoando um homem descrente e só.

Este Cristo muito popular é dos meus preferidos. É feito como se fosse um pequeno altar, pois tem os degraus, os castiçais e a custódia, Depois tem a panóplia dos instrumentos ligados à crucificação, o chicote, o galo, representando S. Pedro, o cálice, a escada, a lança e o pau com a esponja de vinagre, que algum malfeitor usou para avivar as feridas de Jesus.

Há muitos anos, trabalhei na organização de uma grande exposição de arte portuguesa no Japão e os nossos anfitriões nipónicos recusaram-se a ter Cristos expostos, o que colocou o comissário português numa posição limitada nas suas escolhas, já que toda a arte portuguesa está pejada de descidas da cruz, crucificações, flagelações, vias sacras, etc. Os japoneses acham os nossos Cristos uma coisa macabra, perfeitamente bárbara e de se pensarmos bem, um homem pregado numa cruz não é um espectáculo agradável de se ver.

Contudo, os Cristos portugueses são tão ingénuos, doces, que da encenação macabra da Crucificação já tem muito pouco

quarta-feira, 3 de março de 2010

Castanea sativa


Não tenho propriamente uma terra. Nasci em Timor, ilha da qual não guardo qualquer espécie de memória e fui criado em Benfica, que é aquele bairro lisboeta incaracterístico, dos anos 60/70, que a coisa mais próxima do pitoresco que apresenta são as varandas com marquises em alumínio.

Só experimento aquele sentimento de esta é a minha terra, em Vinhais, perto de Bragança. Ali sinto que tenho raízes, encontro traços fisionómicos semelhantes aos meus nas pessoas, que vejo na rua e identifico-me com aquelas paisagens de montes a perder de vista, que anunciam já a Europa do Norte. O isolamento das serranias adapta-se a um certo lado insular da minha personalidade. As histórias já muito esbatidas de antigas comunidades perdidas naquelas serras praticando em segredo o judaísmo, ajudaram também a sentir aquela terra como minha, pois sempre me senti como parte de uma minoria

No entanto, talvez o elemento que para mais simboliza esta região é o castanheiro, que cobre grandes manchas desta região. Sempre que nos aproximamos de uma povoação, 3 ou 4 km antes, começam a rarear os carvalhos e aparecem os soutos. São compostos por centenas de castanheiros enormes, por vezes gigantescos, muitos com centenas de anos, existe mesmo um em Lagarelhos, que terá cerca mil anos, conhecido entre os populares pela “grande castanha”. Rodeando todas as aldeias há estas árvores enormes e centenárias, formando bosques que nos recordam os contos da infância onde as meninas eram atacadas por animais ferozes na floresta.
É uma paisagem impressionante que se estende pela chamada Terra Fria, uma região formada pelo Conselho de Vinhais e a parte Norte do distrito de Bragança e que como o nome indica é particularmente fria. Ao que parece 80 % dos castanheiros portugueses encontram-se aqui concentrados e esta zona do País é também praticamente a única que não foi contaminada por eucaliptos.

Há pouco tempo numa das minhas deambulações pela net, descobri um blog estupendo, http://plantas-e-pessoas.blogspot.com/, com imensos artigos interessantes sobre castanheiros, escritos por agrónomos e com os quais aprendi imenso.

Ao contrário do que me sempre contaram em miúdo, o castanheiro não foi a principal fonte de alimento dos povos celtas que viviam no alto dos castros, que dominam ainda muitos montes sobranceiros às povoações transmontanas. Segundo o Blog Plantas-e-pessoas, que repete Conedera et al., Veget Hist Archaeobot, 13, 2004, não há provas do cultivo do castanheiro fora da Península Itálica durante o período romano. O Castanheiro terá sido introduzido na alta Idade Média, consolidando-se nos sistemas tradicionais agrícolas a partir do Século XI.
Isto é uma revelação espantosa. Talvez os primeiros pés de castanheiros tenham sido transportados de França pelo caminho de Santiago ao longo do Norte das espanhas e introduzidos no Ocidente Peninsular, logo nos primeiros tempos da reconquista. Em 868 o Porto foi tomado definitivamente aos Mouros por Vimara Perez e a linha a Norte do Douro está outra vez nas mãos dos cristãos e talvez tenha sido nesse período de tempo que se começaram a plantar os soutos transmontanos, tornando-os numa fonte alimentar essencial na região.

Sei que fugi um bocadinho ao tema das faianças, azulejos, porcelanas com florzinhas vitorianas e santos barrocos, mas não podia deixar de falar dos castanheiros, umas velharias da natureza, que sempre me impressionaram tanto e que fizeram parte da vida de gerações e gerações de antepassados meus.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Galos e galinhas num prato de faiança inglesa Brown-Westhead, Moore & Co

Um dias destes, na Feira-da-ladra, o Manel e eu vimos uns pratos de faiança inglesa muito bonitos e aplicámos um pequeno golpe já velho, para o vendedor nos fazer um preço mais em conta. O Manel, pediu o preço, ouviu a resposta e depois perguntou quanto seria se levasse dois e claro, o valor pedido pelos dois foi mais baixo. Ele comprou-os, dividimos e cada um levou o seu prato todo contente para casa.

O prato tem uma bordadura encantadora com galos, galinhas e patos. Imagino que tenha servido muitos meninos durante mais de 100 anos. As crianças deveriam adorar comer nele e ficavam-se a olhar para os patinhos em vez de dar garfadas no peixe. Os pais pacientes fariam histórias com os galos e as galinhas enquanto lhes enfiavam colheradas pela boca a baixo. Enfim, desculpem-me ter deixado levar pelo sentimentalismo, mas o prato só me recorda a infância passada em casas de província
Em termos mais práticos, esta peça foi fabricada pela Brown-Westhead, Moore & Co, uma fábrica inglesa que laborou entre 1862-1904 e este encantador serviço designou-se por Poultry, que em português, quer dizer a criação. Foi uma encomenda especial para a O Gran Dépôt de Porcelaines e Faiences, que existia na Rue Drouot em Paris e também em Marselha. este armazém fui fundado por um um tal, Emile Bourgeois, que teve um percurso curioso. Nasceu em 1832, mas em 1856 mudou-se para Inglaterra, onde se tornou professor de francês e aprendeu naturalmente inglês. Contudo, deve-se ter fartado de ensinar a língua de Racine às meninas de sociedade britânicas e tornou-se vendedor de faianças. Em 1862 está de regresso à la douce France e abre um armazém em Paris, especializado em vender as melhores loiças inglesas de Minton, Copeland, Wedgewood & Brown e Westhead & Moore. O seu estabelecimento não parou de ter sucesso, foi sendo alargado e o Sr. Emile morreu rico em 1926 e o seu armazém vendido em 1927.

Voltando às marcas e embora se veja mal na fotografia do reverso, o prato apresenta o chamado Registration Diamond, da segunda fase, usado entre 1868-1883. Esta marca inclusa em forma de losango, usada pelos fabricantes britânicos, permite saber exactamente a data de fabrico da peça. O meu prato foi produzido em 1875

Quem quiser conhecer melhor sobre este método da datação abra o link
http://www.drexelantiques.com/englishregistry.html