terça-feira, 15 de junho de 2010

S. Francisco de Assis, os estigmas de Cristo e alguns desvios para outros assuntos

Embora tenha uma preferência mórbida pelos mártires cristãos do Baixo Império Romano, também aprecio os outros Santos e Santinhos, que não mereceram a palma de mártir, como este S. Francisco de Assis, cujo registo, aqui encontrou um passe-partout muito bonito, em seda, com uns raminhos bordados, que deve datar no início do século XX. Estes passe-partouts em tecidos ricos e bordados minuciosos destinavam-se normalmente a fotografias e eram executados por damas prendadas e certamente virtuosas. Na casa da família da minha mãe há um destes exemplares, com um trabalho precioso, em que as pétalas das flores são metades de casulos do bicho-da-seda.

Aqui alterei-lhe a função original e passou a servir de moldura a uma estampa de S. Francisco de Assis do século XVIII..
S. Francisco aparece aqui representado numa das iconografias mais estranhas, que conheço, a estigmatização. Representa uma visão que S. Francisco de Assis teve no Monte Alverno, em Itália. Nesse dia de 14 de Setembro de 1224, Francisco viu a figura de um homem com seis asas, semelhante a um serafim, que estava pregado numa cruz e à medida que o contemplava, exprimentava uma imensa felicidade e simultaneamente alguma tristeza. Depois, sentiu abrirem-se no seu corpo as feridas do próprio Cristo crucificado. S. Francisco foi o primeiro cristão a ser estigmatizado, isto é, a receber as 5 chagas de Cristo.

Para a nossa sensibilidade moderna, fenómenos como este parecem estranhos e bizarros. Mas na Idade Média, milhares de pessoas entregaram-se a experiências místicas extremas para encontrar Deus. Renunciaram a todos os prazeres e à família, fizeram retiros, votos de silêncio, martirizaram a carne, passaram a fome, sofreram doenças e talvez no final do delírio tenham mesmo acreditado ver Deus, Cristos e os Apóstolos. Os visionários com mais sucesso obtiveram o reconhecimento da sociedade, fundaram ordens religiosas poderosas, mosteiros cheios de obras de arte, escolas e influenciaram o curso da história. Mas enfim, estou a desviar-me do assunto. A partir noutras direcções como a nossa Isabel costuma fazer, embora agora esteja de férias. Voltando a nossa estampa, ela foi impressa por um tal Santos, um impressor do Porto, que segundo o Roteiro da colecção do Museu Nacional de Soares dos Reis. - Lisboa: IPM, 2001, p. 88 foi “um dos mais produtivos gravadores portuenses, com vasta obra de carácter local em numerosos registos para imagens e igrejas do Porto”

2 comentários:

  1. Não poderia ser mais a propósito, mencionar o meu "santo" favorito!
    Tenho, num dos locais mais favorecidos das minhas memórias, uma viagem de carro que fiz com um amigo pelo interior de Itália, desde Bologna até Roma, onde "não deixámos pedra sobre pedra" na região da Úmbria.
    Uma das noites (era Páscoa, e fria, por sinal), ficámos a dormir ao ar livre, num prado, fofo, rodeado por ciprestes, numa das colinas que rodeiam Assis; sobre a cabeça (vou lá esquecer isto!) uma lua cheia, argentea, enorme, hipnotizante, a ocupar um céu de veludo que ia do azul negro ao azul acinzentado claro, a brisa, fria, mas reconfortante (adoro dormir ao relento!), e enquanto ali estava, pensei que talvez S. Francisco tivesse, igualmente, estado ali mesmo! Com certeza não esteve, mas gosto de pensar que sim! Reconforta-me a ideia e tira-me da mediocridade!
    Fiquei longo tempo acordado, a escutar os ruídos nocturnos e as luzes da cidade que tremeluziam, lá mais em baixo.
    Por norma sou comedido nas emoções, e não sou dados a arroubos nem a êxtases, muito menos místicos (nem religioso sou!), mas naquela noite percebi que a fronteira que separa o mundo sagrado do profano é muito ténue!
    No dia seguinte acordei com o som dos sinos que se atropelava e cavalgava até mim, e, finalmente, após anos e anos de espera, entrámos em Assis ... toda a natureza ainda estava fresca, as ruas fumegavam ao sol, as pessoas ensonadas tropeçavam, e claro ... só parei na basílica ... estava fechada ainda, esperei, enregelado, ainda sem pequeno almoço, mas ... valeu a pena ... foi outra catarse, esta agora artística.
    Ver, in situ, aquilo que conhecia só dos calhamaços, os frescos de Giotto, Cimabue, Martini e Lorenzetti não me deu para a comoção, que afinal sou demasiado frio e racional para esses arroubos, mas, se não soubesse, teria percebido ali a razão da importância da arte para a nossa sobrevivência interior!
    Não regressei a Assis, mas entretanto houve um terramoto, reconstruiu-se de novo, não sei como ficou, mas espero que continue a permitir as mesmas sensações que me fizeram cair em contemplação, mudo durante horas e, creio até que chegou mesmo a mudar um tudo nada dentro de mim.
    Li sobre a vida do santo, fizeram-se filmes sobre a mesma temática, é um dos personagens mais populares e queridos em Itália (mesmo no mundo), até entre ateus e agnósticos (como eu) há um certo carinho comezinho pelo personagem, e, se fosse religioso, seria seguramente o "santo do meu altar".
    À falta da Maria Isabel (que ela faz falta! Isto sem ela não é a mesma coisa! Espero que esteja a gozar um merecido descanso) estou eu a tentar preencher o lugar, tergiversando sobre isto e sobre aquilo ... mas que o teu "post" me trouxe coisas boas à lembrança, lá isso trouxe!
    Manel

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  2. Gostei muito do teu texto poético, desenvolvido a partir dos tópicos do meu post, que pouca ou nenhuma poesia tinha. Talvez tenha sido numa dessas noites de luar que S. Francisco de Assis teve a visão do Serafim, que lhe transmitiu as chagas de Cristo.

    Há muito que ambiciono viajar até essa região do centro de Itália, mas a vida não mo tem permitido.

    Em todo o caso, encantei-me com teu comentário muito literário e bem escrito

    Abraços

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