terça-feira, 17 de maio de 2016

Journal des demoiselles e o Petit courrier des dames

Estampa extraída de Petit courrier des dames, revista publicada em Paris, entre 1822 e 1868
Para quem aprecia coisas antigas e não dispõe de muito dinheiro, as estampas retiradas das antigas revistas de modas francesas do século XIX são uma belíssima opção, pois compram-se a preços muito razoáveis e são fáceis de encontrar em feiras de velharias e alfarrabistas. Não são obras-primas e ninguém vos vais roubar a casa por causa delas, mas são peças que dão o tal toque de dignidade histórica a um apartamento, como se tivéssemos em casa uma simples colherzinha de café em prata, sobrevivente única, de um faqueiro pertencente à família durante várias gerações e que as várias crises económicas e sucessivas partilhas levaram aos poucos.

Estas duas estampas comprei-as na feira de Estremoz, já emolduradas e por muito preço. Destinam-se a ser oferecidas, uma à minha irmã e outra à minha filha. Creio que são boas prendas para oferecer às senhoras ou jovens raparigas.

As estampas foram retiradas de antigas revistas de moda do séc. XIX, publicações antepassadas da Elle ou da Marie-Claire dos nossos dias. Enfim, nunca poderemos chegar a saber quem desmembrou essas revistas, se os alfarrabistas para venderem as estampas à unidade e fazerem mais dinheiro do que vendendo um número inteiro, ou se no passado, no tempo em que as senhoras de Lisboa, Berlim ou Rio de Janeiro recebiam estas revistas e recortavam as estampas para as levar à modista, que reproduziam os modelos de Paris.
Journal des demoiselles, publicação periódica editada em Paris entre 1833 e 1922
A primeira estampa foi extraída do Petit courrier des dames, uma revista que se publicou em Paris, entre 1822 e 1868, com uma periodicidade semanal, conforme o registo catalográfico da Biblioteca Nacional de França.

Embora não esteja datada, a imagem corresponderá mais ou menos ao chamado II Império (1852-1870), período em que Napoleão III governava a França e que em termos de indumentária se identifica facilmente pelas saias muitíssimo rodadas, que as mulheres envergavam.


A segunda gravura foi recortada da revista Journal des demoiselles, editada em Paris entre 1833 e 1922. Segundo a Biblioteca Nacional de França, O Journal des demoiselles absorveu o Petit courrier des dames em 1868 e passaram a então a constituir um único título a partir dessa data. 
A imperatriz Eugénia de Montijo rodeada pelas suas damas, por Winterhalter. Foto wikipédia

A estampa do Journal des demoiselles está datada, de Janeiro de 1860 e corresponde exactamente ao mesmo período da primeira gravura, o segundo Império, época em que a Imperatriz Eugénia de Montijo, a Princesa Pauline de Metternich e outras elegantes de Paris, ditaram esta moda das saias de amplitude desmesurada, que os caricaturistas não se cansaram de ridicularizar. Estas saias gigantescas eram suportadas por uma estrutura em crinolina, uma saia de baixo engomada e forrada com crina de cavalo. A crinolina não parou de evoluir para acompanhar a loucura das saias cada vez mais rodadas e transformou-se numa estrutura com aros, que dispensava o uso de outras saias para fazer volume e permitia às mulheres carregar com um pouco menos de peso.

A estrutura que servia de base às saias de roda do II Império. Foto Wikipedia
Nos finais da década de 60, por influência do costureiro Worth, a loucura da crinolina atenua-se com a tornure, em que o volume é transferido para a traseira, transformando a roda da saia, numa massa oval, capaz de passar com muito mais facilidade pelas portas e desaparecerá completamente na década de 90 do século XIX, quando a moda das saias travadas se generalizou.

Alguma bibliografia:

A moda: 5000 anos de elegância / Mila Contini. Lisboa: Verbo, [197?]

6 comentários:

  1. Respostas
    1. Margarida

      Há muito que tenho um fraco por estas estampas, desmembradas das antigas revistas de moda. Mas só agora se proporcionou comprar estas duas, que se destinam a ser oferecidas, pois em minha casa já não cabem de todo.

      Bjos

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  2. Luis

    As suas gravuras são um encanto. Representam bem o espírito da época, no qual a mulher desempenhava quase que unicamente um papel decorativo ( evidentemente aquelas que pertenciam às elites). Há tempos comprei a o Journal dês Demoiselles, década 1850 a 1861. Completa e em óptimo estado. É uma delícia folhear aquelas páginas. Como é um tema que me interessa muito, tenho procurado aprofundar os conhecimentos, pesquisando também na BN. O manancial de informação é muito, pelo que se torna um pouco difícil fazer uma estruturação que nos possa dar uma ideia da importância da moda e do impacto social que desencadeava. Um dia próximo escrevo um post sobre o tema.
    Parabéns pelo seu texto.
    Um abraço
    If

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    1. Ivete

      Este assuntos são fascinantes e foi-me difícil escrever este texto sem fugir ao assunto, pois há toda uma série de personagens que protagonizaram estas modas, como a Imperatriz Eugénia de Montijo, sempre com os olhos delineados com um lápis preto muito grosso, a Princesa Pauline de Metternich, que apesar de ser uma mulher da sociedade, dizia sempre a verdade ou a Imperatriz Elisabeth da Áustria, a célebre Sissi, de que apetece contar histórias. O uso da crinolina provocou também imensos acidente mortais, pois era um material altamente inflamável e muitas mulheres morreram queimadas, por se acercarem de uma lareira e as suas saias transformaram-se em verdadeiras piras incendiárias.

      Aguardamos um post seu sobre o Journal des demoiselles, que é um tema bem ao jeito do tempo e das histórias.

      Um abraço

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  3. Era uma pena que não tivesses adquirido pelo menos estas duas.
    Também deverias ter comprado a outra que lá ficou, mas percebo que a tua casa não estica ... a minha também não!!!!! :-(
    Mas são uma graça, estas gravuras.
    Anda cá por casa uma que, em meados do século XIX, serviu de tampa a uma caixa de um vestido (?) encomendado em Paris. Sobrou a estampa que guardo emoldurada, o vestido (?), bem, esse perdeu-se na voracidade do tempo.
    Mas está um história bem contada
    Manel

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    1. Manel

      Realmente estas estampas sem grande valor comercial são simultaneamente muito bonitas e sociologicamente interessantes. Como a Ivete bem referiu estas saias revelavam o papel absolutamente decorativo reservado às mulheres da sociedade no século XIX. Uma mulher que vestisse uma saia destas tinha dificuldade em passar por uma porta mais estreita ou entrar numa carruagem. Precisaria certamente da ajuda de uma ou dias criadas para se vestir. Eram também perigosas e houve muitos casos de mulheres que morreram queimadas aprisionadas nestas saias. Mas, no entanto, estas estampas revelam o fascínio de uma época e imaginamos de imediato a jovem Imperatriz Elisabeth da Áustria a deslizar pelos salões com estas saias gigantescas ou a pompa da sociedade francesa ao tempo do Segundo Império.

      Um abraço

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