terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

“Le Feu: Vulcain”: uma pequena gravura com três séculos

Por um preço muito simpático comprei recentemente esta estampa com 300 anos. Não preciso dela para nada e nem sei onde a hei-de colocar, pois as paredes da minha casa estão integralmente cheias. Mas, para os amantes das velharias e antiguidades o prazer da descoberta não tem preço.
 
Quando cheguei a casa com a gravura, lancei-me sobre a internet e fiz algumas pesquisas combinando o nome do título da gravura Le Feu: Vulcain com os nomes do gravador e do pintor Jeaurat e Vleughels e descobri um exemplar desta estampa na Welcome Library de Londres.

Pude então identificar correctamente esta gravura, que representa o deus romano Vulcano e foi gravada em 1716 por Edme Jeaurat (1688-1738), a partir de uma obra do pintor Nicolas Vleughels (1668-1737), na cidade de Paris, onde o gravador Edme Jeaurat tinha a sua oficina.

Apresenta um epigrama, alusivo ao tema, da autoria de Noël Bosquillon, um poeta e tradutor de latim, com alguma notoriedade nos finais do século XVII, inícios do XVIII e hoje completamente esquecido e cujo texto abaixo transcrevo:

Vulcan n'est pas long-temps paisible;
L'enclume va gemir sous son puissant marteau:
On reconnoist le feu, cet element terrible,
A celuy qui de Vleugle échaufa le pinceau
 
 

Com os dados obtidos nessa biblioteca, cuja imagem está disponível on-line continuei a minha busca até chegar ao catálogo da Biblioteca Nacional de França onde consegui perceber que esta gravura fazia parte de um conjunto de quatro, em que cada uma delas representava um dos elementos básicos da constituição da matéria, o fogo, a água, o ar e a terra. Todas estas gravuras foram executadas pela parceria Jeaurat e Vleughels, contam um epigrama de Noël Bosquillon e nelas os 4 elementos são representados por um deus da mitologia clássica, Vulcano para o fogo, Juno para o ar, Amphitrite para a água e Cíbele para a terra.
L'eau :Amphitrite / Edme Jeaurat ; N. Vleughels
 
 
L'air :Junon / Edme Jeaurat ; N. Vleughels

Parti então à procura de imagens das outras estampas, que formavam conjunto com este meu Vulcano, pois já agora queria reconstitui-lo, ainda que virtualmente e de facto consegui encontrar na net imagens de L’eau: Amphitrite e de L’air: Junon, a primeira à venda no e-bay e a segunda num inventário cultural dos bens da Lombardia. Quanto a Cíbele ou Ceres, esquadrinhei toda a internet, mas não encontrei nada. No entanto, ao vasculhar os catálogos dos museus e das bibliotecas, descobri que este Edme Jeaurat dedicou-se muito a produzir conjuntos de estampas com este tipo de alegorias, como por exemplo, aos cinco sentidos, às quatro estações, às paixões humanas, tomando sempre como referência cenas da mitologia clássica.
 
L'ETE / Edme Jeaurat ; N. Vleughels. Edme Jeaurat dedicou-se muito a produzir conjuntos de estampas alegóricas, como por exemplo, aos cinco sentidos, às quatro estações, às paixões humanas.
 

11 comentários:

  1. Desconhecia mas agradeço a tua informação. Um terno abraço

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    1. Caro PFoz55

      A graça de comprar gravuras é o prazer de descobrir informações acerca delas. Cada um destes pedacinhos de papel que se compram a preço de ocasião conta uma ou mais histórias muito curiosas.

      Um abraço

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  2. Caro Luís
    Como o compreendo nesse seu sentimento do prazer na descoberta das origens das nossas peças, no meu caso, que não me dedico às estampas (por enquanto), das fontes que serviram os fabricantes de cerâmica para conseguirem um novo motivo decorativo.Quando pesquiso sobre uma nova peça é um mundo do que se me abre e que me faz avançar de descoberta em descoberta, de tema em tema até solucionar o problema. Quando acabo estou mais rica em tudo. Em conhecimento, em felicidade e acredito até que em saúde :)
    Acredito que, criativo como é vai encontrar lugar para a sua estampa:)
    Bjs e boa semana

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    1. Maria Paula

      Tem toda a razão. O prazer de colecionar não se esgota na compra. Pesquisar, tentar encontrar informações sobre as peças que se compra é um desafio ao mesmo tempo divertido e muito enriquecedor.

      Só fiquei com pena de não ter o conjunto das quatro gravuras. Dispostas ao lado umas das outras numa parede deveriam ficar espectaculares. Mas, enfim, dou-me por contente por este achado que me custou menos que uma dúzia de euros.

      Bjos e boa semana

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  3. Por melhor que seja o gravador, se o original não for inspirador, então, o resultado não estará à altura. Como na culinária, por exemplo, se os ingredientes não forem os melhores, o resultado, não sendo mau, será só satisfatório.
    No caso do artista que apresentas, o gravador tem qualidade, mas, na sua última gravura, o resultado é só satisfatório. Já a tua gravura, gosto mais dela aqui reproduzida, do que o original propriamente dito.
    As dedicadas ao "Ar" e à "Água" são muito interessantes. Ter o conjunto das quatro deveria fazer um efeito interessante.

    Prefiro estas gravuras já manchadas e amarelecidas pelo tempo do que aquelas que parecem ter saído da impressão.
    Ficam com um ar tão nostálgico, de "Velho Mundo" que me encantam.
    E continuas a fazer um belíssimo trabalho de detetive, parabéns
    Manel

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    1. Manel

      Tens razão. Este Nicolas Vleughels foi um pintor sem grande mérito. A única coisa notável que fez foi ser presidente da Academia Francesa em Roma. Pintava uma senhoras meias desnudas inspiradas na antiguidade clássica sem grande rasgo. Pensei colocar aqui uma dessas imagens, mas achei que só fariam ruído visual. Tal como tu prefiro estas estampas manchadas pelo tempo. Neste mundo onde a decoração que as lojas modernas nos propõe é funcionalista, fria e impessoal, estas gravuras amarelecidas dão um toque histórico e nostálgico nas nossas casas, que é aquilo que todos os amantes de velharias, românticos incorrigíveis, procuram sempre.

      Um abraço

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  4. Quando permanecemos abertos, as descobertas nos encontram, nem é preciso esforço, portanto, entendo perfeitamente.

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    1. Cara Gloria

      Creio que gosto tanto de comprar gravuras, por causa do prazer que as pesquisas de identificação me irão proporcionar. São como uma investigação policial.

      Um abraço

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    2. Então, tens os melhores motivos para construíres mais paredes!

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  5. Muito interessante. Talvez a Cibele seja similar a uma destas gravuras:

    http://www.chalcographiedulouvre.com/html/2b/selection/page_notice-ok.php?Ident=D&NoticeId=573&myPos=1

    https://wellcomeimages.org/indexplus/image/V0015028.html

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    1. Caro Jorge

      Obrigado pelas suas pistas.

      Vasculhei a net toda, pesquisando por Cibele, Ceres e pela dupla Vleughels/Jeaurat, mas não encontrei nada. Mas também adivinho que daqui a uns seis meses algum museu, biblioteca, alfarrabista, leiloeira ou antiquário vai colocar on-line uma imagem dessa Cibele e nessa altura faço um novo post, publicando o conjunto das quatro estampas. Por vezes há que ter paciência. Por mais que uma vez já escrevi sobre a mesma gravura dois e três posts, pois passados uns dois três anos, descubro por mero acaso, numa pesquisa sobre outra estampa qualquer, os dados que faltavam para identificar a primeira. Enfim, isto é quase um jogo de charadas, que me diverte imenso

      Um abraço e obrigado pelo seu comentário

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