segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

São Bento de Núrsia: um canivet


Recentemente comprei mais um canivet, representando São Bento de Núrsia. Canivet é um termo francês, que significa à letra canivete e refere-se à técnica com que estes registos eram executados, isto é, eram picotados com o recurso a um estilete. Os mais antigos, feitos entre os séculos XVII e XVIII eram picotados à mão, decorando uma folhinha de pergaminho, velino, tecido ou papel de muito boa qualidade onde uma freira habilidosa tinha pintado à mão a imagem de um santinho, de Cristo ou da Virgem Maria. Depois, nos séculos XIX e XX, a imagem passou a ser impressa e o picotado feito mecanicamente. Este São Bento é dos mais antigos, pois foi todo pintando e picotado à mão. Provavelmente data do século XVIII.

Se fizermos uma pesquisa por Canivet na net, normalmente vamos parar a sites franceses ou italianos, onde encontramos muitas destas imagens e a sua produção é atribuída sobretudo a conventos femininos na Alemanha, Flandres, mas também em França ou em Itália. Segundo essas páginas da internet as freiras faziam estes delicados registos para ganharem algum dinheiro.


Apesar de já ter apresentado alguns destes canivets aqui no blog, continuo sem saber se foram também feitos em Portugal. Aliás, nem sequer sei qual o termo português para designar estes registos de santos picotados à mão e no entanto estas imagens aparecem em Portugal nos mercados de velharias e nas colecções dos museus portugueses. A Casa-Museu José Régio em Portalegre tem uns quantos destes canivets preciosamente encaixilhados em pano, decorados com passamanaria e contas. Será que estes canivets vinham da Alemanha e da França e eram depois encaixilhados cá?

Sabemos por exemplo que os gravadores de estampas religiosas de Augsburgo na Alemanha, vendiam os seus registos para todo mundo Católico, portanto não é de estranhar que por cá se comercializassem estes santinhos, vindos dessas paragens. Por cá, além dos doces de ovos, as religiosas portuguesas distinguiram-se pelo fabrico de flores em papel e pano, bem como folhas de papel artisticamente recortadas, destinadas a guardar os boles e doces. Talento manual e tempo não lhes faltava para executarem estes canivets, mas nunca encontrei referência nenhuma a sua execução nas terras lusitanas.

Enfim, é um pequeno mistério que ainda torna estes canivets ainda mais preciosos aos coleccionadores de inúteis beatices como eu.


8 comentários:

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    1. Margarida

      Estes trabalhos são uma preciosidade, sobretudo se antedermos às suas dimensões reduzidas. Este canivet mede 12x8 cm.

      É um bom exemplar das minúcias do trabalho feminino dos conventos, tal como as rendas de bilros ou os bordados.

      um abraço

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  2. Este é talvez mais bonito que os outros "canivets" que tens, apesar de gostar muito deles todos.
    Fico é a estranhar a pessoa que o encontrou, possivelmente dentro de uma moldura preciosa, ainda que, talvez, antiga e meio destruída e, no entanto, arranjou tempo para o estragar todo com uma moldura do mais feio que foi possível encontrar; para não mencionar o facto de o ter enchido com cola, horrível, pois é praticamente irreversível, e que, por isso mesmo, foi dificílima de retirar, e não consegui retirá-la toda, sob pena de ficares com esta peça totalmente arruinada.
    Enfim ... continua-se a assistir a pessoas com acesso a peças fantásticas, mas que, mercê, de um mau gosto a toda a prova, e uma falta de respeito pela fragilidade destas antiguidades, não deixam de destruir tudo em que tocam. São como Midas, mas num movimento inverso
    Manel

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    1. Manel

      Este Canivet é muito bonito e sem dúvida inspira-se numa renda qualquer em voga na altura.

      Não simples escolher uma moldura para estes canivets. Tenho um com o fundo em damasco azul e em moldura dourada e não resultou bem. creio que eles pedem molduras com a madeira escurecida.

      É uma pena que as senhoras que se dedicam a emoldurar estes registos e que até tenham o trabalho de andar nos alfarrabistas e feiras de velharias, não sejam mais cuidadosas nas escolhas dos materiais. Usam fitinhas douradas muito vivas, materiais ordinários e com pouco gosto. Talvez devessem olhar para os antigos trabalhos freiráticos, que estão hoje nos museus, para se inspirarem e já que andam nos mercados de velharias, aproveitem para comprar restos de tecidos antigos, velhas passamanarias, contas e lantejoulas. Este caniver estava enfiado numa caixa pavorosa, com um trabalho de escamas de peixe e um galão dourado comprado nos chineses. Enfim, uma coisa lamentável.

      Um abraço

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  3. Muito bonito este santinho, um primor! As freiras tinham uma habilidade espantosa, e paciência também, para executarem esses trabalhos que exigiam tanta precisão e esmero. Eram meticulosas, metódicas, determinadas e guiadas pela fé. Umas loucas obsessivas e maravilhosas. Trabalhadeiras, como vc falou, ganhavam dinheiro com esses trabalhos e os outros de cozinha, costura e muito mais. Preguiçosas é que elas não eram. Contemplativas até certo ponto. Adoro uma freira antiga...por que as de agora são tão sem graça, até os hábitos estão tão desenxavidos, desgostosos...
    Aqui na Bahia, na cidade de Santo Amaro tem o convento dos Humildes e lá, nos séculos XVIII e XIX as freiras faziam um belíssimo trabalho de "maquinetas" caixinhas forradas lindamente por dentro com papel laminado cortadinho, picotado, asas de besouro, de abelha, borboletas, pedrinhas de vidro coloridos e tudo isso para servir de moldura a estampa de um santo ou santa. Jesus do Monte elas faziam muito, eram enfeitadíssimos - elas devem ter exterminado muito besouro, abelhas e borboletas! Mas tudo pela fé.
    Recentemente todo o acervo do Museu dos Humildes foi restaurado.
    Um abraço Luís.

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    1. Jorge

      Antigamente dizia-se que uma senhora nunca deveria ter as mãos desocupadas e com efeito as mulheres das classes mais desafogadas eram educadas em conventos onde aprendiam estas artes ditas femininas.

      Fico sempre surpreendido com a qualidade destes trabalhos freiráticos e achei uma graça doida a essa informação de que as religiosas de Salvador ornamentavam os santinhos com asas de besouros, abelhas e borboletas. Nunca vi nada assim. Tem que mostrar isso no seu blog.

      Há pouco tempo houve uma exposição no Museu Nacional de Arte Antiga, com umas maquinetas, onde se guardavam um menino Jesus e uma descida da cruz, todas ornamentadas com conchinhas e flores de pano. Aquilo tudo era um primor.

      Um abraço

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    2. Elas usavam conchinhas também, cabelos humanos em uns quadros estranhíssimos. No museu do Instituo feminino e Salvador tem muitos trabalhos feitos pelas freiras dos Humildes e no Convento de delas de Santo Amaro. Entre lá pelo Google. São trabalhos lindos demais.
      Abraço.

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