quarta-feira, 1 de julho de 2020

Desesperadamente procurando…a Imperatriz dos Anjos


Hoje apresento-vos uma fotografia, que acho perfeitamente deliciosa e que se encontra num dos velhos álbuns fotográficos da família Montalvão, que há uns tempos recebi de uma prima minha. Trata-se do retrato de uma senhora e de uma jovem, provavelmente mãe e filha, a julgar pela posse das mãos, cuidadosamente encenada pelo fotógrafo e que se encontra dedicada ao meu bisavô, José Maria Ferreira Montalvão (1878-1965), apesar de se encontrar no álbum o mais antigo formado pelo meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio.
 
 
Da dedicatória, consta o seguinte, Offerece ao Exmo. Dr. Montalvão em testemunho de muita amizade e consideração Imperatriz dos Anjos. Na última linha, há um gatafunho, que eventualmente poderá ser o apelido da Senhora, talvez Vaz, mas a letra não me parece igual ao restante texto.

Não sei quem era a Imperatriz dos Anjos, se a mãe se a rapariguinha, nem tão pouco consegui descobrir nada destas duas personagens, se eram gente de Chaves, ou do Porto, já que o estúdio Fotografia Moderna funcionava naquela última cidade. Mas isso também não quer dizer nada, esta jovem mãe e a sua filha adolescente poderiam ter viajado até ao Porto e aproveitaram a ocasião para se fazer fotografar ou então os artistas da Fotografia Moderna deslocaram-se Chaves, por ocasião das festas do padroeiro ou padroeira, para executar retratos da sociedade local.
 
 

Mas o mais engraçado, talvez seja o contraste entre o nome muito piedoso da senhora que dedica a fotografia, a Imperatriz dos Anjos e a garridice das duas personagens femininas. Poder-se-ia até usar o termo francês coquetterie para adjectiva-las se não houvesse aqui uma certa ingenuidade burguesa de quem vestiu as suas melhores roupinhas, para parecer bem na fotografia. A rapariguinha usa um chapeuzinho enfeitado por fita terminando com um laço artisticamente executado, uns brinquinhos com pérolas, uma espécie de estola em pele e na gola uma estrela, talvez em prata, muito à moda da Imperatriz Sissi.
 
 
A senhora, que eu presumo ser a mãe, também veste a sua melhor blusa com um folho de renda e um alfinete de ouro ou em prata. Para rematar o conjunto, o fotógrafo escolheu como um adereço uma cadeira estilo Segundo Império, com o apoio estofado e enfeitado de borlas. Se pensarmos que uma das retratadas é a Imperatriz dos Anjos, uma das designações de Nossa Senhora então tudo nesta fotografia se torna ainda mais deliciosamente frívolo.
 
 

Quanto à data, a Imperatriz dos Anjos trata o meu bisavô por Doutor. Se o meu bisavô se formou em Direito no ano de 1902 e se a Fotografia Moderna terminou a sua actividade em 1905, este retrato foi certamente tirado entre essas duas datas. Não sei que relação manteve a Imperatriz dos Anjos com o meu bisavô. Talvez tenha querido casar a sua jovem filha com o meu antepassado ou o meu bisavô resolveu-lhe algum imbróglio jurídico relacionado com partilhas ou a venda de uma propriedade e esta fotografia foi uma prova da gratidão da Imperatriz dos Anjos.

Segundo Paulo Artur Ribeiro Baptista na obra a Casa Biel e as suas edições fotográficas no Portugal de Oitocentos, a Fotografia moderna foi um estúdio fotográfico fundado em 1883, no Porto, na Rua da Picaria, nº 1 e que esteve activo até 1905. Por vezes aparece designado por Leopoldo Cirne & C.ª
 
Se aí, do outro lado do monitor se encontrar algum trineto ou bisneto da Imperatriz dos Anjos, muito agradeço que me indique quem foram a senhora e a jovem do retrato. Até lá a Imperatriz dos Anjos permanece um mistério cheio de graça e com o seu je ne sais quoi de frívolo.
 

 

10 comentários:

  1. Elas são tão parecidas que devem realmente ser mãe e filha, e são bonitas.
    A Imperatriz dos Anjos será a mãe? E a linha a seguir, pouco legível, será a assinatura da jovem, visto ser a letra diferente?
    A cadeira até parece ser um genuflexório, no entanto, é demasiado alta para isso, se bem que há cadeiras que se transformavam igualmente em genuflexórios. Mas a parte estofada do espaldar era, normalmente, mais formal e severa, aqui as borlas dão-lhe um aspeto mais mundano e decorativo.
    Enfim, muitas questões para um enorme falta de respostas.
    O tratamento formal da dedicatória, apesar dele ser normal na época, sobretudo entre pessoas de estatuto desigual, sugere uma relação mais distante entre eles, mas para que ela conste de um álbum particular, aí colocada com algum cuidado mesmo, leva-nos a pensar que haveriam sentimentos de proximidade entre os intervenientes.
    É efetivamente um mistério esta fotografia.
    Manel

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    1. Manel

      Esta fotografia está toda ela cheia de pormenores deliciosos e o nome da senhora que dedica torna o retrato ainda mais curioso, Imperatriz dos Anjos!
      A cadeira também me pareceu um genuflexório, mas pensei logo deixar esse assunto em aberto, pois imaginei logo que tu o fosses desenvolver no teu comentário. Em todo o caso o genuflexório era um adereço que faria todo o sentido num estúdio fotográfico parara fotografar os meninos na primeira comunhão ou damas muito devotas.

      Concordo contigo. Há um certo tom de deferência na dedicatória da fotografia, o que me leva a crer que esta poderá ser uma prova de agradecimento por algum favor que o meu bisavô fez por esta senhora, como a resolução de um problema de partilhas ou de venda de terrenos. A família Montalvão era influente na altura, o meu bisavô tinha sido condiscípulo em Coimbra de toda a elite portuguesa e uma carta sua à pessoa certa era o suficiente para um processo, que estava parado ter andamento ou para arranjar uma boa colocação a um filho num qualquer serviço público. Enfim, são meras especulações.
      Esta imagem é também o testemunho de um tempo quem que o retrato era algo de muito especial, que só se fazia em grandes momentos. As pessoas vestiriam as suas melhores toilettes para ir ao fotógrafo e provavelmente essa selecção era pensada com antecedência. Quem sabe se a jovenzinha não comprou o encantador chapeuzinho especialmente para a ocasião.

      Talvez daqui a um ou dois anos, apareça alguém neste blog, um descendente desta Imperatriz dos Anjos que resolva este mistério tão delicioso.

      Um abraço

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  2. Fico intrigada com a designação de "Imperatriz dos Anjos". Que significará? A fotografia é interessante, e a mãe e as filha (?) são bonitas. Bom dia!

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    1. Margarida

      Imperatriz dos Anjos foi um nome próprio que teve alguma voga nos finais no XIX e inícios do XX. É certamente um nome que reflecte uma qualquer devoção mariana, tal como Maria da Conceição ou Maria do Carmo. Fiz algumas pesquisas nos sites dos arquivos distritais do Porto, Vila Real e ainda Bragança, regiões onde poderia ter vivido esta senhora e encontrei umas meia dúzia de imperatrizes dos anjos, que viveram mais ou menos na mesma altura da Senhora da fotografia.

      Não sei nada desta fotografia. Presumo que as duas sejam mãe e filha, pois são parecidas e o fotografo encenou toda uma pose com as mãos, que sugere essa relação familiar. Mas também poderiam ser irmãs, ou madrinha e afilhada.

      Enfim, é uma daquelas fotografias que guarda o seu mistério e tenho esperança, que talvez daqui a dois ou três anos apareça aqui no blog, um descendente desta senhora e menina, que me esclareça sobre este assunto.

      Bjos e uma boa semana

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    2. Seria interessante se este nome voltasse à moda. Maria dos Anjos é mais comum, creio. Bom dia!

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    3. Margarida

      Normalmente quando tento identificar estas fotografia antigas, pesquiso sempre nas bases dos arquivos distritais ou vejo mesmo alguns livros paroquiais e é sempre engraçado verificar os nomes que se usavam no Século XIX ou início do XX. Além dos nomes de sempre, das marias, antónios, pedros ou margaridas, usavam-se nomes, que hoje nos parecem estranhos, como Balbina, Umbelina ou ainda esta Imperatriz dos Anjos. Creio que muitas vezes estas modas tinham a ver com devoções religiosas. Em todo o caso, é possível que voltem. Lembra-se certamente da moda das Vanessas, Tatianas ou Ágatas dos anos 80 e 90. Hoje os pais retomaram os nomes mais clássicos e há meninas com nomes com um certo sabor de passado como Maria do Rosário, Maria da Nazaré ou Amélia.

      Bjos

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  3. Salve Luis!
    Há uma aura de mistério poético nestas fotos. sempre um deleite vê-las. As personagens em suas poses estudadas, revelam tanto de si ao mesmo tempo que ocultam. É paradoxal, sei, mas creio que é justamente esta a raiz do seu encanto poético. Certa vez já comentara e repito, esta época saturada de selfies que banaliza a imagem, tornando-a em produto descartável, sem nenhuma transcendência. Nossa era digital matou o sentido primário de se tirar uma fotografia em estúdio, um evento envolto em uma liturgia própria cujo objetivo era registrar, de maneira simbólica, nossa efêmera passagem neste mundo, ludibriando o tempo e o esquecimento. Hoje há tanta exposição que, deveras, chegará o tempo em que o anonimato, a negação narcisista do selfie, será o luxo supremo pois resgatará o mistério perdido pela hiper exposição. Abraços da ainda fria Pelotas!

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    1. Caro Edwin

      Gostei muito do seu comentário, acerca do paradoxo, que muitas vezes estas fotografias antigas constituem para nós. Com efeito, foram imagens feitas para registar um momento especial, em que as pessoas vestiam os seus melhores trajes e o fotografo montava uma encenação cheia de significados e subtilezas e destinadas a ser oferecidas a pessoas queridas ou a quem se estava em dívida, membros da família, padrinhos ou amigos muito próximos. Porém, os nossos olhos contemporâneos não conseguem nem identificar as pessoas, nem tão pouco que momento especial foi aquele.

      Em miúdo, por volta de 1970, ainda experimentei esta sensação da fotografia feita com todos os cuidados, para registar uma época da vida. A minha mãe quis ter uma fotografia em conjunto dos seus três filhos, mas como queria qualquer mais especial e solene, não fomos ao fotografo de bairro, mas sim a um estúdio com mais gabarito no centro da cidade. Vestimos as nossas melhores roupas e fomos de táxi a esse atelier de fotografia, onde fomos cuidadosamente penteados e o fotografo obrigou-nos a uma foto complicada, em que encostávamos o rosto uns aos outos e a nossa posição foi decidida de acordo com a idade. A minha irmã mais velha ficou à esquerda, o meu irmão do meio ficou no centro e eu e mais novo na ponta direita. Passados uns dias voltamos ao fotografo, para escolher as provas e finalmente recebemos a em dois ou três exemplares a fotografia final, com retoques, para disfarçar manchas de rosto ou pele. As fotografias foram enviadas para a família no Norte e ainda hoje existe um desses retratos na casa de Vinhais, que à medida que vou envelhecendo, me comove cada vez mais.

      Muitas vezes penso que gostaria de ter uma fotografia dessas, a preto e branco com os meus dois filhos, qualquer coisa que ficasse para sempre, que pudesse ter numa bonita moldura. Mas esses fotógrafos desapareceram praticamente da cidade e o que tenho são dúzias de fotografias no computador, que um dia irão desaparecer todas, condenadas pela evolução vertiginosa dos computadores e da informática.

      Um abraço de Lisboa, a velha capital

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  4. Hummm! Adorei a Imperatriz dos Anjos, kkk que nome ótimo e, qual seria a tal? Emtodo caso as duas estão muito "imperatrizes", muito bem vestidas, ricas no traje e nos complementos. O cenário, a cadeira vestida com passamanarias e bolotas é uma beleza!
    O tom das fotos amarelecido ficou lindo, parece que elas estão em nuvens, sumindo, evaporando junto com o tempo.
    As mãos da Imperatriz mais velha no recosto da cadeira repousam lindamente. A Sissi nova é linda. As duas são Imperatrizes. Têm pompa.
    Uma tia, tinha uma amiga chamada Imperatriz...eu adorava e não entendia. E Imperatriz é nome?? kkkk
    Linda foto.
    Um abraço imperial.
    P.S. Luís,tem Carmen M. no seu e-mail.

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    1. Jorge.

      Imperatriz dos Anjos é realmente um nome próprio e que deve ter tido alguma voga nos finais do XIX e inícios do XX, pois fiz algumas pesquisas nos arquivos distritais do Porto, Vila Real e Bragança e em cada um deles encontrei pelo menos duas ocorrências deste nome. Creio que corresponderá a uma devoção mariana.

      Não sei qual delas, será a Imperatriz dos Anjos. Presumo que talvez seja a mais velha, que dedicou a fotografia. Não parece que naquele tempo, uma adolescente dedicasse uma fotografia a um homem feito, mas em todo o caso não sei nada e não tenho certezas nenhumas. Mas as duas são deliciosas e os pormenores todos uma graça. Confesso que esta é umas das minhas fotografias preferidas dos álbuns que recebi da minha prima e tenho a esperança, que algum dia aqui apareça uma descendente da nossa Imperatriz, que me identifique a senhora e adolescente. Talvez nessa altura, a fotografia perca um pouco deste seu mistério encantador, em que todas as nossas conjecturas são válidas.

      Irei ler atentamente os seus e-mails sobre a Carmem Miranda, essa imperatriz da música, das variedades e do cinema.

      Um abraço lisboeta

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