Um aspecto da minha sala de jantar |
Por vezes quem está ai do outro lado do monitor, pergunta-me se eu sou saudosista ou se vivo mais no passado que no presente. Naturalmente que um blog sobre velharias é sempre uma coisa mais virada para o passado e com uma conotação algo saudosista. A minha formação académica é em história e sou bibliotecário num museu e digamos que a conservação da memória do passado faz parte da minha profissão. Vivo rodeado de livros escritos por gente que já morreu ou por objectos executados há mais de cem anos, duzentos ou trezentos anos. Mas o que aqui escrevo é a minha versão pessoal do passado, de uma forma livre e sem preocupações de usar uma linguagem académica.
A minha trisavô. No último quartel do século XIX a esperança de vida era baixa, mesmo entre a fidalguia. |
Tive talvez a sorte de ter nascido numa família antiga, com um passado histórico de quatro séculos. Mas isso poderia não querer dizer nada. Há muita gente com apelidos sonantes e que se está nas tintas para a história. Digamos que para elas um bom apelido é como se fosse uma gravata Armani ou Yves St. Laurent. Mas na família paterna havia um gosto pela história, que remonta ao meu trisavô, o Padre José Rodrigues Liberal Sampaio e que me foi transmitido pelos meus avós e depois pelo meu pai. Continuei essa tradição aqui e evoco muitas vezes esse passado familiar, um tempo que já não conheci, talvez de uma forma algo idealizada. O passado empresta sempre uma certa patina romântica aos acontecimentos, o que por vezes não corresponde à realidade, que era bem mais crua e cruel. Recentemente, andei outra vez às voltas, com a vida da minha trisavó, a Maria do Espírito Santo, uma personalidade interessante, que manteve uma ligação amorosa com um padre e descobri que quer ela, quer os seus pais e a maioria dos seus irmãos morreram antes dos cinquenta e poucos anos. No terceiro quartel do século XIX, mesmo entre uma família abastada e fidalga a esperança de vida era baixa e os cuidados médicos incipientes. Não acredito de todo que os tempos passados tenham sido melhores que os de hoje. Também não tenho qualquer nostalgia da minha adolescência passada num bairro incaracterístico e mesquinho de Lisboa, onde todos viviam segundo as regras do parece bem e do parece mal e do quê é os outros vão pensar, nem tão pouco me apetece recordar a escola primária, onde a tabuada era aprendida à custa de estaladas e reguadas.
Não vivo no passado e não serei um saudosista, mas acredito na importância de conservar a memória daquilo que já passou. Como a Yourcenar escreveu na obra De olhos abertos, "Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana".
Alguns retratos de família |