Na minha antiga casa, em menos de 30 metros quadrados úteis, estive 21 anos a montar uma decoração, onde todos os espaços estavam pejados de velharias. Tectos, soleiras de portas, cozinha, casa de banho, quarto, sala e ainda um esconso foram ocupados com cristos, faianças, estampas, esculturas, apliques, porcelanas, registos de santos e até uma casa de bonecas. O resultado até era interessante, uma mistura de caverna de ali-babá com uma capela barroca e com passamanes em estilo Segundo Império por ali e acolá.
A escadaria da minha antiga casa |
Mas era um terceiro andar sem elevador, na meia encosta de uma colina lisboeta. Um prédio com uma escada daquelas antigas, onde o primeiro lance era quase a pique.
Quando o meu pai adoeceu gravemente ficou preso num segundo andar sem elevador, em que para ir uma consulta ou ao Hospital era necessário chamar os bombeiros, esses bravos rapazes, que o carregavam pelas escadas acima ou abaixo come se fosse uma pluma. Nós não podíamos pôr o meu pai numa cadeira de rodas e leva-lo a passear, apanhar Sol ou distrair-se e os seus últimos tempos de existência foram particularmente penosos. Há aliás muitos idosos em Lisboa presos nas suas casas de prédios sem elevador, conforme já me disseram inúmeras vezes profissionais de saúde. Por essas razões, decidi vender esta casa, perdendo uma vista para o Castelo e a Graça e comprei outra mais moderna, no bairro dos Olivais, com 70 m2, um rés-do-chão e onde estaciono o carro à porta. Pelo menos. Se tiver uma doença em que perca a mobilidade, os meus filhos poderão levar-me a passear numa cadeira de rodas.
Mas um apartamento dos anos 70 não tem os recantos e as irregularidades de uma casa antiga e é mais difícil escapar daquela monotonia das divisões rigorosamente rectangulares. Contudo, estes 70 m2 permitem-me agrupar as peças por famílias, faze-las respirar dando-lhes maior visibilidade.
Umas das colecções que andava perdida no meio das loiças ou em móveis aqui e acolá era das figurinhas biscuit. Muitas deles estavam pura e simplesmente escondidas num canto do armário louceiro ou quase tapados por porta-retratos.
O louceiro ou vitrina em cima do meu fiel Rocinante |
Aproveitei agora o espaço disponível e comprei no Olx uma vitrina ou um louceiro por um bom preço. Estava em mau estado, comido em algumas zonas pelo caruncho . A pedra de mármore no topo também não era original, terá pertencido a uma cómoda. Mas, o meu amigo Manel restaurou-a toda, limpou as madeiras, arranjou as fechaduras, encerou-a, eletrificou-a e ficou linda.
Este fim-de-semana fui busca-la a casa do Alentejo do Manel e lá veio ela no tejadilho do automóvel até Lisboa e mal cheguei, comecei a dispor os biscuits e fiquei encantado com efeito. Esta vitrina ou louceiro é uma peça dos finais do XIX, que em tempos terá feito parte de uma mobília de sala de jantar e é no fundo da época das minhas figurinhas de biscuit, de modo que o conjunto fica muito harmonioso. Claro, tive que pôr-lhe em cima o mono da televisão, mas enfim, mas não podemos passar sem aquela maquineta feia que nos liga ao mundo.
O efeito geral é tão bonito, que comecei a experimentar a reconfortante sensação de que o meu apartamento dos anos 70, com aquelas linhas monótonas era afinal uma velha casa de família, daquelas várias, que conheci ao longo da vida e que foram desfeitas entretanto.
Parabéns Luís!
ResponderEliminar( Miguel Jorge)
EliminarTrès bonne nouvelle ! Uma nova vida a comecar. Um abraco.
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