Já por várias vezes escrevi sobre Francisco Manuel de Morais, o meu tio-avô paterno que morreu prematuramente num acidente de caça em Vinhais, nas vésperas de ser mobilizado para a Primeira grande Guerra Mundial. Quem acompanha este blog, pensará que me estou a repetir, mas encontrei mais documentos interessantes sobre a fugaz vida deste tio-avô, que permanecerá sempre jovem na memória da família.
Consultei o seu registo de baptismo, de 13 de Abril de 1891, da paróquia de Nossa Senhora da Assunção da Vila de Vinhais e descobri que o menino já tinha sido baptizado em casa por estar em perigo de vida. Parece que o destino desde cedo conspirou contra ele. Nasceu pelas onze horas da manhã do dia 20 do mês de Marco desse ano, na rua de Cima, numa casa, que ainda conheci. O baptizado oficial foi realizado uns 20 dias depois por Abílio Augusto da Silva Buíça, abade de Vinhais e que foi o pai do célebre Manuel de Buíça, o regicida, um dos homens que matou o Rei D. Carlos e o Príncipe Luís Filipe, no ano de 1908. É curioso, pois já é segunda vez, que encontro este cruzamento de destinos dos Buíças com os meus antepassados. No espólio da família paterna, encontrei uma carta datada de Novembro de 1888, escrita pelo Abade de Buiça a convidar o meu trisavô, o José Rodrigues Liberal Sampaio a pregar um sermão na festa da Imaculada Conceição em Vinhais. Bem sei que é uma curiosidade, mas não deixa de ser um apontamento interessante. Todos nós aspiramos a ter antepassados, que tenham estado próximos de figuras que fizeram história.
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O assento de registo de baptismo de Francisco Manuel, de 13 de Abril de 1891. Foi baptizado pelo Abade de Buíça, o pai do regicida, Manuel Buíça |
No mesmo assento de baptismo, o Abade de Buíça registou o nome dos pais, meus bisavó, Clemente da Ressurreição Morais e Maria da Graça Pires. O padrinho, foi o seu tio, o padre Manuel Agostinho de Morais, pároco na Freguesia de Santalha e do qual eu creio que tenho um retrato em jovem, um homem bonito e bem-parecido. Aliás, neste meu lado familiar, das terras frias de Vinhais, eram no geral pessoas bonitas.
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O padre Manuel Agostinho de Morais foi seu padrinho |
Como já aqui contei, o meu bisavô, Clemente da Ressurreição Morais ambicionou estudar medicina na juventude, mas a mãe, a Francisca da Silva, ter-lhe-á dito, ou és padre ou não és nada. E com efeito, o jovem Clemente abandonou o seminário e tornou-se um simples lavrador. Numa carta de 8-3-1914 escrita à irmã, o Francisco de Morais refere o génio sombrio de meu pai e ao qual a sua jovem amada a Estela iria, desanuviar o espírito. Não sei o exactamente em que consistiria, esse génio sombrio mas talvez o Clemente da Ressurreição fosse um homem frustrado, por não ter podido realizar os desejos da sua juventude.
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Francisco Manuel de Morais frequentou o colégio de São Dâmaso em Guimarães |
Mas este filho, mais velho, o Francisco de Morais iria concretizar as suas ambições e auferir de uma boa educação, longe dos seminários. Assim, no ano lectivo de 1902 /1903, com cerca de 11 anos o Francisco Manuel frequentava o Colégio de São Dâmaso em Guimarães, conforme um documento, que encontrei na caixa de madeira onde estão arquivados estes papéis da família materna. Naquela folha discrimina-se as despesas todas do rapaz, incluindo com livros, a saber: um catecismo; uma gramática latina; aritmética, gramática e leituras portuguesas; gramática francesa; geografia; botânica, zoologia; desenho; tradução francesa; significados de francês; dicionário de latim; história e ainda o Cornélio. Pagar um colégio longe de casa, viagens e livros seria caro para uma família de lavradores de uma vila transmontana, mas o desejo de instrução do seu pai, realizado no filho justificava todos os gastos. E o Francisco Manuel não terá desiludido o pai e foi aceite na Faculdade de Medicina do Porto, que a julgar pelas cartas de que disponho frequentou entre 1914 e 1916. Na caixa de madeira onde se guarda este espólio, os pais reuniram alguns recortes de imprensa, que anunciavam os resultados do filho. Em 27-6-1916, no terceiro ano, na quarta cadeira de patologia externa, o Francisco de Morais foi aprovado com distinção, com 17 valores!
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Os pais reuniram alguns recortes de imprensa, que anunciavam os resultados do filho |
Também do mesmo ano encontrei o bilhete-postal de um amigo, Alípio Teixeira, datado de 3 de, que lhe perguntava como vamos de Caça? e ainda outro de dia 12 desse mês, onde anuncia que chegará brevemente a Vinhais. Pelo teor dos postais, o Alípio e o Francisco Manuel eram compinchas, camaradas de farras.
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Bilhete-postal de um amigo, Alípio Teixeira. Segundo rumores que corriam na vila, este padre teria provocado acidentalmente a morte de Francisco Manuel |
Quando cerca de 80 anos mais tarde, o meu pai fez o levantamento mais sistemático destes acontecimentos, corria ainda na vila a história, que teria sido Padre Alípio Teixeira, que teria morto acidentalmente o meu tio-avô durante a caçada.
Também deste mês de datado deste mês de Setembro de 1916, mais exactamente do dia 6 encontrei um documento que me impressionou, a licença de caça, que o Francisco Manuel tirou na Câmara Municipal de Vinhais.
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A licença de caça de Francisco Manuel tirada um mês antes de morrer num acidente de caça... |
O fatal acidente de caça, que tiraria a vida deste meu tio-avô, ocorreu a 4 de Outubro de 1916 e a principal fonte para o acontecimento é uma carta de 11 de Outubro de 1916, dirigida pelo pai do Francisco Manuel, o meu bisavô Cemente da Ressurreição a Joaquim da Cunha Cardoso Júnior, um dos condiscípulos de Medicina do filho. Nesta carta, o meu bisavô agradece as condolências e explica o que passou Terá usado a espingarda para baixar um ramo de uma figueira de forma a colher os frutos melhores e a arma disparou-se sozinha, pondo fim à sua vida. Ao contrário dos rumores, que circularam durante muitas décadas pela vila não foi o padre Alípio Teixeira que o matou acidentalmente.
Todos estes documentos parecem fazer parte de um processo judicial, uma investigação sobre uma morte, conduzida por um detective de algum romance policial, mas sem uma conclusão nem tão pouco um final feliz.
👏👏👏👏👏👏👏👏👏👏ADORO
ResponderEliminarMuito obrigado!!!!
EliminarA informação que conseguiste arranjar para um home que morreu tão jovem é notável.
ResponderEliminarDeveria ter sido alguém que foi muito querido pois levou a que fosse coligida imensa informação sobre a sua vida e morte.
Há gente que vive uma longa vida e da qual pouco ou nada se sabe, ao contrário deste teu antepassado.
Mas não deixa de ser muito curioso, senão mesmo algo "arrepiante", refazer a vida de uma pessoa a mais de um século de distância.
Manel
Manel
EliminarQuase todos os documentos desta caixa de madeira são relativas a este tio-avô e o que tenho andado a fazer nestes últimos posts foi uma compilação dos mais significativos. Mas necessitava de tempo para fazer um catálogo sistemático. Enfim, precisava de estar reformado.
Um abraço
Primo adorei!
ResponderEliminarTambém gostei muito da fotografia do meu tio bisavô padre Manuel Agostinho de Morais, que coincidentemente também batizou e casou a minha avó paterna, em Santalha.
Talvez, um Souto que a minha avó herdou em Santalha seria dele ou de alguém da família e ainda dá umas belas e boas castanhas…
Bjinho
Cara prima
EliminarSegundo a compilação que o meu pai fez da história da família, este Manuel Agostinho de Morais acumulou um belo pé-de-meia em terras e dinheiro e deixou uma herança generosa aos irmãos e sobrinhos. Tenho também alguns documentos sobre assunto.
Bjos