segunda-feira, 21 de julho de 2025

À procura das origens nas terras frias de Bragança


António da Purificação Ferreira em 1911


Embora me tenha dedicado bastante à história familiar, noutro dia ao ver umas fotografias de militares do Corpo Expedicionário Português de 1917-18 dedicadas ao meu avô materno, António da Purificação Ferreira, descobri que sabia muito pouco da sua família.

Tinha uma ideia que era de um nível social inferior ao da minha avó. Quando se conheceram ele era um jovem empregado de comércio no estabelecimento do Sr. Fernandes, em Vinhais e ela provinha de uma família de lavradores abastados. O namoro decorreu com a cumplicidade da tia Adelaide e do marido, o referido Senhor Fernandes e contra a vontade dos pais dela lá casaram em 23-02-1910. Ela era praticamente uma miúda e ele tinha uns 24 anos.

Retrato do meu avô em Vinhais, em 1903 com 16 anos dedicado à sua mãe, a Doroteia de Jesus Pires. No centro está o patrão com uma caneca e um copo  na mão. Deve ter sido dia de festa, que mereceu uma fotografia. O António da Purificação parece um menino frágil e desprotegido. Neste tempo não se falava em exploração do trabalho infantil. 





Mas o jovem António da Purificação deveria ter as suas qualidades, pois em 1918 estabeleceu-se por conta própria, com o apoio financeiro do Sr. Fernandes, tio por afinidade da sua mulher e do Morgado de Rio de Fornos, segundo dados compilados pelo meu pai junto da família, por volta dos anos 90 do século XX.




Através da consulta aos arquivos on-line, tratei então de conhecer melhor as origens deste meu avô e consegui remontar ao início do século XIX, ao dia 14 de Fevereiro de 1809, quando na paróquia da Sé, em Bragança foi baptizado um menino, Francisco Paulino Cândido, nascido a 4 do referido mês. 

Assento de baptismo de Francisco Paulino Cândido, de 14 de Fevereiro de 1809. Este senhor é o meu trisavô

Este menino era filho natural, quer dizer, os seus pais não eram casados quando ele nasceu. O pai era de Bragança e chamava-se Manuel Paulino Ferreira e era assentista na praça da referida cidade. Assentista significa que era fornecedor de mantimentos para as tropas, mediante quantia assentada. O menino Francisco era neto paterno de Justiniano António Ferreira e segundo uma nota ao lado do assento, seria da Azambuja e de sua mulher Ana Maria Gertrudes, esta de Bragança. A mãe, Maria do Carmo, quando teve este bebé, já era viúva, residia em Bragança e era natural de uma aldeia a Noroeste de Bragança, Vila Nova da Serra, na paróquia de Donai e era filha de Francisco José Rodrigues e de sua mulher Francisca Leonarda, ambos da referida aldeia.

Só voltei a ter notícias do Francisco Paulino Cândido em 1831, já com 22 anos e estaria prestes a ordenar-se com padre no Seminário de Bragança, conforme a Habilitação de genere, que encontrei referenciada no Arquivo Distrital de Bragança. Este documento é basicamente um inquérito para saber da idoneidade do candidato a sacerdote e como o jovem Francisco Paulino Cândido era bastardo, os pais acorreram à paróquia em 1831, declarando que tinham casado depois do nascimento do menino e que portanto o jovem era filho legítimo, conforme consta no averbamento do assento de baptismo.


No averbamento, declara-se que os pais casaram posteriormente e que o menino era afinal filho legítimo. 

Não sei o que terá acontecido entretanto, mas o meu trisavô, Francisco do Francisco Paulino Cândido não chegou a fazer-se padre e casou-se a 25 de Novembro de 1853, na paróquia da Sé em Bragança com Maria Angelina Robalo Taborda, residente naquela cidade e viúva de Francisco Manuel de Carvalho. 


Maria Angelina Robalo Taborda era viúva de Francisco Manuel de Carvalho, tenente do exército. Diário de Lisboa. Diário de Lisboa, n.º 119, 22 de Maio de 1850


Terá sido um bom partido, a Maria Angelina Robalo Taborda pois tinha sido casada um Tenente do exército, do qual teve pelo menos uma filha a Maria, em 8 de Julho de 1840 e enviuvou antes ou em 1848. O pai de Maria Angelina, Francisco Xavier Robalo Taborda era natural de Freixo-de-Espada-à-Cinta de uma família com pergaminhos oriunda da Beira, que casou ou teve uma ligação com uma Senhora de Bragança, Maria do Rosário Vieira. Fiz algumas pesquisas na net sobre este meu quarto avô, que parecer ter sido igualmente oficial, mas nunca encontrei o assento de baptismo da Maria Angelina, nem tão pouco o de óbito, para confirmar. 

Quanto ao meu trisavô, o Francisco Paulino Cândido, embora fosse natural de Bragança, na altura residia numa aldeia da freguesia de Parâmio, cujo nome foi um sarilho decifrar. Recordei-me então de certa vez, há mais de 40 anos, de fazermos uma estrada secundária, que liga Vinhais a Bragança, pelo Norte através do Parque Natural de Montesinhos, para visitar um primo da parte deste meu avô paterno. Percorri no Google maps novamente essa estrada e consegui perceber o gatafunho caligráfico, Fontes de Transbaceiro!

Sendo o Francisco Paulino Cândido natural da cidade Bragança não sei porque residia nessa aldeia. Talvez lá tivesse terras, herdadas da família da mãe, cuja aldeia Vila Nova, na paróquia de Donai não é longe dali. Mas creio que há uma razão profissional. Em 1862, no Diário de Lisboa, nº 138 de 21 de Junho, é publicada uma relação dos indivíduos, a quem foram concedidos títulos de capacidade para o magistério primário particular das disciplinas abaixo mencionadas e no Distrito de Bragança, consta o nome do meu trisavô, para a instrução primária. 


Diário de Lisboa, nº 138 de 21 de Junho, de 1862. Francisco Cândido Paulino é habilitado a dar aulas na instrução primária


No seu assento de óbito de 21-2-1881, da paróquia de Parâmio, confirmei que de facto este meu antepassado era professor primário. Provavelmente residiria Fontes de Transbaceiro porque ministrava aulas nalguma aldeia dali, ou até mesmo em sua casa. Há uns tempos li uma monografia sobre a Mofreita, uma aldeia não muito longe desta, em que por alturas da República, não existia em ainda um edifício para a escola e a professora primária dava aulas na sua casa.

Mas voltando a vida de casados de Maria Angelina do Francisco Paulino, os dois tiveram pelo menos três filhos, que nasceram na aldeia com o nome poético de Fontes de Transbaceiro, o Manuel António, (4.11.1854). o meu bisavô, o António José (27-12-1857) e ainda a Cândida Paulina (20.12.1858

Como já referi anteriormente, o Francisco Paulino Cândido morreu em de 21-2-1881 em Fontes de Tranbaceiro e já era viúvo então. Por mais que procurasse, não encontrei o assento de óbito da Maria Angelina, que terá morrido entre finais de 1858 e o início de 1881.


Cândida Paulina, minha tia bisavô


A Cândida Paulina casou com um Júlio Augusto Esteves e instalaram-se em Lisboa muito cedo e nos últimos vinte anos do século XIX, tiveram uma ampla prole. Tenho fotografias desse lado familiar, da Cândida Paulina com ar um pouco rústico, fotografada com os seus brincos e colares de ouro e também da filha a Maria Joaquina Ferreira Esteve, esta já com um ar mais fino e até bonita. A minha mãe dava-se muito com uns netos desta Francisca Paulina, os Esteves, os primos, Graciano, a Júlia, o Francisco e o António.


A prima Maria Joaquina Ferreira Esteves em 28.9-1918



Quanto ao Manuel António, (4.11.1854), meu bisavô, casou uma Doroteia de Jesus Pires, natural Terroso, Freguesia de Espinhosela, uma terra perto de Bragança, que era filha de Francisco Pires e Francisca Vicência Afonso. O Manuel António ter-se-á fixado em Bragança e o seu primeiro filho, o meu avô, nasce nessa cidade, na paróquia de Santa Maria, a 20 de Outubro de 1886, embora só tenha sido baptizado a 2 de Fevereiro, do ano seguinte, quase 4 meses depois do nascimento, o que na altura não era comum.

Uma segunda filha, a Maria Antónia, nascida em Santa Maria de Bragança a 9 de Junho de 1889, só foi baptizada a 2 de Fevereiro de 1890!!

Este meu lado familiar sempre foi um bocadinho desleixado em lidar com questões administrativas e pelos vistos, a tradição já vem de longe. Este casal teve mais filhos, cuja existência se conservou na memória familiar, como uma Natividade, de quem eu ouvi falar em miúdo, um João, mas não consegui encontrar os assentos de baptismo de nenhum deles. Creio que houve ainda uma quarta filha, uma Cândida, de quem eu tenho um retrato, dedicado ao irmão, dado em Bragança, a 16-7-1909. Mas também poderá ser uma cunhada. Ainda não há muitos anos era comum a moça que casasse, tratar os sogros por pais e os cunhados por irmãos.



Cândida, que assinou o seu retrato em Bragança, em 1909 poderá ser uma das irmãs do meu avô. Retrato de Correia e Moreira, Porto



Mas voltando ao meu bisavô, o Manuel António Ferreira, nos assentos de baptismo dos filhos, indicou-se a sua profissão, guarda da polícia civil, o que certamente explica, porque é o meu avô, nascido em Bragança, foi parar ainda jovem a Vinhais, onde se empregou num estabelecimento comercial. Provavelmente, o pai, que era guarda da polícia civil terá sido transferido para Vinhais e levou a família consigo. Depois disso, António da Purificação casou com a Adelaide Maria em 23 de Fevereiro de 1910 e dessa união nasceram, muitos filhos, entre os quais a minha mãe, Teresa do Menino Jesus, nascida em 1927, em Vinhais.

Genealogia dos Ferreira



Estas investigações sobre os antepassados do meu avô materno, que resultaram apenas em duas páginas, levaram-me umas boas três semanas e mesmo assim fiquei com algumas lacunas. Bragança neste século XIX já era cidade, sede de dioceses e a partir de 1831 capital de Distrito. Tinha duas paróquias e a população era muito maior do que as terras em que já fiz trabalhos de genealogia, como Montalegre, Chaves e Vinhais e aldeias vizinhas. Aqui 20 anos de baptizados são 800 folhas para ver uma à uma com caligrafias por vezes complicadas.

O mapa com os locais mencionados neste texto



Em todo o caso, consegui perceber que o meu avô proveio de uma família de pequenos funcionários, um assentista, um professor primário e um guarda da polícia civil, que nasceram ou viveram num, meio urbano, Bragança e que só provavelmente a mulher do professor primário, a Maria Angelina Robalo Taborda, minha trisavó, seria filha de gente de condição mais elevada. O seu pai, meu quarto avô, natural de freixo-de-Espada-à-Cinta, Francisco Robalo Taborda é o único, que veio fora da cidade de Bragança ou aldeias vizinhas. Até agora é o meu antepassado mais Sul, que conheço. De todos ramos familiares que já estudei ou fiz a genealogia, todos eles nasceram, viveram e morreram na raia, junto à fronteira com a Galiza.


Francisco Robalo Taborda é o antepassado mais Sul, que conheço. Todos os meus antepassados viveram sempre mais à norte, na raia com a Galiza ou Leão 



O meu avô materno, António da Purificação já homem feito, denotando prosperidade. Um janota com a sua bengala e o palhinhas


3 comentários:

  1. Primo , mais uma vez , foi um gosto ler a descrição que fez da família do seu avô.
    Aprecio a forma como consegue relacionar e encontrar o fio à meada nessa amálgama de documentos e investigações; gostaria , mas ainda não cheguei a esse nível.
    Aprendo sempre mais um pouquinho com as suas publicações.
    Bjos

    ResponderEliminar
  2. Dr ADORO as suas histórias muito obrigada

    ResponderEliminar