sexta-feira, 22 de julho de 2011

O romantismo da ruína: restos da Capela do Espírito Santo em Fronteira


Aprendi a julgar o mundo segundo as fórmulas de um certo pensamento cartesiano, muito francês, que era ensinado aos jovens nos cursos superiores de letras, em Portugal, ainda há cerca de vinte e cinco anos atrás. Mas apesar dessa formação, julgo que talvez seja um homem com uma faceta algo romântica, que se evidencia através de gosto pronunciado pelas coisas antigas e já sem préstimo, por histórias vividas por gente há muito morta e ainda pelo gosto da ruína.

O muro que se via ao longe

Foi esta atracção algo doentia pela ruína que me levou a suspeitar que um muro gigantesco, atrás de um cemitério, que eu via ao longe em Fronteira, quando passava de carro para levar os miúdos ao rio, poderia ser qualquer coisa de interessante. Um dos dias que passei por lá a caminho do rio, não resisti, desviei o carro com os garotos aos berros e fui investigar o muro e quando dei a volta, qual não é o meu espanto, quando encontro uma igreja quinhentista em ruínas, da qual só sobreviveu uma única parede, a da fachada Norte.

A surpresa: as ruínas da Capela do Espírito Santo em Fronteira

Apesar da tristeza e da sensação de abandono, encontrei uma enorme poesia naquela única parede em ruínas, mas ainda com as capelas laterais bem perceptíveis. Os restos desta igreja do Espírito Santo em Fronteira recordaram-me as ruínas das antigas igrejas portuguesas na Malásia ou na Índia e que já foram invadidas pela selva.


Aliás é curioso, que esta associação entre a selva e a ruína foi uma das novidades da jardinagem inglesa do século XVIII, que começou a introduzir em pontos chaves dos parques, falsas ruínas, convidando assim as damas galantes e os cavalheiros solitários a pararem por um momento e reflectirem sobre as vãs vaidades do mundo e a efemeridade das construções humanas. Estes pequenos monumentos, conhecidos pelo termo francês Fabrique de jardin serviam para assinalar pontos chaves do jardim, sítios onde existia uma vista bonita, uma cascata pitoresca ou árvores exóticas. Além de ruínas, estas Fabrique de jardin poderiam ser também simples colunas, templetes, estátuas ou pagodes.


Fugindo à rigorosa simetria dos jardins italianos ou franceses, foram os ingleses que nos finais do século XVIII e ao longo do século XIX criaram e aperfeiçoaram a ideia de que o jardim deveria recriar a natureza, criando a ilusão, que pequenas elevações eram montanhas, que charcos de rega eram lagos e que os simples trilhos eram caminhos numa floresta encantada. Os jardins deveriam induzir sentimentos e diversos estados de espírito aos seus caminhantes.

Falsa ruína no parque de Jean-Jacques Rousseau em França

E é neste contexto que o rosto pela ruína e pelo exótico se desenvolve na jardinagem. Seguindo a moda inglesa, constroem-se nos parques de toda a Europa templetes gregos, que se deixam deliberadamente por acabar, reaproveitam-se cantarias antigas, como as janelas manuelinas na Quinta das Cruzes do Funchal e fazem-se até réplicas de dolmens e antas.

Janela manuelina do jardim da Quinta das Cruzes no Funchal

São pois jardins extremamente sentimentais, que não devem deixar indiferentes os seus visitantes. Junto à janela manuelina experimentar-se-ia um sentimento de orgulho nacionalista, perto dos fragmentos da coluna romana, pensar-se-ia em civilizações perdidas e junto de outra ruína recordaríamos as paixões perdidas de uma juventude que já nos abandonou há muito.

Voltando a capela do Espírito Santo de Fronteira, é preciso dizer que é um lado de uma praça sem graça nenhuma, com um bairro social em frente. Eu imaginava para ali um jardim selvagem que integrasse poeticamente esta ruína. Talvez o nosso amigo Zé Júlio possa enviar uma proposta à Câmara Municipal de Fronteira, com um dos seus projectos de jardim xerófilo.

12 comentários:

  1. Boa tarde, Luís!
    É uma dor de alma ver a forma como certos autarcas - ou seja lá quem for que dá o aval a estas demolições - desprezam o nosso património edificado. É a arrogância do novo-riquismo, queixam-se que não há dinheiro, mas afinal têm dinheiro para deitar abaixo e fazer coisas novas de gosto duvidoso. O que não têm é sensibilidade ou cultura para preservar o que cá tínhamos há séculos.
    Conheço Fronteira só de passagem mas do que me lembro não dispõe de tantos edifícios de interesse que se possa dar ao luxo de desbaratar o que tem. Pelo menos ficaram os restos daquelas lindas capelas laterais para que ninguém se esqueça do atentado que ali foi cometido.
    A ruína não deixa de ser bela como está, mas seria certamente mais bela se a tivessem deixado inteira. Pelo menos agora podiam dar-lhe um enquadramento condigno, como o Luís sugere, mas nem isso!
    Quando vejo estes casos, lembro-me sempre de uma casa seiscentista que foi demolida pela Câmara de Anadia há meia dúzia de anos e podia ter sido preservada, apesar de uma intervenção de fundo que foi feita no terreno a que pertencia. Também me relembrei dela a propósito da janela manuelina que embeleza o jardim da Quinta das Cruzes, e que já vi ao vivo e a cores. A casa também tinha uma janela manuelina e na altura, face aos protestos, foi prometido pelo Presidente da Câmara integrá-la num espaço ajardinado naquele local, mas até hoje, nada apareceu.
    Já deve ter sido roubada e estará agora a embelezar um espaço privado…
    Receio que me esteja a repetir, porque nunca me canso de referir esta situação e talvez já a tenha contado noutros comentários, mas são coisas que mexeram muito comigo e até hoje não consegui digerir, por isso de vez em quando há refluxo…
    Quanto ao gosto dos ingleses pelas ruínas no século XIX, só quero lembrar que esse gosto romântico também transparece muito no “transferware” em padrões como o “Italian” ou o “Ruins” da Copeland-Spode, para só referir estes de que gosto muito e tenho alguns exemplares.
    Havia aqui matéria para continuar o arrazoado, peço desculpa pelo longo comentário, mas fico já por aqui.
    Um abraço

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    1. Nunca é demais comentar e criticar a falta de cultura, e de respeito pelo Património e História da Pátria que nos viu nascer.

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    2. Caro Manuel Maria saraiva da Costa

      Muito obrigado pelo seu comentário.

      É uma pena deixar cair o património, mas mesmo assim esta ruína é muito poética e poderia estar mais valorizada. Encontra-se numa praceta esquecida, a estragar-se todos os dias um pouco mais.

      Um abraço

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  2. Luís , acho a sua ideia maravilhosa ! Como ficaria bela essa ruína enquadrada por um jardim....Espero que o autarca de Fronteira aceite a sua ideia.Fico a torcer por ela ....
    Quina

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  3. Ola Luis!

    Na primeira foto, pensei que fosse a capela do solar dos montalvão... Até me deu uma coisa má, mas depois li o nome da capela e vi que não era a mesma =)

    Esta capela faz-me lembrar a Igreja Matriz onde estive no sábado dia 16... Era uma capela, que com o tempo se formou em Igreja, e passou a albergar o cemitério ao lado... Já no sec. XXI, restauraram a Igreja (de 1711), ampliaram-na , mas para isso retiraram o cemitério. Transferiram as ossadas... Um trabalho muito demorado, mas o resultado é deslumbrante!.

    A propósito das ruínas, o meu padrinho que comprou agora uma vivenda, quer fazer umas "ruinas" com tijolos de burro, pedras e os alçados das portas e janelas da casa da nossa bisavó (ele é meu padrinho e meu primo).. E depois quer a cobrir as paredes, colocar tecido, para fazer uma espécie de recanto para uma mesa de refeições de verão.. Ficará tipo, uma mini casa percebe? A juntar aos alçados da casa da nossa bisavó, ele tem tambem os parapeitos das janelas da antiga capela da região, São Mamede.

    Essa capela de fronteira será do sec. XVI e modificada no XVIII?

    Flávio Teixeira

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  4. Olá Luís. Adorei simplesmente este texto, extravasou as minhas expetativas sobre a descoberta de ruínas de uma igreja, e que lindas. Adorei as suas explicações sobre o novo conceito de jardins com implantação de ruínas, afinal o Parque da Paz em Almada tem muros em xisto, portas abertas feitas com ombreiras de outras que durante anos se abriram e fecharam e nelas guardaram segredos, granito, grossas, trazidas de demolições, janelas, guaritas e até uma cruz esculpida...
    A partir de hoje vou andar ausente vou até Alter do Chão festejar o aniversário da minha mãe, regresso para voltar novamente...vou fazer umas feiras, pelos menos tenho essa vontade maior.
    Beijos
    Isabel

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  5. Flávio

    a Capela dos Montalvões ainda está em pior estado. Esta capela do Espírito Santo da vila de Fronteira foi edificada de raiz nos finais do XVI, mas a capela lateral que abre o post é do século XVIII.

    Transcrevo a informação do site www.monumentos.pt "1577 - fundação da igreja segundo inscrição já desaparecida *1 ( KEIL, 1943 ); séc. 18 - construção do altar de alvenaria ( KEIL, 1943 ); séc. 20, década de 40 - a capela está abandonada e serve de depósito; Luís Keil refere o desmantelamento do interior e a ausência de tecto; existia ainda um altar de alvenaria e mármore, um púlpito em mármore e a seguinte inscrição na verga da porta: "Esta caza se fez de esmolas de povo e era 1577"; séc. 20, década de 70 - derrubada por ordem do Presidente de Câmara de Fronteira."

    Abraços

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  6. Maria Andrade

    Como percebo a sua indignação. A ruína desta capela é bonita, mas não havia necessidade de a destruirem e ainda assim continua votada ao abandono, quando poderia ser o pano de fundo de um auditório para escutar música ao vivo, ver representações teatrais ou o cenário de um jardim como aqui proponho.

    Enfim, talvez aquilo que aqui escrevemos tenha alguma importância na sensibilização da opinião. Mais uma vez cito a Yourcenar "há que viver, de maneira a fazer do mundo um lugar um pouco menos escandaloso"

    Abraços

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  7. Cara Idanhense

    Os blogs são um dos poucos meios que os cidadãos dispoem para fazer ouvir a sua voz e talvez o que aqui se escreva possa influenciar alguma coisa a forma como se encara o património.

    Abraços e obrigado

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  8. Maria Isabel

    De Alter do Chão a Fronteira é apenas um passo e vá ver esta ruína fantástica.

    O fascínio pelas ruínas desenvolveu-se nos finas do século XVIII, alcançou grande voga no XIX e manifestou-se na gravura (Piranesi), pintura, na faiança, como apontou muito bem a Maria Andrade e na jardinagem. ainda hoje os jardins são um espaço perfeito para integrar ruínas, fragmentos ou coisas a que ninguém sabe o que fazer.

    Em Budapeste, despacharam toda a estatuária comunista para um jardim de um bairro novo periférico e criarem assim um factor de atracção turística ou curiosidade mórbida numa zona desinteressante da cidade.

    Bjos e boas férias

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  9. Ola Luis!

    Bom palpite o meu =)
    É uma pena... A capela é enorme.. Não há fotos de antes da demolição?

    Eu estive á procura mas só encontro no estado actual.. Só me apetece pegar nestes monumentos e devolver-lhe a pompa! =D


    Um abraço
    Flávio Teixeira

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  10. Flávio

    Talvez existam postais antigos, mas duvido que os postais mostrassem ruínas, pois a igreja já estava em mau estado em 1943.

    Pode ser que existam fotografias de particulares na biblioteca pública ou arquivo municipal de Fronteira, ou talvez a obra de Keil, de aqui se fala mostre alguma imagem de como seria o antes. Julgo que será o Luís Keil.

    Abraços

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