Toda a gente gosta da figura de Maria Madalena. A arte apresenta sempre esta figura dos Evangelhos, que conheceu os prazeres da vida e da carne, como uma bela jovem, de longos cabelos soltos e sumariamente vestida. Por isso mesmo, fiquei com pena, quando deixei escapar para o Manel este belo registo francês do Século XIX, representando Sta. Maria Madalena. Tinha-o visto na Feira-da-ladra, mas já tinha gasto muito dinheiro nesse dia e não a comprei. Claro, no fim-de-semana seguinte o Manel abarbatou-se com o registo e eu fiquei a suspirar pela bela Maria Madalena.
Este pequeno registo foi editado em Paris por L. Turgis (1828-1928), que foi no século XIX um dos mais célebres e populares impressores de imagens piedosas. Chegou a ter uma filial na América. Produzia não só os registos, como as pagelas, que se tornaram grande moda neste século. À semelhança dos registos, as pagelas apresentavam também um santinho, a virgem ou cenas da Vida de Cristo, mas no verso continham pequenas orações ou pensamentos piedosos e as pessoas ofereciam-nos por ocasião das primeiras comunhões, de casamentos ou funerais e eram depois eram guardados nos missais.
Georges La Tour. Madalena Penitente. Reparem que o espelho em vez de devolver a imagem da beleza de Madalena, reflecte a caveira, o cárcere da alma humana |
No entanto, apesar de ter sido impressa no século XIX, esta estampa lembra mais os quadros do século XVII, designadamente uma das obras-primas da pintura mundial, a Madalena penitente de Georges La Tour. A santa aparece representada á luz de uma vela, meditativa, com um crânio reflectido no espelho. O que significa que a beleza que a jovem vê ao espelho é efémera e que a morte e o tempo levam tudo. O único caminho possível a este vazio é Cristo, que é representado pelo livro dos Evangelhos.
A Madalena de Josefa de Óbidos. Museu Nacional de Machado de Castro. |
A nossa Josefa de Óbidos também pintou uma bela Maria Madalena à luz de uma candeia de azeite, mas acompanhada de outros dois atributos característicos da santa, as jóias e o frasco de perfume, as tais vaidades efémeras, que Madalena abandonou para seguir por uma vida espiritual mais cheia.
Sainte Marie Madeleine pénitente. Museu de Belas Artes de Nancy |
Claro, outros artistas do passado aproveitaram o tema, para dar largas a sua sensualidade e por detrás do tema religioso, está a mais pura luxúria como esta Sainte Marie Madeleine pénitente de Claude Mellan, também do século XVII, que no seu tempo terá excitado a libido dos homens crentes e a imaginação das senhoras devotas.
Ao contrário do Dan Brown, do Código da Vinci, é-me indiferente que Madalena tenha dormido ou não com o Cristo. O que me interessa nesta história de Maria Madalena, além da arte bem entendido, é o episódio em que Cristo impede de apedrejarem a pecadora, o que veicula uma mensagem de perdão e tolerância, que poucas vezes foi ouvida ao longo da história, mas que em todo o caso se consolidou no Ocidente como um princípio moral, embora mais ou menos longínquo.
Há uma pequena capela em Ferreira do Alentejo, dedicada a Sta. Maria Madalena, cuja cúpula está cravejada de pedras e que é um dos monumentos mais singelos que conheço à tolerância deste preceito, que diz aquele que não tenha pecados atire a primeira pedra.
Capela de Sta. Maria Madalena. aquele que não tenha pecados que atire a primeira pedra (foto roubada em http://www.pbase.com/ |
Que linda a capela! Fiquei curioso em ver o interior. Vou pesquisar. Parabéns e obrigado pelo post.
ResponderEliminarabraços!
Pois ... umas vezes sou eu que te "roubo" as peças, outras, tenho menos sorte :(
ResponderEliminarA gravura é de um detalhe precioso e de boa execução (nunca dou tantas graças como agora, ao verificar que a grande maioria das pessoas não têm qualquer apreço por estas peças, apesar de já ter adquirido esta gravura já lá vão alguns anos!).
Lá está a caveira debaixo do rolo de papiro(escrituras?).
Ainda bem que escolheste este conjunto de imagens a acompanhar o post, pois teremos que ir a Ferreira do Alentejo, que até nem fica muito longe da minha casa.
Aquela capela não a conheço e urge que o faça, pois é de uma originalidade que me espanta; como uma ideia tão simpes como esta foi traduzida, tão a propósito, numa obra semelhante!
Das duas pinturas que apresentas, sem dúvida alguma, escolho a de La Tour, pois sou um apaixonado pela sua obra. É difícil ficar indiferente perante ela, pois estende-se por temas diversificados e possui algo que admiro na arte: o sentido de humor, por vezes até chega a ser algo mordaz (o mais eficaz)!
Quanto à Josefa, prefiro-a noutros temas, onde ela se excede e faz-me ficar admirado pela sua capacidade, cultura e sentido estético, além de um virtuosismo técnico, fruto, sem dúvida, do ambiente familiar em que nasceu.
Sei que nasceu numa família com origens espanholas, com tradições na pintura, mas ela não viveu num grande centro, como Lisboa, por exemplo, e, ainda por cima, nasceu mulher, numa época em que estas estavam predestinadas a outras funções bem diferentes desta. Tenho ideia que esta mulher terá sido um milagre no nosso panorama artístico!
Enfim, a "minha" humilde Madalena está bem acompanhada, sem dúvida alguma.
Manel
Caro Fábio
ResponderEliminarPor todo o Alentejo há pequenas capelinhas destas cheias de piada. Há uma em Pavia que mais não é do que uma anta transformada em capela, o que só mostra a continuidade entre o antigo paganismo e o cristianismo.
Abraços de Lisboa
Manel
ResponderEliminarSem dúvida que o rolo de papel representa as Escrituras. A tua Madalena foi pretexto para buscar algumas das minhas imagens preferidas desta Santa. E última tinha que ser a desta capelinha tão simples, mas tão eficaz a transmitir a sua mensagem
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ResponderEliminarOlá Luís
ResponderEliminarBonita a Maria Madalena do Manel. Esta representação foge um bocado à regra do habitual, pois aqui, ela aparece pudicamente vestida com uma túnica de tecido grosseiro, parecendo o seu autor pretender afastar qualquer tipo de sensualidade. Será? :)
Quando vi este post de imediato me recordei do célebre filme Jesus Cristo Super Star, baseado numa ópera rock com o mesmo nome e que eu vi ainda em Angola, na antiga cidade de Sá da Bandeira, atual Lubango. Uma das melhores cenas do filme, segundo a crítica da altura, era precisamente, a que Yvone Elliman interpretando Maria Madalena cantava "I don't know how to love him". Belo tempos… que o Luís fez recordar :)
Abraços
Maria Paula
PS: Editei a mensagem anterior, pois referi-me a Sá da Bandeira como sendo atualmente Huíla, quando afinal é Lubango.
Maria Paula
ResponderEliminarOs nomes das actuais terras angolanas e moçambicanas serão sempre uma coisa aberrante para nós, os filhos do Império. Vá lá a gente habituar-se ao Maputo, ao Huambo ou ao Bié.
Quanto à Madalena também vi esse filme em miúdo e me encantei com a figura, que não sabe se o seu amor por Cristo é carnal ou espiritual.
Esta Maria Madalena da gravura do Manel é mais recatada. Apesar de tudo é do século XIX, numa época em que a arte religiosa é mais piegas, mais piedosa, mas mesmo assim, conserva o encanto da pintura do passado, nomeadamente do La Tour e da Josefa
Abraço
Olá Luís,
ResponderEliminarRealmente esta Mª Madalena do Manel tem um ar muito compostinho, muito pouco sedutor, ao contrário da última, demasiado óbvia e oferecida para uma santa!!! parece que o autor arranjou ali um bom pretexto para representar belas formas femininas sem incorrer em pecado de luxúria :)
Nas representações de La Tour e da Josefa de Óbidos só o ambiente à luz da candeia já dá à figura um ar de mistério e de sedução... às vezes a subtileza ganha ao óbvio!
A capelinha alentejana é um mimo, muito bonito aquele contraste da cal branquíssima com o negro das pedras. Parece um bolo coberto de glacê com pepitas de chocolate.
E foi muito bem conseguido o simbolismo das pedras destinadas a apedrejar a mulher licenciosa ou adúltera. Ali não a atingiram, a capela representando o domínio do sagrado protegeu-a.
Pena é que tais costumes bárbaros de apedrejamento e lapidação, de mulheres sobretudo, perdurem até hoje em países islâmicos…
Abraços
Boa tarde
ResponderEliminarUma outra capela muito sui generis que conheço dedicada a Santa Maria Madalena, encontra-se em Alcobertas Rio Maior.È uma anta anexa á igreja de Alcobertas, transformada em capela/altar cujo orago é Mª Madalena...pode ver algumas imagens da mesma neste blog:
http://www.pbase.com/diasdosreis/alcobertas&gcmd=add_comment
Cump.
ET
Maria Andrade
ResponderEliminarA Madalena é sempre uma figura fascinante e um pretexto para os artistas fazerem retratos e composições mais originais.
A Madalena do Manel é mais tapada, pois foi feita no Século XIX, mas conserva os cabelos longos e soltos e a beleza de quem já foi amada.
Não sendo crente, o episódio da Madalena é um dos aspectos com que mais simpatizo no cristianismo. Transmite às pessoas a importância da tolerãncia e do perdão.
Claro, nem sempre o Cristianismo foi tolerante, mas os apedrejamentos dos adulteros, típicos do mundo antigo e que ainda hoje se usam no Irão desapareceram do Ocidente.
Caro Mano del Tajo
ResponderEliminarA capelinha feita a partir de um dólmen é uma graça. Mais uma vez vemos o cristianismo a conservar os antigos cultos pagãos e a baptiza-los. Perto de Chaves, Em Outeiro Seco, há também uma capela dedicada a Santa Ana, que é também o reaproveitamento de uma estrutura megalítica. Certamente existiria ali uma divindade feminina, uma mãe dos deuses, que depois foi convenientemente transformada em Santa Ana.
Enfim, é um assunto fascinante
Boas Luis
ResponderEliminarAqui fica igualmente outra foto de um dos meus registos este da Madalena:
http://tinypic.com/r/5oxp4g/6
Um abraço
E.T.
Caro Et
ResponderEliminarObrigado
Adoro Madalenas e tenho uma pena de não ter nenhuma. A do post deixeia-a escapar para o Manel.
Abraços