terça-feira, 9 de julho de 2013

Registo do séc. XVIII com Nossa Senhora do Carmo


Recentemente, entusiasmei-me por um pequeno registo, encaixilhado numa moldura de cobre e comprei-o, apesar de não ter sido tão barato como isso. Mas, estas representações barrocas com anjinhos, tão típicas do século XVIII fazem as minhas delícias. Decididamente, tenho um gosto eclesiástico.


No início, olhei para esta Nossa Senhora no meio de uma nuvem, rodeada de anjos e não consegui identifica-la. Há tantas invocações marianas, muitas delas com anjinhos, que esta poderia ser uma das centenas delas. Aliás, seria interessante fazer um levantamento sistemático das senhoras adoradas por todo o País. Recentemente numa das minhas navegações pela net, descobri no site da Sociedade Martins Sarmento um registo com a Nossa Senhora das Barracas!


Mostra que es may é tradução portuguesa de monstra te esse matrem, o primeiro verso da quarta estrofe do hino medieval, de data e autor discutidos, Ave maris stella, isto é, Salve, estrela do mar. Informação prestada por Jonas da Silveira
No entanto, observando atentamente a imagem, reparei em dois anjos segurando escapulários, o que me fez logo pensar que seria Nossa Senhora do Carmo. Depois na parte inferior do registo, há umas criaturas em atitude de oração, como que pedindo a sua salvação. Serão certamente as alminhas do purgatório à espera de serem resgatadas. Normalmente o culto de Nossa Senhora do Carmo anda sempre associado ao Culto das Alminhas.


Relativamente à proveniência, não sei se esta estampa foi arrancada de um livro. Talvez fosse uma vinheta a ilustrar o início do capítulo de algum livro de orações. Mas, também poderá ter sido uma estampa vendida separadamente, destinada a ser ornamentada com galões, missangas e contas por senhoras devotas ou irmãzinhas piedosas. Quem sabe?


Independentemente do destino para que a estampa foi pensada, é um trabalho bem feito e minucioso, sobretudo se atendermos a que não excede a meia dúzia de centímetros.

21 comentários:

  1. Caro Luís,

    É belíssimo o seu registo!
    Decerto já terá reparado na inscrição que surge por cima da cabeça da imagem:
    Madre que es May
    Ora parece estar escrito em espanhol, e a tradução fica algo como:
    Mãe que és Maio.
    Portanto, a impressão deve ser espanhola. Quanto a Maio creio ser por tradição cristã o mês de Maria.
    Pelas pequenas dimensões julgo - tal como refere - tratar-se de um fragmento de uma página de missal, ou coisa parecida.
    E, por vezes, há coincidências curiosas.
    O Luís por aí às voltas com esse registo, e eu desta banda com dois outros.
    Tal como acontece consigo, também eu, desde que me conheço por gente, me encanto com essas pequenas imagens de santinhos e afins, o que, diga-se de passagem, acaba por ser uma total incongruência, pois não sou nada dada a beatices.
    Herdei alguns dos meus pais e avós. Mas, há alguns anos atrás adquiri uns quantos que vieram enriquecer a colecção, quanto mais não seja cromaticamente falando.
    Contudo, há dois em particular sobre os quais ultimamente me tenho detido. O primeiro, segundo conta o meu pai, pertenceu a uma das bisavós. É um Menino Jesus dos Atribulados, e apresenta uma inscrição que reza assim:
    Que se venra na igreja das Relig.as Trinas de Mocambo
    Para além desta inscrição, tem a particularidade de ter abaixo da gravura em si aquilo que julgo ser o nome do gravador - Correa f.
    Através deste santinho, percorri todo o historial do dito Convento, mas a datação é que fica mais complicada,pois este Convento teve uma história bastante alargada no tempo (do séc XVII até ao séc XX).
    O segundo gostava que o Luís me desse a sua opinião, pois trata-se de algo que me veio parar às mãos por mero acaso do destino, e que, pelas buscas que tenho feito na net, afigura-se-me ser de séc XVIII, realizado com a chamada técnica canivet, mas preciso dos olhos de alguém mais tecnicista.
    E assim se viaja através dos tempos, por via de um bocadinho de papel!

    Um abraço
    Alexandra Roldão

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  2. Cara Alexandra

    Este pequeno registo sofre de um problema. O vidro é demasiado pequeno para a moldura e conto substituí-lo, mas ainda quero ouvir a opinião do Manel, que é sempre o meu tutor nestas questões de restauros e renovações. Este problema do vidro faz com que não seja possível uma leitura adequada da legenda superior.

    Julgo que o lá está escrito não é castelhano (o que até nem seria de estranhar nesta região do Alentejo), mas sim português. A transcrição será "Mostra que es May", isto é, Maria, mostra que és mãe e salva as nossas almas das chamas do Purgatório.

    Também adoro arte sacra, embora não tenha a menor crença em qualquer deus.


    Esteja à vontade para enviar as fotografias que quiser. No que eu poder ajudar.

    Abraços

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  3. Luís, acho espantosa a minúcia do desenho nesta pequena gravura, tão preenchida de figuras e de pormenores. Em tamanho, deve ser semelhante à minha vinheta da “Recreação Filosófica” e talvez esta também fosse uma vinheta de uma obra do século XVIII.
    Quanto à inscrição da faixa que os dois anjos seguram, também me parece a frase “Mostra que és mãe”, escrita à maneira de setecentos - tenho visto a palavra mãe com a ortografia “may” em textos dessa época – às vezes usada por religiosos para pedir a proteção de Maria e neste caso certamente com o sentido que o Luís lhe deu a respeito das alminhas do purgatório.
    Mais um dos seus pequenos tesouros de papel a suscitar curiosidade e interesse, ou seja, uma bela compra!
    Beijos

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  4. Maria Andrade

    Obrigado. A estampazinha é de facto preciosa.

    A grafia palavra mãe tem sofrido muitas variantes ao longo dos tempos. No século XVIII escrevia-se may, e mais tarde, maï. Embora eu não seja um linguista, julgo que houve alguma dificuldade em grafar o som nasalado que esta palavra tem no português.

    Beijos

    Um abraço

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  5. Creio que tens razão sobre essa grafia da época. A vogal nasalada apresenta alguma dificuldade de representação na sua forma escrita.
    A peça é bonita efetivamente. Mas isso já tu o sabias, ou não a terias adquirido.
    Não me parece que o preço tenha sido por aí além, tendo em vista a forma como está emoldurada.
    Por esse preço comes uma refeição num restaurante médio, vai-se o dinheiro e ficas sem nada que te dê algo que seja testemunho do gasto.
    Assim, creio que valeu a pena o gasto.
    Manel

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  6. Manel

    Esta estampa enquadra-se muito bem nas peças que já tenho em casa. Completa-as até. E depois a minha filha que se chama Maria do Carmo certamente gostará de herdar uns quantos registos com a Nossa Senhora do Carmo.

    Um abraço

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  7. Luís,
    O registo é lindíssimo. Partilho o gosto por arte eclesiástica porque os meus estudos específicos integram-se em História da Igreja.
    É uma preciosidade para a filha.
    Eu tenho uma Sant' Ana do século XVII ou XVIII, não consigo precisar, [que adoro], era da minha bisavó que me deixou por causa do nome.
    Um abraço.

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    1. A arte sacra é uma paixão e depois até ao fim do Antigo Regime, praticamente toda a arte europeia é de inspiração cristã.

      Abraços

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  8. Muito bonito esse registo. E a Senhora tem um rosto de encanto. :)

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    1. Luisa

      Muito obrigado

      Há sempre na arte portuguesa dos séculos XVI, XVII e XVIII um certo ar familiar. Falta-lhe o dramatismo das Virgens espanholas, mas essa característica torna as imagens portuguesas da virgem e dos santos mais simpáticas e afáveis aos nossos olhos de gente descristianizada.

      Abraço

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  9. Adorei!!!Sou devoto de nsa. do Carmo. Ando sempre com um escapulário em volta do pescoço.Luís, visite o meu blog, ok? o endereço é http://antiguinho.blogspot.com

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  10. Este comentário foi removido pelo autor.

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  11. Caro Luís
    Só para lhe dar um abraço e dizer que o seu registo é um encanto.Fiquei admirada com o tamanho. Tão pequena!É um trabalho de extrema minúcia.
    Será que já é caso de lhe desejar boas férias? :)
    Abraços e boa semana

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    1. Maria Paula

      Estive a semana passada de férias e com muita preguiça para os blogs, mas o bichinho volta sempre.

      Achei que fotografando o registo na minha mão daria uma ideia mais correcta da sua minúcia, que que indicando os cm de largura e altura.

      Bjos

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  12. Pois é Luís,
    A época que estudei mais profundamente foi o século XVII e XVIII.
    Arte sacra é realmente dominadora mas havia também a mitologia utilizada, principalmente a partir do Renascimento, a arte humanista renascentista que trouxe alguma viragem, embora no nosso país seja mais ténue.
    Grata pela partilha. :)

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  13. Olá, Luís! Primeiramente, devo dizer-te que o registo é um encanto; e, a título de colaboração, gostaria de acrescentar aos comentários algo sobre a frase "Mostra que es may". Ela é a tradução de "monstra te esse matrem", o primeiro verso da quarta estrofe do hino medieval, de data e autor discutidos, "Ave maris stella": "Salve, estrela do mar". É esse um dos epítetos mais antigos da Virgem, de provável origem oriental, invocando-a como guia das gentes do mar propriamente ditas e dos fiéis em geral no mar da vida - donde os variados títulos populares de Senhora dos Navegantes, da Guia, da Boa Viagem, da Bonança, dos Mares, do Porto Salvo, etc., na religiosidade popular lusa. Essa imagem de Maria como "estrela" - seja "do mar", ou "da manhã" (Stella matutina), em um óbvio sincretismo com a deusa Vênus - se materializa iconograficamente na representação desse símbolo (com seis ou oito pontas) sobre o vestido da Senhora, à altura do ombro direito, em muitos ícones gregos. Essa tua imagem seria uma versão ocidentalizada dessa iconografia. A ordem do Carmo, organizada a partir de um grupo de eremitas europeus que ocuparam o monte Carmelo no período das cruzadas, assimilou particularmente esse título, não só pelo contato com as representações iconográficas marianas do oriente, como pelo fato de seu lugar de origem ter uma esplêndida vista sobre o Mediterrâneo. São Simão Stock, superior geral da Ordem já transladada à Europa - a quem se atribui a visão da Senhora a entregar-lhe o escapulário -compôs outro célebre hino, "Flos carmeli" ("Flor do carmelo"), onde Maria também é chamada "Stella maris". Essa ligação histórica de Nossa Senhora do Monte do Carmo com os mares permaneceu muito viva em Espanha, onde é patrona da Marinha e festejada com procissões marítimas, tendo como hino tradicional a "Salve Marinera" ("Salve, estrela de los mares") - originalmente, um coro composto para uma zarzuela. Por fim, a tua imagem é completada com a presença das alminhas, que é um atributo um pouco mais recente ligado à Senhora do Carmo, como libertadora do purgatório para os fiéis que levarem seu escapulário. Espero ter ajudado. Abraços do sul do Brasil!

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  14. Caro Jonas

    Muito obrigado pelo seu estupendo e bem fundamentado comentário. Ajudou muitíssimo à interpretação da legenda e da própria iconografia da imagem.

    Em Portugal, numa vila perto de Pombal, a Redinha, existe mesmo um culto a Nossa Senhora da Estrela, cuja capela é numa encosta rochosa. Junto ao altar mor há uma fenda natural na rocha, que parece uma vagina e é um exemplo claro de como os santuários pagãos foram cristianizados e de como os cultos às dividades femininas foram transformados em devoções marianas.

    Um abraço e fiquei encantado com o seu comentário. Volte sempre a este blog

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    1. Sou eu quem agradeço pelo muito que aprendo cá no blog. Por gosto próprio eu estou sempre estudando e pesquisando temas de iconografia religiosa, e tu tens me aportado elementos preciosos, especialmente acerca dos registos, que já quase não existem no Brasil. Um grande abraço!

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  15. Hello,

    The image is in fact of Bavarian origin, more particularly the city of Landshut. It is venerated there in the Ursuline church under the title Our Lady with the Bowed Head. The Ursuline sisters had many copper engraving printed during the 18th century to spread the devotion. One of these small images has now landed up in your collection! I find it very beautiful.

    Best regards,
    PB / All about Mary.

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  16. Dear PB

    Firstly, I’d like to thank you your interesting and surprising comments.

    I’ve seen your blog and the imagine wish is shown in Our Lady with the Bowed Head is really very similar with my print. Its legend is also a piece of the latin poem "mostra te esse matrem"

    You’re probably right about the origin of this picture, wish is quit sure Bavarian.

    However in Portugal this image has become as Our Lady of Mount Carmel, by the colocation of two scapulars in the top the picture and also of the Purgatory Souls, usually are associated to the iconography of Our lady of Mount Carmel.

    Once more thank you for your kind words hoping more changing of information about this matter.

    See you
    Luis

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