quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A elegância do Vieux Paris

O meu amigo Manel não tem o hábito de comemorar os anos. Quase sempre deixo passar a data e este ano não foi excepção. Lembrei-me dessa falha quando estava na Feira de Estremoz ao ver a chávena que vos trago hoje, absolutamente perdida no meio da maior caqueirada. Sabem como é, aquelas bancas, que vendem tudo a um euro ou cinco euros? 

Percebi que o Feirante não fazia a menor ideia do que estava a vender, ao pedir-me cinco euros, por esta chávena e pires, em bom estado de conservação, que me pareceram desde logo porcelana de Paris e do início do século XIX, até porque a chávena não tinha asa, que normalmente é um bom indicador de que a peça é antiga.


Ofereci assim a chávena ao Manel, que ficou todo contente e a colocou junto a uma outra chávena, da mesma época, decorada segundo um desenho de Adam Buck, sobre a qual já aqui escrevi. 

Como disse no início, por uma espécie de intuição, presumi que esta chávena fosse porcelana de Paris, mas claro, não tinha a certeza, pois a peça não está marcada como era frequente entre os fabricantes sediados na capital francesa, entre 1770-1850.

Para saber mais sobre esta chávena, parti então para o google armado de uma santa paciência e fiz várias pesquisas combinando os termos bol et soucoupe, porcelaine vieux Paris e ainda Teabowl and Saucer com Paris Porcelain.

Chávena e Pires. Porcelana de Clignancourt. ca. 1790. Victoria & Albert Museum

Obtive os primeiros resultados no Victoria And Albert Museum, ao encontrar uma chávena da Manufactura de Clignancourt, datada de cerca de 1790, com uma decoração com algumas semelhanças à peça que ofereci ao Manel e pintada nos característicos dourados da porcelana de Paris.

Continuei as minhas pesquisas, mas sem resultados conclusivos, pois entre 1770-1850, Paris é o centro das artes, da moda, da literatura e da cultura e todos os fabricantes de porcelana europeus, de Lisboa a St. Petersburgo copiaram os modelos manufacturados na cidade da luz. De modo que encontrei uma ou outra coisa da Fábrica de Porcelanas de Nyon na Suiça, com muitas semelhanças com esta chávena e ainda descobri que na Bélgica, a porcelaine Vieux Bruxelles, muito procurada pelos antiquários, inspirou-se na porcelana de Paris.

Passei depois à pesquisa bibliográfica e encontrei um livro estupendo, Porcelaine de Paris / Régine de Plinval de Guillebon : 1770-1850 . - Fribourg : Office du Livre, [cop. 1972], que me forneceu mais algumas pistas e explicações. 
Porcena de Paris. Fleury. Museu Nacional de Arte Antiga

Encontrei reproduzidas nestes livro duas fotografias de duas chávenas, uma no Museu Nacional de Arte Antiga e outra no British Museum com decorações idênticas às da peça do Manel, que me levaram a ter quase a certeza que a chávena do meu amigo é porcelana francesa. A primeira foi fabricada por Flamen-Fleury e a segunda por Potter.

Chávena e Pires por Potter & Blancheron , ca. 1794. British Museum
Em todas estas chávenas, incluindo a do Manel, se encontra uma característica muito própria de muitas das produções da porcelana Vieux Paris. Enquanto nas formas a porcelana de Paris imita muitas vezes a ourivesaria, nas decorações a fonte de inspiração é a arte dos tecidos. E de facto, se olharmos bem para a chávena do Manel, a decoração poderia ser um muito bem o estampado ou a passamanaria de um vestido estilo império. Talvez por isso, a chávena do Manel ficou tão bem ao lado da chávena decorada com um desenho do Adam Buck, representando uma Senhora com um Vestido Estilo Império.  


19 comentários:

  1. Caro Luís
    Oportunidades destas são absolutamente fantásticas! Também já me aconteceu e, igualmente com uma chávena. Tive até um certo dó da rapariga que ma vendeu, mas negócio é negócio:)
    O conjunto de chávena e pires é soberbo e o Manel teve muito bom gosto em colocá-la junto da outra chávena que já conhecíamos. A sua pesquisa, como sempre deu resultados muito interessantes. Gostei especialmente de saber quais as fontes de inspiração para a decoração e para as formas da porcelana de Paris. Nesta chávena é óbvia a alusão às passamanarias.
    Um abraço e continuação de um bom fim de semana que aqui pelo Minho está cinzento e tristonho.

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    1. Maria Paula

      Este foi sem dúvida um bom negócio. O vendedor ainda virou a chávena, à procura sem dúvida de uma marca da Vista Alegre e se a tivesse, pedir-me-ia mais dinheiro. Como não estava marcada, olhei para a peça com um ar de desprezo no momento certo, dando-lhe a entender, que lhe estava a fazer um grande favor em levar-lhe aquele mono da banca, para o levar para minha casa e usa-lo como recipiente para lavar os pincéis com diluente. lolol.

      Enfim, negócio é negócio e o gozo de comprar em feiras de velharias está nestas pequenas artimanhas, que todos usamos, sejamos compradores ou vendedores.

      Por cá também esta frio.

      Bjos

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  2. Ai estes dourados, estes dourados... Realmente, este tipo de decoração lembra logo o Velho Paris.
    Na verdade, com todas as voltas que o Luís deu e todas as fontes que consultou, ao publicar fotos de outras taças de chá de fabrico francês, permitiu-me comparar as formas e perceber que o formato francês é sempre mais alto e menos bojudo que o das taças inglesas, que conheço melhor. Não sei se estou a fazer uma generalização precipitada, mas é uma constatação relativamente a estes exemplares.
    E gostei muito de acompanhar as suas considerações sobre a decoração da bela chávena do Manel.
    Espero que o fim de semana tenha sido excelente.
    Abraços

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    1. Maria Andrade

      Confesso que estava à espera da sua opinião, porque sei que conhece bem a loiça inglesa. Embora desde logo a chávena me tivesse parecido Vieux Paris e toda a pesquisa que fiz posteriormente ao momento da compra tivesse reforçado essa impressão, poderia estar a acertar ao lado e a peça ser inglesa. Os ingleses, que tiveram uma produção vastíssima fabricaram também porcelana muito requintada e obviamente também se inspiram aqui e ali nas coisas francesas.

      Agora, depois de ler o seu comentário estou ainda mais convencido que esta chávena é porcelana de Paris, fabricada ou nos últimos anos do Século XVIII ou nas duas primeiras décadas do XIX.

      Bjos e bom fim-de-semana

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  3. Eu tive muita sorte com esta tua oferta.
    A chávena é linda e a tua pesquisa fantástica.
    Claro que eu não teria chegado até onde chegaste, mas como tu és paciente e muito persistente, lá conseguiste dar com toda esta informação.
    Tenho várias outras peças deste tipo, que sempre cataloguei como "Vieux Paris", porque, de acordo com o que conheço como tal, me pareceram sê-lo, mas aí parou toda a minha pesquisa.
    Não obstante lá continuaste e chegaste a resultados que eu não conhecia, como a dita porcelana de Clignancourt ou de Fleury.
    Enfim, tens uma grande dose de persistência o que, infelizmente, nem sempre é o meu caso, e deveria.
    Agradeço-te esta pesquisa, para lá da própria peça.
    Manel

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    1. Manel.

      Apaixonei-me por esta chávena desde o início e não descansei enquanto não descortinei qualquer sobre o seu fabrico. Há sempre alguma dificuldade em encontrar informações sobre as peças francesas, já que os manuais centram-se sobretudo nas peças de grande luxo e aparato, que estão nas colecções dos palácios e museus da Europa e tendem a ignorar estas peças mais correntes, que apesar disso não deixam de ser muito requintadas.

      Um abraço

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  4. Muito bonita a chávena e um achado económico. :))
    Parabéns ao Manuel.
    Boa noite, Luís, é sempre agradável passar e levar mais conhecimentos.

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    1. Cara Ana

      Muito obrigado. De facto este passatempo de tentar encontrar boas peças no meio da maior caqueirada é sempre muito engraçado, e depois é também uma forma de estudarmos um pouco mais esta ou aquela área das artes decorativas.

      Um abraço

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  5. Olá Luís,

    A chávena é linda, e o seu amigo Manel foi um sortudo. Maravilha de prenda de anos! Confesso que, se tivesse sido eu a comprá-la, não sei se conseguiria desfazer-me dela...
    De quando em vez há horas de sorte. Recorda-se daquela caixa da VA que eu pensava ser uma açucareiro, mas que o Luís tinha o dito açucareiro com as mesmíssimas pinturas? Pois bem, essa também me custou apenas 5€!!!!
    Os meus Parabéns ao Manel, que decerto ficou com aquele arzinho de felicidade espelhado nos olhos.
    E já agora, aproveito para lhes perguntar aonde arranjam os suportes para chávena e pires? São o máximo. Em tempos havia-os nas lojinhas cá do burgo, mas agora nem vê-los.
    Por último, e sem nada a ver com este seu post, gostaria de lhe dizer que achei imensa graça à foto que colocou no seu Facebook, e que ela me remeteu de imediato para um tema musical, em meu entender extremamente adequado.

    Um beijinho aos dois

    Alexandra Roldão

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    1. Boa tarde Alexandra.
      Por acaso, estes apoios das chávenas foram-me dados por um antiquário, mas, quando necessito, eu mesmo os faço com qualquer bocado de madeira que ande lá pelos cantos da minha oficina.
      Um bom resto de semana para si.
      Manel

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    2. Caro Manel,

      Obrigada pela resposta na volta do correio. De facto, tenho pena de não encontrar esses suportes à venda, mas não há dúvidas de que com um bocadinho de arte, engenho, e tempo, consegue-se tudo! E o Manel que é dado a trabalhos de minúcia e delicadeza faz muito bem em personalizar, dando o devido realce a peças como essas suas lindas chávenas.
      Da minha parte, se acontecer vir a encontrar alguma loja que ainda os venda, não me esquecerei da sua pessoa!
      Então o Manel dirá, ou melhor escreverá, tal como na canção dos Rio Grande:
      - "...Cá chegou direitinha a encomenda no Expresso que parou na Piedade.." ;)
      E por falar nos Rio Grande, deixo-lhe um tema que considero uma ternura:

      http://youtu.be/VuNeDdSw584

      Abraço sincero

      Alexandra Roldão

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  6. Cara Alexandra

    Obrigado pelo seu comentário. De facto esta peça foi um verdadeiro achado.

    Perguntarei ao Manel onde arranjou o suporte para chávena.

    Quanto à foto do facebook, ela já serviu de tema a um post, http://velhariasdoluis.blogspot.pt/2010/11/y-todo-media-luz-crepusculo-interior.html, que precisamente glosava o célebre tango de Gardel.

    Bjos

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    1. Caro Luís,

      Como deve calcular, não resisti. Fui cuscar esse seu outro post, e só posso dizer-lhe o seguinte:
      - Abençoado dia esse, em que decidiu dar uma voltinha pela Feira da Ladra. Estou em crer que, se entrasse na sua casa,ficaria qual Maria Papoila de boca aberta,extasiada em cada cantinho ou vitrine...
      É que o candeeiro é um mimo com aquelas missangas e bordados, mas aquela tonalidade
      que adquire depois de aceso é algo perfeitamente charmant. Como dizem os brasileiros: Amei!!
      E quem me havia de dizer que eu acertava no tema que decidiu colocar como título para esse post??? Isto há cada uma. Ou muito me engano ou errei a profissão, faria melhor se fosse adivinha,bruxa, quiromante, eu sei lá!
      Por este andar ainda me contratam para tentar adivinhar a solução para a crise, e qual o futuro deste nosso País, e olhe que eu tinha a resposta na ponta da língua!!

      Beijo

      Alexandra Roldão

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  7. Cara Alexandra.

    De facto há peças que tem música. Olhamos para elas e associamo-las imediatamente a um tango, uma valsa ou um êxito qualquer da pop. Há uma relação entre a arte e música, que tem mais a ver com os sentidos do que talvez com a razão. Sei que há especialistas que já escreveram sobre o assunto, mas confesso que nunca li nada em profundidade sobre o tema.

    Bjos

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  8. Luis , um pouco atrasada ,dado várias vissicitudes , venho desejar ao seu blogue muitos mas mesmo muitos anos a mostrar-nos e a ensinar-nos coisas tão belas .
    Continue e umenorme BEM HAJA
    BJ

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  9. Cara Quina

    Muito obrigado e um um beijinho também para si

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  10. Ola Luis!!!

    Escrevo-lhe de uma rua chamada Marechal Floriano aqui em Porto Alegre...
    Comecei a trabalhar no inicio do mês num antiquário nesta rua... Veja só que o Trapos foi um dos motivos da minha entrada para o mundo das antiguidades neste lado do Atlantico.

    O antiquário ao lado do qual trabalho chama-se Ricordo... O dono é um antigo colecionador de Vieux Paris.. Tem a venda agora peças INCRIVEIS e alguma vista alegre!!! Como tal lembrei-me de si!!!

    Fortes abraços querido Luis

    Flávio Teixeira

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  11. Flávio

    Fico muito contente por saber que já arranjou um emprego. Sem dúvida, que a experiência que adquiriu no blog lhe vai ser útil nessa profissão. Os blogs permitem sistematizar os conhecimentos e ganhar o tal "golpe de vista", que permite descobrir as boas peças no meio da tralha.

    Admiro a sua coragem de ter mudado de cidade e país, muito embora o Brasil não seja propriamente o estrangeiro. Eu não seria capaz de o fazer, mas também tenho outra idade, uma casa, filhos e um emprego estável.

    Desejo-lhe as maiores felicidades.

    Um abraço

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  12. BOM dia,moro em rondonia e ando muito por essa região e ando encontrando muitos frascos e porcelanas tipo (samarcand)tenho a foto no meu blog e gostaria q vc me falace sua época é muito bonita!abraço espero a resposta

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