Comprei este pequeno candeeiro há mais de 25 anos na feira-da-ladra com a minha ex-mulher. Terá custado uns 300 escudos, já não me lembro bem, mas foi o primeiro objecto que comprámos para a nossa casa, um apartamento minúsculo num prédio com cerca de 200 anos, com vista para rua das Escolas-Gerais, onde víamos passar o mítico eléctrico 28 a cada quarto de hora. Foram uns tempos engraçados.
Passávamos a vida a perder e a mudar de empregos, mas tínhamos uma vida com uma certa dose de boémia. Também naquele bairro, cheio de gente alternativa, como diríamos hoje em dia, bastava ir à varanda para conhecer gente curiosa ou encontrar amigos da noite a passar na rua. Confesso que este candeeiro é um pequeno símbolo daquele tempo, que guardo com uma certa nostalgia.
Já ninguém usa estes candeeiros com abat-jours plissados e rematados com passamanaria. |
Não é nenhuma antiguidade. Deve ser uma peça dos anos 30, 40 ou até mesmo 50 do século XX. É um objecto fora-de-moda. Já ninguém usa estes candeeiros com abat-jours plissados e rematados com passamanaria. Mas o fora-de-moda traz a obsessão do tempo que passa, a nostalgia mais querida, como escreveu Catherine N’diadye, nesse livrinho delicioso, intitulado A coquetterie ou a paixão do pormenor. Lisboa: Edições 70, 1987.
A luz suave de um abat-jour atenua e suaviza as rugas, as olheiras e as marcas do tempo |
Não só o meu passado a luz suavemente matizada deste abat-jour plissado evoca, mas também um tempo que eu não vivi e que só conheço através dos livros, como o período do fin-de-siècle em Paris, mais propriamente o ano de 1898, quando César Ritz inaugurou o célebre e luxuoso hotel com o seu nome na capital francesa. Este empresário hoteleiro de origem suíça mandou electrificar o Ritz, o que era uma absoluta novidade naquele tempo. Mas como a luz eléctrica era demasiado forte e crua, César Ritz mandou colocar abat-jours cor de pêssego sobre os candeeiros eléctricos, de modo a disfarçar e embelezar a tez demasiado pálida e cansada das mulheres mundanas, que frequentavam o restaurante ou hotel. A luz suave de um abat-jour atenua e suaviza as rugas, as olheiras e as marcas do tempo.
Este candeeiro é apenas um objecto fora de moda, ainda não dormiu o suficiente para ter um carácter histórico, nem foi ainda apanhado novamente pela moda, que tende sempre voltar atrás e repescar as coisas do passado. É apenas um objecto sentimental e a sentimentalidade nunca consegue viver o tempo louco e rápido da moda.
Lindo
ResponderEliminarAdoro este género de candeeiro
O luis como sempre tem as coisas mais bonitas para nos mostrar
E esse candeeiro ainda por cima tem a história de momentos mais felizes da sua vida com a sua ex esposa
Quer queira ou não ,conta um pouco do seu passado
momentos bons e não tão bons,mas que fazem parte da sua vida passada
De certeza que lhe trazem um pouco de nostalgia da sua vida de homem casado
Agora ,embora seja " solteiro" de certeza que a sua casa e filhotes e ex esposa ainda são uma familia feliz
Beijinho,Luis
Grace
EliminarObrigado pelas suas palavras simpáticas. Estes pequenos objectos guardam em si toda uma série de memórias, que nos permitem sentir mais confortáveis em casa, ainda que vivamos sós.
Bjo
Pode já não estar na moda, mas a
ResponderEliminarsua elegância perdura no tempo.
Também tenho dois candeeiros
com abat-jour em minha casa, com
cerca de 50 anos, que todos os
dias dão o ar da sua graça,
suavizando a luz do corredor
durante os serões nocturnos. E tão
bem que sabe!
Um abraço,
Marco Monteiro
Marco
EliminarÉ verdade. Só aprendi tarde o valor dos abat-jours na decoração. A luz eléctrica só por si é uma coisa crua, sem graça, que põe à vista não só as nossas olheiras, como as rachas e as mazelas de uma casa antiga. A luz suave dos abat-jours cria todo um clima acolhedor numa casa.
Um abraço
Gostei muito. Cada vez me interessam mais estas peças "fora de moda" pelo que representam. E aprendi muito, como sempre... Bom dia!
ResponderEliminarMargarida
ResponderEliminarMuito obrigado. Este texto andou quase todo à volta do livro "A coquetterie ou a paixão do pormenor. Lisboa: Edições 70, 1987", que é uma pequena preciosidade para explicar o fascínio que os objectos fora-de-moda exercem no ser humano e que está muitas vezes na origem do coleccionismo das velharias, do gosto pelo kitch no vestuário e no prazer de apanhar coisas do lixo para as reciclar.
Um abraço
Olá Luís,
ResponderEliminarRealmente há peças que nos acompanham quase uma vida inteira, e que marcam momentos cruciais da mesma.
Não sei se é da tonalidade champanhe, mas esse candeeiro tem um qualquer charme especial.
Tal como seria de esperar, há 25 anos atrás o Luís já tinha gostos requintados, e pelos vistos a cara metade seguia-lhe as pisadas.
Devem ter sido muito giros esses seus primeiros tempos de casado, nessa ambiência que descreve, muito ao estilo de Paris nos bairros habitados primordialmente por artistas e boémios.
Esse candeeiro presenciou todo um conjunto de acontecimentos (melhores ou piores) e consegue fazê-lo recuar no tempo, e recordar momentos vividos na companhia de uma pessoa que foi tão especial para si, e que presumo continue a sê-lo de alguma forma. Afinal de contas, embora separados, ela é a mãe dos seus lindos filhotes!
Curiosamente, ontem foram-me oferecidas duas peças Vista Alegre, as quais também foram testemunhas da vida de alguém da minha família. São um par de catatuas com carimbo de 1947/68, e são lindas!
Beijinho
Alexandra Roldão
Alexandra
EliminarDe factos esses tempos que aqui evoquei foram engraçados e guardo alguma nostalgia deles. Pensei até rematar o post com La Bohème do Aznavour
La bohème, la bohème
Ça voulait dire on a vingt ans
La bohème, la bohème
Et nous vivions de l'air du temps
Mas, depois lembrei-me de um livrinho que tinha lido há muitos anos, "A coquetterie ou a paixão do pormenor. Lisboa: Edições 70, 1987" e o texto inflectiu noutro sentido e decidi escrever antes sobre o fascínio que os objectos fora de moda como este candeeiro exercem sobre nós.
Bjos
Luís,
ResponderEliminarGostei muito do abat-jour e o pé fica muito bonito dentro dele.
O seu registo fez-me sorrir. Gosto imenso dessa época que muito bem retratou.
Boa noite!:))
Cara Ana
EliminarMuito obrigado.
O final do século em Paris é um período fascinante. É a época em que a cidade é a capital do mundo e as mundanas e as semi-mundanas enchem os restaurantes, os parques e os teatros e há um Senhor, Marcel Proust, a observar os pormenores deste mundo. A decoração é pesada, mas sempre confortável e nas paredes, nos tectos e nas mesas há candeeiros, apliques e lustres cheios de charme. Recentemente, passou no circuito comercial um filme sobre está época, o Chérie, baseado no romance da Colette, que reconstitui admiravelmente os interiores domésticos.
Um abraço
Olá Luis,
ResponderEliminarObrigado por sua visita e seus comentários lá no pobrezinho...
Só para destoar (mas não menosprezar) de todo este romantismo, penumbra de sentimentos e afetos:
Tudo bem que talvez esta luminária seja "cafona" segundo algum critério... Mas junto a um barrado de azulejos destes e frente a este painel de relevo clássico, que são sei o que é (mas lindo) penso que até umas luvas furadas ou qualquer coisa assim, seria muito bem apresentada... Mas o pessoal, e Vc muito mais, tem razão em valorizar esta peça "ainda não tão dormida..."
Postei novamente a imagem de Nossa Senhora que penso ser seiscentista (pelo menos é bem mais velha que nós, né?). Foram as primeiras fotos que tirei. Pena que já tinha preenchido os buracos que iam até os ombros e toda a grande cava na base. Mas não queria vê-la assim.
Sei que Vc não mexeria tanto nela mas a tenho tb por devoção...
Um abraço
Amarildo
http://velhariasdomaurinho.blogspot.com.br/
Amarildo
EliminarO painel que se vê ao fundo é um estuque da oficina Baganha na cidade do Porto. É uma casa centenária especializada em trabalhos de decoração a estuque de paredes e tectos. O painel é uma réplica de um modelo antigo desta oficina, que eles ainda executam e vendem na sua loja do Porto.
Bem, para publicar este post, tirei cerca de umas quarenta fotografias, das quais só aproveitei 4. Queria apanhar não só a beleza da luz do candeeiro, mas também o seu enquadramento com os azulejos e o painel de estuque ao fundo. A ideia é sempre proporcionar aos leitores do blog imagens bonitas, que os façam esquecer da chatice da vida e lhes despertem o gosto pelo antigo.
Um abraço
A luz dada por este candeeiro é muito bonita. É tranquila, que, depois de um dia de trabalho, induz ao repouso, e, ainda por cima, tem o condão de atenuar algumas caraterísticas menos boas do rosto de uma pessoa, para quem se preocupa com isto.
ResponderEliminarOs plissados do abat-jour acabam por conferir nuances de iluminação que um tecido simples, ainda que com forro, não dariam. Gosto dos abat-jours com duplo forro
Há muitos anos atrás comprei, igualmente na feira da ladra, um outro candeeiro, que, não sendo igual a este, não andará muito longe.
Julgo que, pela forma e materiais, apresenta reminiscências da Arte Nova. Poderia, pois, ser das primeiras décadas do século, e ainda tinha os fios elétricos revestidos a tecido; trazia igualmente um abat-jour em plissado de seda, com o trabalho de plissado já completamente puído e desfeito, aqui e ali - as traças, entre outras fibras naturais, têm um gosto muito especial por esta.
Lá me armei de toda a paciência, tirei a seda, verifiquei como tinha sido feito o trabalho e voltei a refazê-lo, no mesmo material, agora de forma mais trapalhona, pois não consegui ter o virtuosismo do(a) artista original.
Não obstante, ficou bonito, e gosto francamente de ter o candeeiro aceso, dá uma luz fantástica!
Entretanto, e depois da experiência deste, acabei por encher a casa com este tipo de quebra luzes, em plissados, cuja luz ambiente me dá um prazer muito especial.
As modas são inconsequentes, pois, para além de transitórias, servem para conduzir o gosto de gente insegura, que, por ignorância, preguiça ou outra razão qualquer, nunca conseguiu formar um léxico artístico de base, sólido o suficiente para lhe permitir ser segura nas suas opiniões e gostos.
Qualquer forma de gosto, desde que assente em bases e conceitos artísticos sólidos, é válido e defensável.
Seguir o gosto, só porque é moda, é algo que evito cuidadosamente, pois seguir a carneirada não pertence, de forma alguma, a qualquer ambição que tenha como pessoa.
Quando se gosta, de forma esclarecida, todas as opções são válidas.
Manel
Manel
EliminarJá aqui repeti muitas vezes a célebre frase da Chanel "La mode se démode, le style jamais". Quer isto dizer que não interessa acompanhar a moda, que passa a cada momento, mas importa muito mais definir um estilo próprio, que tem muito mais hipóteses de manter a sua frescura durante décadas a fio. E no entanto, nós que compramos velharias adquirimos tantas vezes objectos, que foram o último grito da moda no passado e que hoje só interessam a coleccionadores de bric-à-brac, pois ainda não dormiram tempo suficiente para serem objectos históricos respeitados. O fora-de-moda tem de facto uma carga de nostalgia e sentimentalidade que irresistivelmente nos atrai.
Um abraço
O candeeiro pode não ser histórico mas, conhecida, tem uma história. E quantas histórias desconhecidas não terá?
ResponderEliminarCara Ana T.
EliminarAdquirir este objectos fora-de-moda tem de facto uma carga sentimental muito grande. Este candeeiro era destinado talvez a uma mesinha de cabeceira ou para a mesa de um restaurante. Nos anos 30 e 40 era moda colocar nas mesas redondas dos restaurantes um pequeno candeeiro com abat-jour, que servia não tanto para alumiar, mas para dar ambiente. Tenho até uma ideia de uma imagem do filme New York, New York, com a Liza Minelli e o Robert de Niro sentados na mesa de um restaurante, onde há um destes pequenos candeeiros. Enfim, quantas histórias estes objectos nos poderiam contar.
Um abraço
Luis!
ResponderEliminarRealmente estes pequenos candeeiros são de uma nostalgia que nos remete aos filmes noir de Hollywood dos anos 30 - 50. Carregam um certo ar de romantismo. Realmente são encantadores. Minha esposa e eu os colecionamos. Quando vamos a feirinhas de velharias e antiguidades ele parecem saltar aos olhos e nos implorar para serem adotados.
Abraços d´além mar
Edwin J. Pinto Fickel
Caro Edwin
EliminarCom efeito, estes candeeiros já não se encontram nas casas actuais. A minha imagem deles é quase sempre de filmes antigos ou de filmes de época dos anos 30 e 40.
Tal como o Edwin apetece-me sempre comprar candeeiros, mesmo que não precise deles para nada.
Um abraço lisboeta
Luís , o seu candeeiro pode ainda não ser um objecto histórico ,mas é lindo tal como o seu texto...
ResponderEliminarUm abraço
Cara Quina
EliminarMuito obrigado. Julgo que neste post consegui um texto feliz com boas imagens. Nem sempre o consigo. Ou o texto saí menos inspirado, apesar de boas fotografias, ou então o texto é bom, mas as imagens fracas. Há dias que estamos mais inspirados.
Um abraço
Olá Luís! Uns dias sem visitar o blog e fiquei logo desatualizada! Ainda não consegui ver toda a entrevista televisiva, por "grandes" problemas informáticos :( , mas admirei imenso o teu à vontade. Parabéns pelo trabalho de divulgação e sensibilização do valor do passado.
ResponderEliminarO candeeiro (lembro-me dele), trouxe-me de volta jantares intermináveis e noitadas de jogatana: de facto, tínhamos todos vinte e tal anos... Bjs,
Luísa
Luisa
EliminarObrigado pelo teu comentário e espero que consigas ver o programa por inteiro. Não que eu tenha dito, grandes novidades, mas porque é sempre engraçado ver os amigos na televisão.
Este candeeiro é um pequeno símbolo desses tempos, em tínhamos todos vinte e tal anos e de facto sempre que ouço o La bohème comovo-me, porque penso nessa época.
La bohème, la bohème
On était jeunes, on était fous
La bohème, la bohème
Ça ne veut plus rien dire du tout
Bjos
Não o quer vender?
ResponderEliminarCara Joana
EliminarNão comercializo antiguidades e depois dificilmente me conseguiria separar deste candeeiro, com um abatjour plissado tão bonito. Em todo o caso, agradeço-lhe o interesse.
Um abraço