sábado, 22 de novembro de 2014

Faianças inglesas que afinal serão espanholas


aqui apresentei estas faianças, duas chávenas e uma peça que será uma compoteira ou talvez mais seguramente uma escudela, isto é, uma espécie de taça coberta para sopa. Embora não estejam marcadas, na altura apresentei-as convencidíssimo, que se tratavam de peças inglesas do Século XIX e de facto tudo na sua decoração, uma paisagem imaginária, um lago e uns cisnes, apontava para tal.

Contudo, enganei-me nessa atribuição e muito provavelmente as peças serão espanholas, da fábrica Pickman, conforme me chamou à atenção um seguidor espanhol deste blog, o Corbu.
Na verdade, quando vemos estas peças com paisagens românticas decoradas segundo o processo transfer way, temos sempre tendência a achar que são inglesas, e de facto durante todo o século XIX, a velha Albion invadiu todos os mercados europeus ou americanos com as suas faianças esteticamente muito apelativas, de grande qualidade e vendidas a bom preço. Como reacção a essa hegemonia da faiança inglesa, em meados do século XIX, um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde, consoante os casos, por todo o continente europeu, as fábricas dos vários países começaram a fazer louça à maneira inglesa, copiando não só as decorações como os também processos industriais de produção em massa. Foi o caso de Sacávem em Portugal, Sarreguemines em França, Maastricht (De Sphinx) na Holanda ou Sargadellos e Pickman/La Cartuja de Sevilla em Espanha. Ainda recentemente vi na Feira de velharias de Estremoz uma travessa que juraria ser coisa inglesa do século XIX e afinal a marca era de um qualquer país nórdico. Estes são os casos, que eu conheço porque imagino que na Alemanha, no Império Austro-húngaro ou na Itália também terão aparecido fábricas de louça à maneira inglesa.

As minhas peças, a escudela e as duas chávenas serão provavelmente de fabrico espanhol e constituem um bom exemplo de como por toda a Europa se começou a copiar a faiança inglesa, segundo pude apurar pelas minhas pesquisas, que passo de seguida a relatar, se tiverem pachorra de as ler. 

Procurei então na internet por Pickman/La Cartuja de Sevilla Espanha e encontrei algumas peças à venda on-line com decorações iguais à esta daquela fábrica espanhola, mas mais recentes. Na Feira de Estremoz também namorei alguns tempos uns pratos idênticos à escudela, marcados com uma âncora, que na altura julguei que seriam Davenport. Mas não observei com a devida atenção, pois estava sem os óculos de ver ao perto e hoje sei que espanholíssima Pickman usou também a âncora para marcar as suas loiças.

No CERES, colecciones en red, o inventário on line dos museus espanhóis localizei um jarro e uma chávena, marcadas Pickman com uma decoração central idêntica, embora a borda me pareça diferente.

Chávena, 1900-1933, Museo de Artes y Costumbres Populares de Sevilla

Na entrada descritiva destas peças, refere-se que a fábrica da Cartuja de Sevilla, conhecida também como Pickman, surgiu em 1839 e à mão de mestres ingleses começou a produzir louça com as técnicas inglesas de estampagem e que as séries decorativas com paisagens românticas imaginárias depressa se tornariam uma imagem de marca desta fábrica, que aliás, continuam ainda a ser feitas nos dias de hoje. Nesta descrição, indica-se no entanto, que foi a Fábrica de Sargadelos, em Lugo, na Galiza, a pioneira em Espanha da decoração com vistas de arquitecturas imaginárias, durante a sua terceira época de laboração, entre 1845-1870. Com efeito, fiz mais umas pesquisas e na net e num site de vendas on-line, encontrei uma caneca de atribuída a Sargadelos, com a mesma decoração central, mas sem marca e enfim nunca se pode confiar muito nas informações destas páginas de vendas.
 
Enfim, fiquei na dúvida se as minhas peças são Sargadelos ou Pickman, até porque as chávenas, pelo craquelé que apresentam, parecem-me mais antigas que a escudela. As chávenas, recebi-as por herança e vieram de Trás-os-Montes, portanto talvez fossem feitas entre 1845-1870 na vizinha Galiza, em Lugo, na fábrica de Sargadelos. A escudela, comprei-a em Estremoz e portanto é mais natural que proviesse de Sevilha. Mas, esta é uma explicação simplista pois ao longo do século XIX o caminho-de-ferro espalhou-se aos poucos por a Península Ibérica e os produtos chegavam a todo o lado.
 

Não cheguei a uma conclusão definitiva sobre estas peças, se serão Sargadelos ou da Cartuja de Sevilla, embora me incline mais para a segunda hipótese. Por exemplo, a cercadura com o motivo das uvas, continua ainda a ser usada na produção actual da Pickman.

A moral desta história é sempre a mesma, para a faiança e não está marcada, temos que sempre usar de muita cautela nas atribuições que fazemos.

15 comentários:

  1. Luís,
    Não sei o que aconteceu ao meu comentário, desapareceu e não ficou registado.

    Volto a dizer que apreciei sobremaneira os caminhos de investigação da origem da sua faiança.
    O trabalho de detective é aliciante.
    As suas peças são lindas e antigas. A descoberta é sempre uma satisfação.
    Será a fábrica de Sargadelos contemporânea à da Vista Alegre?
    Pesquisou nesta fábrica para ter mais um paradigma da difusão do desenho?
    Parabéns pelos resultados.
    Bom domingo!:))

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    1. A fábrica de Sargadelos é anterior à Vista Alegre. Iniciou as suas actividades em 1804. No entanto só começou a produzir louça do tipo inglês já mais tarde, depois de 1845. Nessa época, a fábrica contrata um inglês um tal senhor Edwin Forester, que é responsável pela introdução dos modelos e técnicas de fabrico ingleses.

      Não consegui apurar muito mais sobre a origem do desenho do que aqui escrevi. Mas tal como o motivo cavalinho ou estátua da fábrica de Sacavém tem origem numa decoração inglesa, suspeito que a decoração destas peças espanholas terá sido copiada do desenho de alguma loiça inglesa por Sargadelos ou por Pickman, ou pelas duas em simultâneo. Não cheguei a uma conclusão definitiva.

      Um abraço

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  2. Olá Luís, só para acrescentar à sua lista, até mesmo aqui no Brasil peças à inglesa, decoradas com transferware foram produzidas em quandes quantidades, pois afinal nós também, depois da vinda da corte para o Rio, e a abertura dos portos, fomos soterrados com faiança inglesa e porcelana principalmente inglesa e alemã.
    Como nossa indústria foi bem mais tardia, este tipo de peça surgiu em quantidade fabricada localmente pelas décadas de 1930/40. As mais próximas das inglesas por aqui são as peças da Cerâmica Matarazzo, pois esta fábrica licenciou da Johnson Bros modelos (formatos) e decorações. Houve também reproduções de modelos e decorações de outras fábricas, como o Willow, que naturalmente não poderia ficar de fora, o Yuan (ou Mongólia), etc.
    E ainda hoje em dia, por causa dessa invasão por todo o planeta quase da louça inglesa, há aqui uma macaquice de uma adoração irracional por qualquer coisa que leve uma marca inglesa, a ponto de muitos comerciantes de velharias empurrarem as réplicas brasileiras, ou mesmo de outros países como "inglesas", o que faz os olhos dos compradores brilharem, e as carteiras se abrirem.
    abraços!

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    1. Fábio

      Muito obrigado pelas tuas achegas. Não referi aqui o caso das Américas, pois conheço-o menos.

      Mas de facto o prestígio da louça inglesa foi tão grande, que foi copiada um pouco por toda a parte.

      Curiosamente, por aqui, nos mercados de velharias a louça inglesa vale pouco dinheiro. Os mercados de antiguidades obedecem a razões que tem a ver com a psicologia de cada povo, com a sua história e também naturalmente com modas.

      Aqui a louça mais valorizada é sem dúvida a companhia das índias, embora a faiança portuguesa mais rustica tenda a ser muito valorizada.

      Um abraço

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  3. Caro Luís

    Só muito recentemente (semana passada) descobri o seu blog. Mas fiquei deslumbrado pelo conteúdo.

    Muito obrigado pelas maravilhas que dá a conhecer.
    Por favor, continue o bom trabalho.

    MIKE

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    1. Caro Mike.

      Obrigado pelas palavras simpáticas e seja muito bem-vindo ao meu blog.

      Um abraço

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  4. Caro Luís,

    Peço-lhe desde já mil desculpas pela ausência de comentários. Esta sua amiga, como professora que é, foi colocada numa escola da zona de Abrantes. Por essa razão vim de armas e bagagens para Sardoal - terra das minhas origens familiares - vila aonde mantemos a casa dos meus avós paternos. Como deve calcular, tenho andado um pouco arredada das lides bloguistas.
    Seja como for, não podia deixar de lhe dizer que as suas peças são maravilhosas. Nunca as tinha visto.
    Gosto particularmente do prato com a cercadura das uvas.Seja ele inglês, ou espanhol, é lindo!!! Esse tipo de peças falam mesmo connosco!
    Na passada sexta-feira descobri aqui na zona (Abrantes) uma lojinha com tudo o que se possa imaginar em 2ª mão, e aí fui encontrar quatro pratinhos da VA, dois com carimbo dos anos 40, e ainda outros dois dos anos 80. Foram baratíssimos.Fiquei toda contente.
    Despeço-me com um enorme abraço, extensivo ao seu amigo Manel.

    Alexandra Roldão

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    1. Alexandra

      Percebo perfeitamente o seu problema. Também já fui professor do secundário e num qualquer concurso, coloquei uma cruzinha no quadrado errado e no dia seguinte acordei a dar aulas em Campo Maior, a 200 km de Lisboa.

      Quanto as estas peças serão certamente espanholas, muito embora creia que o motivo foi adaptado de um original inglês.

      Bjos e fico contente com o seu regresso às lides bloguistas ou blogueiras, como dizem os nossos irmãos brasileiros

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  5. Nunca pensaria que este padrão fosse fabricado em Espanha, tal o pouco que conheço da cerâmica produzida no nossos vizinhos.
    De vez em quando lá vejo aparecer loiças espanholas em Estremoz, como tu também vês, claro, mas confesso que não lhes ligo muito.
    Vejo muita louça que por vezes iria jurar que é Sacavém, viro-a e ... surpresa, vem de Espanha.
    No entanto devo salientar que estas peças são de uma execução muito boa, com desenhos que, ainda que provenientes de outros modelos ingleses, foram passados para estas peças de forma competente e atraente.
    Gosto muito destas tuas peças.
    Quero agradecer o comentário da Alexandra, e frisar que fico satisfeito por saber que se encontra em terras que lhe são familiares.
    Cumprimentos para si também Alexandra e continuação de um bom ano por esses lados, pois lecionar não é nada fácil.
    Manel

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    1. Manel

      Sejam lá de que fábrica forem estas louças são de boa qualidade, atraentes e nada devem em beleza aos modelos originais ingleses.

      Um abraço

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    2. Caros Manel e Luís,

      Muito obrigada pelas simpáticas palavras de incentivo.
      Nos dias que correm é cada vez mais difícil transmitir conhecimentos. Os tipos de turmas existentes são quase ao estilo cada cor seu paladar...e a classe docente lá vai fazendo mil e um malabarismos para conseguir levar a água ao seu moinho...embora não raras vezes nos sintamos a pregar no deserto...
      Enfim,esta conversa daria pano para mangas!

      Beijinho a ambos e continuação de boas aquisições

      Alexandra Roldão

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  6. Luís, adoro estes tons de lilás mais ou menos carregados nestas suas peças de loiça, acho que a primeira fotografia está muito boa, mas a segunda ficou belíssima!
    Graças a estas suas loiças e às suas investigações, ficámos de facto mais atentos à possibilidade da proveniência espanhola para este tipo de decorações.
    No meu caso, nunca estive muito atenta nem muita interessada na produção cerâmica dos vizinhos do lado, exceptuando, é claro, a azulejaria hispano-árabe. Mas se pensarmos que no nosso pequeno “rincón” floresceram no final do XIX, início do XX, três fábricas que se dedicaram ao fabrico de loiça “à inglesa” – Sacavém, Massarelos e Alcântara - será natural esperarmos esse tipo de produção em Espanha e noutros países europeus. Vemos então La Cartuja de Sevilla a laborar nessa linha.
    O problema põe-se quando não foram marcadas determinadas peças de um serviço, por exemplo, e há sempre casos desses a aparecer pelas feiras, mas felizmente no seu outro poste apareceu uma pista muito credível.
    É muito bom irmos ficando mais conhecedores de todo o panorama.
    Beijos

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    1. Maria Andrade

      É bem verdade, estamos sempre muito focados em Portugal, nas nossas faianças e esquecemo-nos de perceber que o fenómeno Sacavém, Massarelos ou Alcântara faz parte de um todo mais vasto, que é a reacção das empresas europeias à invasão do mercado pelas louças inglesas.

      Também nunca liguei muito à louça espanhola, tirando aquelas coisas fantásticas de Talavera e acreditei sempre que estas peças fossem inglesas. Mas de facto, com o tempo vamos alargando os nossos conhecimentos e quando nos aparecem estas peças à inglesa sem marca, devemos sempre colocar a possibilidade de serem o produto de uma outra qualquer fábrica europeia, congénere da nossa louça de Sacavém.

      Bjos

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  7. Caro Luís
    Há uns anos vagueando pela internet em busca da identificação de uma uma taça de consomé Pickman,decorada com o motivo "País", encontrei um site muito bom com bastante informação sobre esta fábrica. A âncora, à semelhança do que acontece noutras fábricas é usada em diferentes épocas com uma série de variações.A minha chávena por exemplo corresponde ao período entre 1900 e 1965. Tal como a Maria Andrade e até à compra da minha chávena, também eu estava pouco desperta para a produção espanhola de cerâmica, que acaba por ter uma história algo semelhante à nossa.
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    Cada vez menos assídua para pesar meu.Mas a queda do meu pai e consequente operação absorve-nos por completo. Felizmente está a recuperar o que é possível recuperar na sua idade. Mesmo assim, visitar o seu blogue e outros blogues do "coração" ´faz parte da minha rotina :)
    Beijos


    Apesar de estar no meu blog deixo-lhe aqui o link de que lhe falei.Chega lá mais rápido por aqui.

    http://www.juntadeandalucia.es/culturaydeporte/media/museos/visitas/macpse_web_cartuja/Catalogo.html?npag=1

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    1. Maria Paula

      Muito obrigado pelo link, onde a informação está muito bem sistematizada.

      O problema das minhas peças é não apresentarem marca, pois era vulgar, mesmo nas grandes fábricas, não marcarem todas as peças dos serviços. Por exemplo, marcavam o bule e a leiteira e os pires, mas poderiam não marcar as chávenas. Provavelmente foi o que aconteceu a esta escudela e chávenas, que são restos de antigos serviços completos.

      Espero que o seu pai recupere depressa.

      Também tenho andado com uma vida complicada, sem cabeça e vagar para escrever para o blog

      Bjos

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