quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Canivet : S. Filipe, o Apóstolo


Consegui comprar mais um canivet, isto é, um daqueles santinhos, com um trabalho todo picotado à volta semelhante a uma renda. Todavia este santinho não é uma daquelas pagelas do século XIX ou inícios do XX em que o picotado é realizado mecanicamente. Aqui o picotado foi feito à mão mediante o auxílio de um instrumento cortante, um canivete, daí a origem do nome, canivet, termo francês pelo qual são normalmente conhecidas estas peças entre os amantes das velharias.

Já aqui apresentei dois destes canivets antigos, que normalmente são datados no século XVIII nos catálogos internacionais de alfarrabistas, leiloeiras e sites de coleccionadores. Mas, aproveitei a compra deste para efectuar mais umas pesquisas aqui e ali na net e apurei mais alguma coisa sobre estes objectos.
Os canivets do século XVIII são de dimensões muito reduzidas.
Em primeiro lugar, ao contrário dos outros registos de santos, estes canivets nem sempre são estampas impressas, que posteriormente foram aguareladas. Os canivets, sobretudo os mais antigos, são pinturas originais a guache, o que os transforma em peças únicas. Também relativamente aos materiais, apurei que estes canivets não são só realizados em papel, mas também em tecido, como o agnus dei, que aqui apresentei em 15 de Março deste ano, ou ainda em velino como este S. Filipe. O velino é uma pele semelhante ao pergaminho, só que de melhor qualidade, normalmente feita de um vitelo, daí o nome velino (do francês antigo Vélin), ou de um outro animal qualquer jovem, como de um cordeiro e tratado de forma a que ficasse com uma espessura muito fina e lisa.
No verso, pode-se observar alguma rugosidade típica de um suporte em pele
Como já expliquei em anteriores posts, estes canivets eram um trabalho realizado em conventos femininos e vendidos para fora como fonte de receita. Aparecem muitas destas peças nos sites de alfarrabistas e de coleccionadores de estampas religiosas, originárias da Alemanha, França ou Holanda. Em Portugal, existiu também uma tradição de trabalho em papel e era natural que também produzissem estes santinhos, mas como estas peças nunca são assinadas, é complicado afirmar que são portuguesas, francesas ou alemãs. Todavia, havia uma grande circulação de gravuras por toda a Europa, como por exemplo as estampas produzidas em Augsburgo, que eram muito populares em Portugal, conforme o demonstrou Marie-Thérèse Mandroux-França na obra Information artistique et «mass-media» au XVIIIe siècle : la diffusion de l'ornement gravé rococo au Portugal - Braga : [s.n.], 1974 e portanto não é de estranhar que estes canivets sejam alemães ou franceses.


Este canivet representa S. Filipe, um dos doze apóstolos que acompanharam Jesus Cristo, facilmente reconhecível, pelos seus atributos, o livro e a cruz, na qual foi supliciado. A legenda encontra-se em latim, S. Philippus.

12 comentários:

  1. Prezado Luis.


    Quando tinha visto apenas o título da postagem em minha lista de leituras, pensei que Você tivesse postado sobre algum canivete interessante com cabo de prata ou madrepérola com a figura do Santo tal...
    Então canivet é uma arte de recortar papel.

    Estas miudezas são oriundas de um grande e elaborado trabalho que nos claustros fundos se fazia.

    Já falamos sobre estes Santinhos rendilhados, normalmente franceses, muito delicados e belos.
    Mas realmente este é um outro trabalho, de corte manual e da pintura também, como Vc informou.
    Este aquarelado me fez lembrar de um S. Joaquim que adquiri há um tempo e que ainda não postei. Mas não está picotado e tem tamanho maior; a semelhança para na aquarela.

    Fiz um post sobre um prato e um relicário. Sobretudo do relicário gostaria de ter alguma ideia, pelo menos de possível origem. E postei umas telhas e um vaso que deve ser Santo Antônio do Porto.

    Um abraço.

    ab

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    1. Amarildo

      Com efeito, Canivet é o termo francês que designa este tipo de registos. Em França, canivetie designa também a actividade dos que colecionam santinhos, isto é as pagelas e os registos. Não sei porque termo estas imagens finamente recortadas eram conhecidas no século XVIII em Portugal e no Brasil. Limitei-me a usar aqui a palavra com que internacionalmente se designam estes objectos.

      Irei espreitar o seu blog e ver o tal relicário.

      Um abraço

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  2. Caro Luís,

    Esse é que foi um achado e pêras!!
    Ainda bem que esse canivet encontrou um lar que vai olhar por ele!
    A minha Sta Cecília continua sózinha....
    Não há dúvidas de que nos nossos dias é coisa que não se encontra com facilidade, e se tenho o meu, devo-o,como sabe, a um mero acaso do destino.
    Mas pelos vistos, o Luís teve sorte, e certamente, resolveu dar uma prenda a si mesmo. Acho muito bem!
    Muitos parabéns pela belíssima aquisição!

    Um grande abraço

    Alexandra Roldão

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    1. Alexandra.

      A sua Santa Cecília fez-me descobrir o encanto destes canivets, pequenos monumentos da habilidade feminina.

      Tenho uma técnica para descobrir estas imagens. Normalmente, os vendedores tem sempre um invólucro de plástico pequenino onde há sempre pagelas, santinhos e fotografias à mistura. Quando vejo esses invólucros salto logo em cima deles. Normalmente a maioria só tem lixo, umas nossa senhoras de Fátima hediondas e umas santas sãozinhas, mas por vezes com sorte, descobrem-se por lá verdadeiros tesouros. É tudo uma questão de paciência e de espiolhar bem as bancas dos vendedores.

      bjos

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  3. Luis,

    Obrigado pela visita e cmt.

    Agradeci e respondi seu cmt lá no pobrezinho mas quis também te agradecer aqui, aproveitando para dizer algumas coisas que havia pensado mas não externado:
    Sobre o post anterior, cismei que a cabeça do anjo (da direita) está muito marcada ao redor de todo o cabelo, parece um limite de chapa. Uma emenda ou algo assim. Mas nada entendo dos processos destas gravuras. E é só uma impressão.

    Sobre o S. Filipe: Muito belo em seus traços simples. Parece uma daquelas iluminuras medievais. E como é interessante o nome grafado por extenso numa letra quase tosca até.
    Agora lhe cabe encontrar uma moldura digna. Estes papeis se protegem bem mais sob vidro, pelo menos do pó e de rasgos.

    Um abraço.

    ab


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    1. Amarildo

      Relativamente ao anjo da imagem anteriormente apresentada, esses aspecto deve-se ao facto de a imagem ter sido recortada. Provavelmente a ideia inicial terá sido aplica-la sobre um tecido rico e fazer um registo com aplicações de missangas e contas. Esse era um hábito muito comum no passado. Tenho uma estampa com a Nossa Senhora, que foi recortada no manto, precisamente para aplicar um tecido por de baixo, que seria bordado a ouro ou prata e nele aplicadas missangas. Aliás, esse é um bom tema para mais um post.

      Um abraço

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  4. Mais um achado lindo e raro! Para mim o que dá mais valor a este trabalho é ser feito em velino, um suporte nobre de escrita que me faz lembrar as belas e ricas iluminuras medievais.
    O Luís lá nos vai continuando a maravilhar com estas artes ligadas à religião e à vida conventual, graças à atenção que dedica a estes pequenos objetos, para muitos de nós quase invisíveis...
    Adorei a peça! Parabéns!
    Bjos.

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    1. Maria Andrade

      É bem verdade que tenho uma certa tendência para beatice. No entanto, a compra destes objectos justifica-se pelo seu tamanho reduzido, pois são os únicos que ainda cabem em minha casa.

      O velino confere-lhe uma delicadeza fantástica a este registo.

      Bjos

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  5. A peça é bonita e realmente foi o canivet da Alexandra que despoletou esta pesquisa por estas obras absolutamente fabulosas.
    São lindíssimas e este teu não é exceção. Aliás, está em muito melhor estado que o outro que tinhas e que, aliás, já tinhas apresentado.
    Eu deixei fugir uma destas obras recentemente ... fiquei cheio de pena, e era uma verdadeira maravilha também, mas afinal não se pode ganhar sempre.
    Manel

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    1. Manel

      Obrigado pelo teu comentário. Estas minhas pesquisas são muito incompletas. Precisaria de encontrar bibliografia sobre estes objectos conventuais, que normalmente a história de arte não confere grande importância. Continuo na dúvida se estes registos serão portugueses ou não, embora me incline mais para que venham de fora. São muito semelhantes aos que vejo nos sites de colecionadores e antiquários lá fora.

      Um abraço

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  6. Luís

    Mais uma vez, cheio de sorte. É uma verdadeira preciosidade esse canivet. Demonstra a criatividade, aliada à minúcia, das mãos pacientes de quem o executou. São rendas .. de papel ou velino, com motivos vegetalistas e arabescos.
    Conhecia os trabalhos de papel que vinham nas caixas de doces de Elvas e, modernamente, o trabalho, recortado em tecido, igual ao que ornamenta as capas de honras de Miranda.
    Parabéns.
    if

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    1. Ivete

      Concordo consigo. Já aqui comentámos muitas vezes que a história das artes destes conventos femininos ainda está por fazer. Mas, estas senhoras, estas monjas, certamente que não deixaram escritos sobre estes trabalhos. Devia ser um saber que se transmitia oralmente e pelo exemplo de quem fazia.

      Um abraço

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